O dia que conheci Paul McCartney
Estava voltando do trabalho por volta das dezoito horas, num dia mui abafante, e de costume, o trem estava apinhado de gente que saía até pelas janelas.
Parei na mal cheirosa estação de Santo André e saí daquele asco e finalmente cheguei à liberdade das ruas.
Passei pelas barracas multicoloridas dos camelos para chegar, no também, abarrotado ponto de ônibus e lá havia um velho aposentado, meio esclerosado, parado feito à estátua de Dom Pedro I, possuído de uma placa de anúncios amarela de letras verdes que entre outras coisas dizia:
- Compra e venda de postais!
Ora me interessei, obstinado, pois eu colecionava postal.
E naquele dia, por acaso, eu estava com um postal inglês da segunda guerra mundial que eu tinha conseguido quase que de graça num boteco bem escroto.
Sendo assim fui até o local indicado e havia uma atendente muito simpática e esbelta, me deu atração física, mas devido a minha grande timidez desconversei e perguntei sobre os postais.
Ela com atenção rara, um pouco tímida é verdade, foi mostrando os postais de todos os cantos do mundo, e me dizendo suas histórias e seus preços.
Perguntei se a loja pagava bem pelos postais e ela me respondeu que dependia do modelo, país e de sua história.
Mostrei o meu postal preto e branco e ela, de imediato, arregalou os belos olhos castanhos e pediu para eu esperar um pouco.
Ela teclou alguns números do telefone vermelho bombeiro e falou algumas coisas que eu não entendi bem, pois havia muito barulho vindo da rua.
Voltou-se para mim e disse, em tom sério para eu subir, pois o dono da loja queria me ver.
Olhei para as escadas de pisos soltos, e fui eu subir as escadas, um tanto ressabido.
Entrei numa sala bagunçada com instrumentos musicais espalhados desordenadamente, por todos os cantos.
Um homem com sotaque inglês, estava sentado de costas para mim e pediu para eu me sentar no sofá remendado que estava a sua frente.
Sentei-me e o olhei. Não pude acreditar, pensei que estava sob efeito de alucinógenos, era o Paul McCartney? Era possível? Não resisti à curiosidade, perguntei:
-Você faz cover do Paul McCartney?
Ele deu uma risada longa e respondeu:
-Sou o próprio!
Então a risada foi minha e desafiei-o:
-Tudo bem! Eu não estou sob efeito alucinógeno. Se for mesmo o Paul McCartney, cante uma música.
Com toda a naturalidade, pegou um violão amarelo simples e começou a cantar Band on the Run e não é que era igualzinho!!!!
Depois começou a me contar dos tempos dos Beatles, da sua relação de amor e ódio com John, seu carinho por Ringo e sua indiferença com George.
Divertia-me muito com suas histórias lendárias e contadas naturalmente, mas o fato era demais inusitado e perguntei curioso:
O que você faz em Santo André? E Por que comprou uma loja de postais?
Ele se ajeitou no sofá, acendeu um cigarro e começou a contar:
- Vim de Liverpool para passar as férias na selva amazônica, mas lá não havia muita emoção e ouvi dizer que as cidades no entorno de São Paulo são mais divertidas e ninguém me notaria e eis me aqui.
-Você largou fama e dinheiro, para vir morar em Santo André?
- Não exatamente, estava cansado de princesas, badalações, shows e coisas do tipo. Eu quis retornar na época de antes de ser famoso! E estou contente como há muito não ficava.
Eu tive certeza absoluta. Era o Paul McCartney! Trocamos postais e outras conversas tolas.
Após algumas horas, disse-me, como se fossemos velhos amigos, que eu poderia visitá-lo quando eu quisesse.
Voltei para minha saga de retornar para a casa, e logo na entrada da rua mal iluminada de minha vila de classe média baixa, contei o caso para meus amigos e óbvio, riram
Eu os desafiei, na mesma certeza que o Sol nasceria na manhã e em tom irônico, disse:
-Vamos lá amanhã!
No dia seguinte o Sol não apareceu, pois estava nublado, confesso que minha certeza se abalou um pouco, mas não podia voltar atrás, afinal, era minha sobriedade que estava em jogo.
Chegando a loja, tive certo alívio ao ver à bela atendente que me encantava os olhos e perguntei pelo dono da loja e ela me respondeu com tom de decepção que ele havia viajado.
-Não Acredito! – Esmurrei o balcão.
Ainda num resquício de esperança, perguntei:
-O Paul McCartney é o dono da loja?
Ela olhou-me com um olhar pueril, quase que de piedade e nem precisou responder; a chacota era generalizada.
Aos sons de louco, burro e outras palavras que não posso mencionar, saí cabisbaixo da loja e caminhei pelo calçadão comercial do centro de Santo André até chegar à Praça do Carmo, pensando em como me livrar de tamanho desatino.
Sentei-me ao banco da praça rodeado por pombas alvinegras e eis que um homem vestido de preto e óculos escuros, sentou-se ao meu lado e em tom melódico, disse:
-É a longa e sinuosa estrada!
-Paul! – Admirei-me e feliz, por saber que não estava louco. – Por que você foi embora?
-Não queria ser descoberto. – Respondeu-me um tanto contristo. – Cansei de tanta gente, me esconderei num outro canto, talvez eu vá para Buenos Aires, dizem que as portenhas são muito belas!
E disse mais:
-Meu caro amigo, foi um prazer trocar postais com você, um dia desses a gente se encontra pela longa e sinuosa estrada.
Levantou-se e lentamente sumiu por entre a multidão, ainda sentado, eu estava pensando no que estava acontecendo, e nem percebi à bela atendente chegar e ela se sentou ao meu lado e disse:
-Eu nunca vi o dono da loja, pois eu sempre conversava com ele por telefone! Ele parecia ser alguém que estava se escondendo.
Então peguei em suas delicadas mãos e lhe dei um sorriso apaixonado, ela retribuiu e nos beijamos tão intimamente que estamos caminhando até hoje, juntos, pela longa e sinuosa estrada.
E quanto ao Paul eu nunca mais o vi, não sei se ele foi para Buenos Aires, sumiu de minha vida como se fosse uma alma penada.
E foi assim que conheci Paul McCartney e se o caro leitor, acha que sou mentiroso ou louco, poderá comprovar a veracidade de minha história perguntando para o próprio Paul.
Obs.: - Nunca interrompa os devaneios de alguém!
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