Deslocamento.
Érica nasceu da imaginação de um escritor noir . Vivia em uma cidade cinza onde o sol era paisagem na parede. Deslizava entre ternos e olhares escuros, respirando segundo a vontade do criador.
Em muitas ocasiões o ar lhe faltava, em outras o tomava em golfadas. Páginas e páginas frenéticas davam lugar as lacunas decorrentes da falta de vontade do autor.
A ansiedade a tomava em tais hiatos e para se acalmar fazia versos. Odes ao criador, resmungos impacientes, recados.
Em alguns momentos chegava a acreditar que tinha vida própria e saía por aí inventando figurino, mudando cor de cabelo, treinando novas atitudes. Mas de uma de uma hora para outra sentia que algo estava modificando seus passos.
O chamado do autor mudava outra vez a marcha e ela ganhava novos traços na personalidade, um olhar mais vago e missões inéditas ao fim das quais ganhava dias de bons sonhos e noites paradisíacas.
Imaginava-se contracenando com Humprey Bogart, pois era dada a ver romance através da fumaça.
Érica espargia tinta colorida nas linhas escritas por outras mãos deixando vestígios de seu sonho mais íntimo: ser a protagonista de uma comédia romântica.