Mitologia Contemporânea: Magia e Arte

Em uma época de grande crescimento econômico, um dos maiores proprietários da região percebe que sua idade está avançando e logo não terá mais como cuidar dos negócios. E que sua única filha não é mais uma menina, percebe que precisa conversar sobre o que acontecerá com suas propriedades após a morte. Com pouco êxito, a filha pouca importância dá aos assuntos paternos, preferindo mais a diversão diária do conforto inato que lhe foi posto, das festas, namoros e do sexo.

Ela, cercada de amigos, nunca gostara de ninguém apesar de ter muitos interessados. Preferia apenas curtir o momento e isso bastava.

Acontece que um dia, por invenção do destino, acontece o inesperado. Ela enfim conhece uma pessoa tão especial que muda toda sua vida. E da parte dele também. Um amor acontece e os dois se casam.

O pai então percebe que o rapaz é bom para os negócios e propõe que o mesmo comece a cuidar de tudo enquanto ele está vivo e assim faz. Com o tempo o velho vai ensinando todo o necessário e o jovem aprende com o seu devido esforço.

O velho morre.

O casal então vê-se como único representante de tudo e todos passam à procurá-los. Ao mesmo tempo em que o jovem cuidava dos negócios, começou a sentir ciúmes de todos que vinham ter com eles. E mais e mais se incomodava com as indiretas para sua esposa que eventualmente pegava.

Ele começa então a proibir que certa pessoa venha, que outra também não. E com o tempo já quase ninguém mais pode entrar para seu círculo de amizades pois todos são suspeitos, homens e mulheres.

Ele então vê a tristeza dela e passa a se vestir de visita para que ela não o reconheça e se sinta melhor. Com o passar dos meses ele já possui uma centena de fantasias e desenvolve mil formas de se relacionar com sua própria esposa sem que ela saiba de nada.

Um desses personagens começa a atrair a atenção da moça e ela começa a se deixar sentir atraída. Ele, querendo saber se ela o trairia, continua dando corda. E a relação vai se aproximando. Cada vez mais intensa.

A cada passo, a cada personagem, cada vez mais sua vida de casal perdia segundos valiosos, e a cada dia mais desses encontros, mais real se tornava o personagem e mais o interesse de ambos estava naquela segunda relação.

Em um destes encontros, os dois em um momento de absoluto prazer, encaram-se e se olham. Desejam-se. E então movem-se para se beijar. E aproximam-se. E querem. E vão. E os metros se tornam centímetros, e os centímetros em milímetros, e o desejo se torna culpa, e a culpa traição e ambos, congelados, parados, se olham, e tentam decidir dentro de si o maior valor, se o desejo, se a verdade, se o beijo, se a vontade, se a lealdade, se o valor, e então a porta abre e os dois separam-se disfarçando.

Ele agora tem medo que caso ela queira o personagem, não queira mais ele de verdade, e decide nunca mais fazer tal personagem. Volta para sua roupa normal, encontra sua mulher e percebe que ela tem o olhar distante. E ele sente falta do herói que criou.

Angustiado volta aos negócios e já não tem mais clientes pois estão todos proibidos de vir, olha para a esposa está magra e fraca esperando que alguém à socorra. Olha ao seu redor, a pintura das paredes está rachada e parece que há anos a casa não vê uma limpeza. Ninguém mais quer negociar com ele, o dinheiro não mais sustenta a casa e nem a própria esposa tem o que dizer além de reclamar e brigar de tudo que falta.

Uma tristeza bate no profundo do seu ser, percebe o tempo e tudo que deixou de ver por seu ciúmes: os negócios, a família, a casa e agora desesperado corre para o jardim, ajoelha-se. Olha para o céu chorando, implorando que Deus ajude. Passa três dias e três noites seguidas sem comer, só bebendo o que a chuva lhe dá e então cai sem forças.

Ao acordar, vê diante de si uma pequena plantinha. Ela nasceu ali para lhe dar as boas vindas e então diz: Venho em nome das plantas que dão sementes, da terra que dá alimento, do sol que dá luz e da água que dá vida. Tenho uma proposta a fazer. Que para cada pessoa que te faz falta hoje, cuide de um animal, e que para cada negociante que perdeu plante uma árvore e para cada cômodo de sua casa que está em ruínas cuide também você de cada um destes elementos como de si. E ao fim disso tudo, terá de volta o amor de tua mulher. Ele então concordou e levantou-se.

Ao entrar em casa, estava vazia. O telefone mudo, sequer as portas se abriam com facilidade. Porém sua palavra estava dada e agora estava decidido a trabalhar.

Buscou ferramentas, água, sementes, e por 10 longos anos tudo que fez foi arrumar tudo que destruiu. E os que passavam em frente à sua casa, notaram a reforma e vieram perguntar, e assim um a um foi se aproximando e novos negócios foram sendo feitos. E a cada negócio novos projetos, e a cada projeto uma parte da casa ia se recuperando, e a cada árvore uma nova amizade.

Ao fim destes longos anos só não tinha notícias de sua esposa.

E um dia sentado no jardim, diante do portão, como que esperando, passa o carteiro com um envelope diferente. Ele corre afoito. Pega o envelope sem nem olhar o carteiro. É uma carta de uma conta para pagar. O envelope apenas desbotou.

Ele caminha para o banco e pode olhar enfim para sua casa e tudo que construiu. Como está bonita. Neste momento ele tem a certeza que o mais importante está diante de si. Que não precisa mais esperar um grande amor que o alegre, mas sim encontrar a alegria dentro de si mesmo. Que as relações pessoais são jóias valiosas e que a vida atrai mais vida.

Nisso lembrou do carteiro que ele nem disse oi e deu as costas. Virou para corrigir seu erro, e ao virar-se, quem estava lá?