Deslocamento.

Érica nasceu da imaginação de um escritor noir . Vivia em uma cidade cinza onde o sol era paisagem na parede. Deslizava entre ternos e olhares escuros, respirando segundo a vontade do criador.

Em muitas ocasiões o ar lhe faltava, em outras o tomava em golfadas. Páginas e páginas frenéticas davam lugar as lacunas decorrentes da falta de vontade do autor.

A ansiedade a tomava em tais hiatos e para se acalmar fazia versos. Odes ao criador, resmungos impacientes, recados.

Em alguns momentos chegava a acreditar que tinha vida própria e saía por aí inventando figurino, mudando cor de cabelo, treinando novas atitudes. Mas de uma de uma hora para outra sentia que algo estava modificando seus passos.

O chamado do autor mudava outra vez a marcha e ela ganhava novos traços na personalidade, um olhar mais vago e missões inéditas ao fim das quais ganhava dias de bons sonhos e noites paradisíacas.

Imaginava-se contracenando com Humprey Bogart, pois era dada a ver romance através da fumaça.

Érica espargia tinta colorida nas linhas escritas por outras mãos deixando vestígios de seu sonho mais íntimo: ser a protagonista de uma comédia romântica.

Evelyne Furtado
Enviado por Evelyne Furtado em 10/06/2011
Reeditado em 10/03/2023
Código do texto: T3026211
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