O Palhaço Triste
Caminhando pela rua escura vai um homem cabisbaixo. Um chapéu lhe esconde o rosto, um casaco lhe cobre o corpo, e ele avança na noite fria, sem prestar atenção no seu entorno. Mais um dia se passou, de trabalho duro que por ninguém foi apreciado. O palhaço de rua entra finalmente numa casinha no final de uma rua esburacada, acende a luz de uma luminária triste que se encontra numa mesinha torta, no meio do que devia ser uma sala de estar.
Anita saiu definitivamente da sua vida, depois de muito lhe enrolar. "Que te quero, agora não, que tu és meu amor, que não és o bastante, tu sabes que eu sou artista, tu és um simples palhaço". E ele não soube mais o que fazer, o que falar, depois de seu coração ter sido objeto das cruéis brincadeiras da menina, esbelta dançarina, a mais bela da cidade.
Ele se olha no espelho, seu rosto branco, o nariz vermelho, nas bochechas umas lágrimas desenhadas para fazer dele um palhaço triste, a única maquiagem que ele usou nos últimos tempos. "Nada mais acorde com meu coração", pensou o palhaço. Depois de perder um tempo contemplando seu reflexo, o homem pegou um algodão e deixou de ser palhaço. De atrás da maquiagem surgiu uma bochecha rósea, os olhos ganharam de novo sobrancelhas, o queixo ficou sombreado por uma barba incipiente.
O homem tira da geladeira os restos da refeição de ontem, come e deita. Sua noite vai ser curta, ele acordará cedo, pois precisa praticar os números que vai apresentar amanhã, embora saiba que pouco do que ele faça vai ser realmente visto. "Quando era criança", pensa ele antes de cair no sono, "um palhaço era a alegria da criançada. Saíamos em bandadas atrás do show de palhaços, morríamos de rir com as suas peripécias, desejávamos que eles nunca fossem embora". Dando um sorriso triste, ele lembra seu dia, com crianças caçoando dele, pequenos chorando e fugindo dele, pessoas apressadas, de olhares indiferentes, que passavam pelo seu lado sem demonstrar que reconheciam sua existência.
E ainda por cima Anita, que tinha lhe deixado uma carta antes de viajar para a capital com sua companhia de dança, ela, que não teve a coragem sequer de falar com ele pessoalmente, mas que o dispensou com duas linhas frias, nas quais verteu todo o seu desprezo. A senhora Pimentel, da casinha verde da esquina, entregou-lhe a carta com o semblante alegre: "Então o senhor tem namorada, hein! Quem houvesse pensado, e o senhor sempre tão calado!". Como para confirmar essas palavras, ele foi embora e nada disse.
Anita, a dona do seu coração, cuja cabeleira preta dançava junto com ela, cujas delicadas mãos tinham tantas vezes desfeito o seu penteado de palhaço, com poucas palavras cravou no seu peito o punhal do desespero. E o palhaço não teve mais motivos para rir. De que adiantava querer entreter aqueles que não o percebiam? Para que se preocupar com shows e malabares, risos e alegria, quando dentro do peito só tinha uma dor amarga que lhe devorava o coração e lhe impedia de respirar? Para que continuar a exercer uma profissão que os outros detestavam? Anita não tinha dito que ele era um simples palhaço?
Depois de muito se revirar no leito, o homem insone deseja ser diferente, deseja poder sair dali, da sua triste vida, ter uma outra profissão, outro destino. Pensa amargamente em Ludovico, o principal dançarino da companhia de Anita, aquele pelo qual todas andavam como loucas. Um homem sem cérebro, mas com pernas excelentes e músculos bem formados. Quem era ele comparado com esse dançarino?
Sentou-se ao pé da janelinha, através da qual dava para ver um pedacinho do céu. As nuvens, que o tinham acompanhado em sua caminhada até o lar, tinham desaparecido, deixando o luar brilhar e iluminar a rua. Ele então pede um desejo à lua: "Quero deixar de ser eu mesmo". A lua viu seu pesar, e banhou então seu rosto com sua luz azulada, brilhando com toda a força de que era capaz, desejando atender o pedido do palhaço triste. Ele então se viu numa via aberta: sua casinha tinha sumido, a rua suja virou uma campina verdejante, com matizes azuis à luz do luar. Só tinha ervas aromáticas a perder de vista, e bem no fundo, ao longe, se distinguiam as sombras de montanhas onduladas, como as costas dos camelos. O homem, que tinha sido um palhaço triste, contemplou tudo com olhos sonolentos, e simplesmente se deitou na relva macia, aspirando o aroma fresco da terra, das ervas e do orvalho, e pôs uma mão no coração e outra mão nos olhos, e descansou.
Depois dessa noite nunca mais se viu na praça o palhaço com lágrimas de maquiagem, e as crianças estranharam não ver o velho objeto das suas brincadeiras, e ninguém nunca mais ouviu falar do homem que morava na casinha ao fundo da rua. Para quem quisesse saber, a senhora Pimentel comentava em voz baixa a estranha história do homem calado que um dia recebeu uma carta que lhe deixara uma bailarina, e que depois disso sumira por completo...