ABEDULA – MISTÉRIOS DO MAR MORTO
*Do Livro 'A ESQUINA DOS CONTOS'
** Leia outros causos do árabe ABEDULA
Uma boa pescaria, de preferência com acampamento montado após o encerramento do expediente nos sábados era uma das poucas atividades que arrancavam Abedula do interior de sua Loja, onde ele parecia encravado. Quando alguém o convidava para qualquer outro evento o árabe sempre dispunha de uma resposta, “na ponta da língua” :
- “O negócio não funciona sem a alma do dono” ...
Mas uma pescaria era sempre um convite irrecusável e uma das poucas atividades fora do comércio que atraía um brilho aos olhos de Abedula que possuía uma caixa de madeira com toda a indumentária do pescador , além de uma mala de formato estranho que dizia ser confeccionada com couro de carneiros do oriente médio.
Nas encostas do Rio Uruguai existiam as chamadas “barrancas” que naquele tempo eram preservadas por matas ciliares e uma vegetação natural – mata virgem – onde montavam acampamento todos os integrantes da confraria do Abedula . Uma lona era estendida e montado um fogo de chão com uma trempe para assados e um tripé de ferro que servia para pendurar uma chaleira ou uma panela para fervidos e ensopados. Ademais, a noitada era sempre regada com licor de gengibre e quibes fritos que Abedula levava de casa.
Naqueles idos tempos o Rio Uruguai era famoso pelos peixes que eram capturados com fartura e até mesmo com uma certa facilidade. Verdadeiras peças de excelência capazes de produzir filés, ensopados e petiscos fritos – delícias naturais – em meio a um ambiente de parceria , contos eróticos e brincadeiras que alimentavam o imaginário masculino daquela geração.
E como convém, não faltavam as provocações a Abedula. Todos os membros da confraria que costumavam brincar com o árabe durante as visitas semanais à loja repetiam as doses com maior atrevimento e doses mais elevadas de sarcasmo, inclusive, porque a ausência de mulheres no acampamento permitira a utilização de um vocabulário que podia ser adjetivado como “pouco apropriado e nada refinado” ...
Em certa ocasião, um dos pescadores provou Abedula dizendo que ele somente havia conhecido peixe graças à sua vinda para o Brasil, pois que no Oriente Médio lhe era impossível capturar peixes nas areias do deserto ...
Abedula, por óbvio , ficava enfurecido e dizia :
“ - A ‘beixe de São Bedro” é a melhor brato do mundo” , numa referência ao famoso Peixe de São Pedro, típico da antiga Palestina e ainda amplamente difundido como prato típico que é servido aos turistas e peregrinos que visitam a região da “Terra Santa”.
Depois de alguns minutos de trégua, voltou a carga com toda a intensidade e logo outro ‘pescador’ lançou uma pérola azeda para ver a reação de Abedula, dizendo-lhe:
“ Aproveita ‘turquinho’ essas águas claras e límpidas do Rio Uruguai para tomar um banho, pois segundo sabemos lá no Oriente Médio tomar banho é coisa rara pela escassez d´agua ....
Furioso, Abedula retrucou :
“- Ignorantes , não sabem que o Mar Morto é reconhecido não apenas pela água diferenciada, como também ‘belo boder’ medicinal !
Então o patrício passou a dar uma aula inesquecível sobre o Mar Morto e toda a história e a mística que cerca esse que se constitui no depósito das águas mais salgadas que existem no planeta terra, a tal ponto – sustentava o árabe – de que era possível deitar sobre as águas em afundar .
“- Bode dormir um bouquinho” , dizia o turquinho ...
Sob olhares de atenção e ouvidos agudos, Abedula ia contando histórias fantásticas do Mar Morto e falava do poder curativo de suas águas e dos tratamentos feitos com o famoso lodo preto , um barro com capacidade de curar e tratar doenças de pele.
“- Cleópatra, seus burros !! viajava do Egito para se banhar nas águas do Mar Morto e cuidava de sua famosa pele com o barro medicinal do Oriente Médio” !
Orgulhoso e tomado pela brisa da saudade, Abedula descrevia todo o panorama do entorno do Mar Morto permitindo que cada um dos que integravam a confraria criasse imagens do lugar, mesmo sem nunca terem visitado o Oriente Médio.
E profundamente emocionado, Abedula invadiu a noite daquela pescaria dizendo que durante toda sua infância sempre ouviu os ancestrais contando histórias místicas do Mar Morto, muitas das quais estão plasmadas nas páginas da própria Bíblia . A proximidade do balneário de cidades históricas com citações até de Sodoma e Gomorra e um fato muito marcante que encerrou a noitada, quando Abedula quase indo às lágrimas revelou:
“- Meu ‘bai’ sempre falava de tesouros escondidos no entorno do Mar Morto e eu “bensava” que aquilo tudo era bobagem, mas agora descobriram numa caverna os Manuscritos do Mar Morto, que abalaram os cânones de todas as religiões” .
Com lágrimas nos olhos o patrício referiu que esses manuscritos mudariam o curso dos próximos séculos e , antes de se recolher para dormir, bradou ;
- “E viva o Oriente !!”