Sonhando Com a Liberdade do Existir

Sonhando Com a Liberdade do Existir

Aqueles passos certos, passos fincados no meu eu território quintal de casa no antigo Curralinho, hoje Corinto, não com os cunhos gregos, mas do sertão mineiro, paisagem memorável de um tal João Rosa.Eu criança aprendiz de viver e lembrar-me de cada busca naquele vilarejo, onde o sol beijava primeiro, a lua nua iluminava o terreiro e as estrelas em êxtase saltitavam em busca de pontos estratégicos para melhor assistirem àquele cenário onde eu, protagonista da peça: Viver e Lembrar, esbaldava na criancice de mim peralta.

As brincadeiras no fundo do quintal, os meus movimentos aos olhos dos meus pais, eles já cascudos pelos ventos que em sintonia com a sina lapidavam o meu caminho, fui saber adiante o que era: futuro.

As pessoas brotam das sagas e com elas o desejo de serem felizes.

Lembro-me fogosamente do sino da Matriz mesmo não se cansando dos badalos, grita ainda hoje com fervor, como nos tempos já enfeitados pela outrora. Lá, Dona Zizaldina com o terço na mão e o véu na cabeça, me deixava confuso pela minha inocência em imaginar que ela fosse a virgem santa do altar.

A minha mão trêmula à de mamãe fazia-me seguro e também papai, com os olhos de riso, deixava meu coração tão feliz, que eu ensaiava flertes às minhas colegas de escola, mas, antes da reza, onde cada um pedia à sua maneira, eu pedia o tão sonhado carrinho de plástico lá da Loja do Jair Broto.

Aquela Capela ainda hoje ostenta seus traços aos meus olhos e de todos.Voltar ao túnel do tempo rejuvenesce o viver do ontem. O Trem na Estação dá o sinal de partida e na pracinha os aposentados da ferrovia, hoje nos trilhos da minha memória, com seus jornais, liam atentamente enquanto o engraxate caprichava com o couro. Na esquina o Seu Jeremias, vaidoso e elegante na alfaiataria, para provar o terno de Casimira, pois o casamento da filha era com o telegrafista Josué, esse sabia das notícias.

A labuta não tem freio, pois nós anciãos do hoje, ainda nos resquícios da saudade, agigantamos ao assediar o passado que, no limiar do dia, monta o cenário para a intrépida tarde, essa sem pressa ouve o chamado da noite.

Em nossa palhoça a lamparina. O brilho dos nossos olhares na dança das chamas, o relâmpago iluminado mostrando a plantação no breu da noite, os trovões como zabumba trazia a lembrança do Lundu, herança deixada pelos meus bisavôs: Bento e Maria. E no colo do estio os rumores nas redondezas eram de fartura e prosperidade. Lembranças!

Ainda com os olhos fixos no final de tarde e a revoada expondo o desenho do dia, pude sentir que o chegar da noite seria um presságio de lembranças e que lembranças!

A entrega lenta do sol ao entardecer faz do arrebol um lindo cenário e o rio ensaiando seu poema para o Sarau, contava ardentemente com a presença da plateia cintilante- as estrelas- para abrilhantar essa apoteose e alguns barqueiros em busca do sustento e até tímidos pescadores nos barrancos emudeciam e rendiam ao espetáculo do Supremo, envolvido de mistérios e poder.

A criação se recolhia à sua maneira, as galinhas no esforço do voo até o poleiro, o gado na mansidão do cansaço, aqui e ali buscava o seu cantinho para melhor aquecer e passar aquela noite que prometia o frio charmoso da época. Os que de madrugada, haviam saído para o campo, voltavam com os seus deveres cumpridos. Com o alívio de terem semeado o fruto da alimentação na sagrada terra.

O vento assanhado convidava a brisa, com sua sutileza e em sintonia com as flores do sertão, perfumava os campos, aos olhos do veloz colibri que espalhava o mel sugado das donzelas perfumadas do Ipê, que em companhia do Jequitibá ostentava o charme para enfeitar aquele lindo palco.

A inspiradora lua, nua, chega num passe de mágica e cheia de charme, anuncia o primeiro poema da noite, declamado pela singela borboleta, arranca aplausos incontidos. Os vaga-lumes na ribalta acendem as luzes, pois é momento de glória. A próxima atração será o rouxinol, sempre afinadíssimo, deixando os casais mais apaixonados em meio aos beijos para aquecerem a natureza e a vida.

A cada segundo, aquela minha viagem ia ganhando uma dimensão ímpar e adentrando na metamorfose, me sentia de mãos dadas com o Criador e as lágrimas começavam a brotar dos meus olhos, como uma cachoeira derramando rumo ao belo e eu, coração sertão, me transformava ora em pó, ora em barro na busca do sensato direito de existir.

Fim de espetáculo e novamente o céu começa a avermelhar-se, pois, o astro e loiro sol vêm em marcha e cortejo trazendo no alforje o dia e o calor para aquecer almas e despertar um louco poeta, que em deleite sonhava com a vida de mãos dadas com inocência do existir e no Jardim do Éden fantasia em mim, ficará armazenado na insistência de ter um dia um mundo com suas verdadeiras cores e verdadeira liberdade para ser feliz!

Mestre Tinga das Gerais
Enviado por Mestre Tinga das Gerais em 20/06/2011
Reeditado em 27/11/2018
Código do texto: T3045971
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