O SER E O TEMPO
Era uma vez um SER.
Alado como tal, gostava de voar pelo tempo em busca de levezas. Era um ser que amava o pôr-do-sol, a aurora, o arrebol. Amava, sobretudo, a poetura do voo. Ser etéreo, vivia a poetizar o bailado dos voos, a hora crepuscular, o orbitar dos planetas... Havia no Ser, um auspicioso desejo de não-ser.
No escondido desse ser etéreo, alado, transcendental, coabitavam segredos. Uma chuva deles. Eram punhados de bonitezas, sutilezas e feiurinhas. Esse ser do vento, da liberdade, da utopia, só surgia quando noite alta se fazia. Não ousava sair de seu nicho, quando no céu , o sol cintilava e, na terra, banhava de luz as frontes, as fontes.
Assim era o SER: livre, suave, anônimo, soturno, noturno...
Era uma vez um TEMPO.
O Tempo era como o verdejar das matas e tinha o frescor das manhãs orvalhadas. Estava em todos os lugares. Habitava muitas paisagens. Tinha a cara da alegria e as linhas da vida eram impressas somente nas mãos; no rosto não! Isso porque o tempo era afeito de jovialidade. Era presente, sem pressa de futuro.
Um dia, num dos voos noturnos do Ser, sob a luz do luar e o clarear das estrelas, o SER e o TEMPO se encontraram... Se encantaram... Enamoraram-se!
O Ser alado achou aconchego no frescor da aurora, no iniciar da vida, no adolescer das vontades. O Tempo achou encantamento nas histórias narradas nos muitos voos do Ser alado.
O que mais encantava o Ser alado eram os cheiros que, do Tempo, emanavam: cheiro do novo e de tudo que o Tempo, com o passar do tempo altera, transforma, mutila.
E foi assim que, no bater das asas, no ventar do vento, o Ser rompe limites, esquece o iminente amanhecer e se entrega a inteireza do momento frente a cronologia inoperante do Tempo.
Juntos, vivem um amor secreto, mágico, intenso, tendo somente os astros por testemunhas.
Não se sabe aonde esse encontro os levarão. O que se tem é o tempo presente, expostos ao sonho. E no sonho do Ser alado, desejos de permanência e insidiosa vontade de segurar o Tempo...
Mas, como? Se o tempo não para!