Liberdade

Olhava com um prazer infindável as labaredas rubras exalando o cheiro acre de cera queimando. Não o perdoaria nunca por ter te roubado a vida exatamente quando mais a prezara, agora estava pagando com a dele. Um trio de lodo fétido desceu por cada órbita até manchar o pescoço pálido. Não podia evitar sofrer, o amava, apesar de tudo. Contraditoriamente, também o odiava com todas as suas forças.

Levantou trôpega e começou a valsar pelo ambiente, como naquele dia fatídico, onde o sonho se transformou em pesadelo. Era sua festa tão sonhada, estava debutando, e Augustus era seu príncipe encantado. Estavam felizes, havia vozes e risos alegres, a música suave ao fundo, farfalhar de saias rodadas de todos os tecidos e cores, não conseguia parar de sorrir, o tempo não parecia passar. Mas no fim todos se foram e por um breve momento ficara só, breve o suficiente para perder a alma por toda a eternidade.

Ainda que se passassem cem anos, lembraria daquele dia como se fosse agora, a respiração gélida e arrepiante na nuca, as mãos suaves pressionando sua testa e imobilizando seu corpo, a dor aguda na jugular, e o rio da vida a correr manchando seu vestido branco como a neve.

Quanto mais lembrava, mais doía, mais chorava e valsava.

Parou diante da fogueira e caiu de joelhos, os gritos de apelo entre as chamas ecoavam em sua cabeça apesar do silêncio reinante.

Estava livre. Mas livre de quê se continuava presa aquele destino fatídico? Se não havia mais vida, mais sonhos, mais Augustus? Levantou decidida, tirou as sandálias e de braços abertos abraçou as chamas.

Yane Faria
Enviado por Yane Faria em 23/07/2011
Código do texto: T3113823
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