Anmer de Múton

__Me diga, como vocês medem o valor das pessoas por aqui?

__Uma boa pergunta. Aqui cada um de nós tem seus critérios. Alguns admiram o corpo, padrões de beleza, perfeição física. Há os que gostam de alma, de capacidade de se relacionar e comunicar, de discussões inteligentes. Existem também as pessoas que preferem sorrisos e sentimentos puros. E por último aqueles seres baixos que não medem o indivíduo pelo que ele é, mas pelo que tem.

O mutoniano gargalhou alto como se fosse uma piada engraçada que nunca havia ouvido.

__Como podem ter diferentes pesos e medidas para o valor de um sujeito? Como sabem, por exemplo, qual macho será o melhor companheiro para qual fêmea se, pelo que vejo, este mesmo macho pode ser bom para uma fêmea, mas aos olhos de outra, não servir?

__ Primeiro me diga, como fazem em Múton?

__Em meu planeta medimos de forma simples: quanto mais alto o ser, maior o valor. E cada par é formado de acordo com a altura dos dois. Aliás, meu caro João da Terra, você seria muito cobiçado em nossas terras, pois mede mais do que muitos valiosos mutonianos.

__Obrigado, obrigado. Bem, lhe respondendo: cada um escolhe pra si o companheiro, com base nos seus gostos. Mas - e é bom que leve isso como conhecimento de nossa raça - existem forças estranhas que atuam acima dessas nossas escolhas, forças que damos o nome de sentimentos. Estes podem nos influenciar e até fazer com que neguemos nossas preferências, e um destes sentimentos (me arrisco a dizer que seja o mais forte deles) é quem dita se vamos ser felizes com nossa parceira, ou se o compromisso não irá durar. Ele mexe com nossos sentidos e altera a percepção de nossas mentes. Age até sobre o tempo, acelerando-o quando estamos ao lado da cúmplice e atrasando se estamos longe. É capaz até de gerar outros sentimentos, como um que imprime na gente uma falta imensa combinada a um “peso nos ombros” que damos o nome de saudade.

__Saudade, sau-da-de. Um nome simples. E este maior, não tem nome?

__Tinha, mas fizeram desse nome uma piada usando-o para quase tudo. Hoje não ouso mais usá-lo pra definir tal coisa.

Anmer, o mutoniano, tinha um longo caminho de volta e partiu, levando consigo muitas descobertas e questionamentos sobre aquele povo tão primitivo nas ciências, mas tão complexo nos relacionamentos.

Ao chegar a Múton, ainda cheio de dúvidas, foi aclamado por ser o primeiro se sua raça a atravessar seu sistema solar e conhecer novos povos. A ele foi oferecida Ivilin, a mais alta das mutonianas. Uma honra para ambos, todos pensavam, inclusive ela. Mas Anmer não via mais as coisas com os antigos olhos. Começou a se questionar se apenas a altura de sua parceira seria necessária para torná-lo completo pelos longos 478 anos que ainda tinha de vida. “Para o João da Terra me parece que não seria” pensou com ele mesmo. E agradeceu a seu povo pela honra, mas negou a oferta de Teranm (o termo para casamento em Múton) com Ivilin. Um espanto geral seguido de murmúrios e perguntas tomou a população. Não entenderam sua decisão.

Entenderiam muito menos quando cinco anos mutonianos depois, Anmer veio a propor Teranm a Eorti, uma fêmea de baixa estatura (portanto de baixo valor). Mal sabiam que ele nem mais olhava seus iguais pela estatura. Havia mudado. E escolheu a mais inteligente das mutonianas para ensinar estes novos conceitos. Ensinou a ela coisas que nem ele sabia explicar com certeza, os tais sentimentos. No processo, começou a observar detalhes simples como a forma com que Eorti o olhava, ou o seu andar gracioso. Percebeu que sempre possuía uma vontade inexplicável de segurar sua mão ou contar-lhe algo interessante que fizesse com que ela o admirasse. Ao voltar para seu alojamento, sentia a falta desta fêmea de baixo valor e mesmo deitado batia em seus ombros o peso do qual João da Terra havia falado. Que não importa com quem conversava ou as tarefas que exercia, sempre tinha Eorti em sua mente. E então, como se um estalo o atingisse, percebeu que havia trazido um passageiro em sua nave: a força maior que movia os relacionamentos humanos! Sim, ela estava ali e agindo sobre ele, essa era a única explicação. Constatado isso, cedeu. Juntou-se àquela que era o objeto de seu desejo e permaneceram unidos até o fim de suas vidas.

Mas isso foi a milhares de anos atrás e hoje quase todos os habitantes de Múton seguem os ensinamentos de Anmer, Eorti e seus filhos. Todos ali escolhem seus parceiros seguindo a entidade sem corpo terráquea, que manda em seus pensamentos. A ela (e acho muito justa a homenagem) deram o nome de anmer, por razões óbvias. O mais engraçado é que a palavra lembra de longe o título que este sentimento tinha na Terra há alguns séculos atrás. Amor, esse era o nome no planeta azul. Um nome que viu a necessidade de mudar de forma, de planeta, de sistema solar para reencontrar seu antigo significado: aquilo que não se explica, não se vê, não tem interesse nem preço, só se sente.