JESUS VEIO AO RIO DE JANEIRO - Parte Final

Caminhava pelo morro sem rumo, quando uma viatura da polícia o parou:

-Documentos!

-Não os possuo, senhor.

-Como é seu nome?

-Jesus de Nazaré

-Era só o que faltava! Tá drogado?

-Não senhor, estou faminto,tenho sede e sono.

-Pois vai dormir no xilindró. Leva o cara aqui pra DP.

Algemado, lá se foi Jesus, o Cristo preso por uma patrulha do morro , no Rio de Janeiro.

Sem documentos, afirmando categoricamente se tratar de Jesus de Nazaré, foi tachado de drogado e louco, misturado a muitos marginais em uma cela fétida, fria e escura. Pelo menos lhe deram água para beber e um prato de uma ração rala parecida com uma sopa fria acompanhada de um pão.Sentado no chão gelado, passou assim a noite de domingo para segunda, pois estava resolvido a descobrir até onde ia a maldade e a bondade humana.

Na manhã seguinte, lhe deram um pão e uma caneca de café. O delegado o mandou chamar e disse:

-Vou soltar você porque num tenho prova nenhum pra lhe deixar aqui, mas não é por minha vontade não, por mim, você apodrecia aqui, mas já tem bandido demais ocupando o recinto e lugar de doido é no hospício. Mas se eu te pegar zanzando na rua por aí sem documentos, tu vai ser incorporado no presídio e nem o satanás tira tu de lá. Naquele momento, o Senhor percebeu com que brutalidade os homens usam o PODER para infringir seus castigos. Ele era inocente, mas estava jurado de passar o resto dos seus dias preso, se não tivesse documentos.

Caminhou sem rumo, até que uma moça, aparentando uns trinta anos, com os cabelos presos num rabo e cavalo, um short curtíssimo e apenas de sutiã o chamou:

-Ei, tio, dá uma entradinha aqui.Não quer beber uma coisinha não?

-Eu não bebo álcool.

-Mas fode? Porque se bebe ou não bebe é problema seu, quero mesmo é clientes.

Jesus se aproximou da moça e perguntou:

-Qual é a sua idade?

-Por quê? O que é que influi?

-Porque lhe vejo uma jovem com aparência de mais velha.

-Tenho vinte e dois.Mas tá pensando o que? Noite acordada envelhece.

-E porque trabalha assim?

-Porque tenho filho pra sustentar. Que tanta pergunta é essa? Vai entrar ou não vai?

O mestre entrou naquele prostíbulo e com esperança de encontrar uma alma pura naquela jovem, sentou-se numa mesinha e lhe disse:-Podemos conversar um pouco?

Sem saber porque, a mulher assentiu. Sentou-se com ele, e o Senhor perguntou-lhe se já tinha tentado outro tipo de trabalho.

-Trabalhei de doméstica, mas a patroa me acusou de comer demais e de levar pra casa as sobras. As vezes eu levava mesmo, meu filho e minha mãe tinham fome, mas ela me colocou pra fora e eu não consegui encontrar mais trabalho porque não tinha referência.Não estudei, só sei assinar o nome. Vendo o corpo porque é mais fácil de ganhar dinheiro. Mas até pra ser puta tá difícil, os clientes aqui são todos lisos.E pra falar a verdade, eu gosto desse serviço.Sinto tesão nos clientes.Adoro trepar e fazer de tudo.

-Você mora aqui com quem?

-Com a velha que é a dona dos quartos, tem uma de São Luiz, uma de Recife, duas de menor que vieram do interior de São Paulo e um viado que aparece aqui de vez e quando, passa uns dias e vai embora.Mas essa hora acordada só tem eu, as outras trabalharam até de manhã.

-Não quer mudar de vida?

-Só se eu tirasse na mega sena. Vou lá trabalhar pros outros!Gosto mesmo dessa vida que é mais mansa, as vezes aparece um doido aqui, bate na gente, dá trabalho, mas depois vem outro , faz gostosinho, paga a cerveja, é bom demais.Eu mesma sou viciada em sexo.

-Já pensou na outra vida? No céu?

A rapariga olhou desconfiada para aquele homem que perguntava demais:

-Vigi, só falta me dizer que é padre ou pastor. Eu bem que devia ter desconfiado.Quero saber dessas coisas não, seu Zé, pode ir embora. Não vai trepar e nem pagar, então acabou-se o papo.

Jesus, percebeu-se lado a lado com a PROMISCUIDADE. Saiu dali muito triste. A simples menção do seu reino havia irritado profundamente a mulher. Sempre acreditou que as mulheres se prostituíam por necessidade. Agora sabia que algumas gostam de fazer o que fazem. Vendem o corpo que é seu invólucro terreno, quanto mais a alma que não conseguem ver e algumas pessoas nem percebem que a tem.

Mais na frente, no quarteirão seguinte, escutou ma música e foi até lá. Era uma boate com a porta parcialmente aberta e uns rapazes com uma jovem ensaiavam um numero musical. Ficou olhando da entrada da porta.-Jovens tocando e cantando! Agora sim.Eles me ouvirão.

Ficou em pé num cantinho do salão aonde ninguém o via, a música era pesada, uma mistura de rock e de blues. Os jovens pareciam em transe, a jovem gritava muito, quase não se ouvia o inglês abrasileirado que ela entoava. Mas ao final da música, o mestre aplaudiu. Eles o notaram e o guitarrista foi ao seu encontro:

- E aí, véi, qualé?

-Ouvi a música, entrei para assistir.

-Tu é polícia?

-Não, sou Jesus.

-Aí o cara, ó! Ei, galera, o mano aqui é Jesus, ó! Nome irado.Eu sou Moisés, a mina é Madalena, o baterista é Pedro e o baixista é Tiago.Irado cara, parece até que nos “tamo” na bíblia! (risada geral)

E aí, vamo dar um teco ali no bagulho, depois nós continua.Tá nessa?

-Não.Mas porque vocês se drogam?

-Pra ficar ligado, mano.E aí, tu não é milícia não, né?

-Não. Falou o Cristo, enquanto o guitarrista saia para dar o “teco”, e pouco instantes depois começava outra música com aquele ar de ALIENAÇÃO.Nem reparam que o mestre saia chorando uma lágrima de sangue, pela juventude perdida, que precisava de drogas para executar uma das mais belas tarefas doada aos homens pelo criador, a arte, a música.

-Crianças! Pensou o mestre! Vou visitar crianças nos orfanatos. Elas são puras, certamente me ouvirão.

Tinha um orfanato perto dali, lhe informou o pipoqueiro que passava. Era um casarão muito velho, precisando de reparo e pintura. Um jardim grande e mal cuidado na frente aonde brincavam algumas crianças. Uma senhora de meia idade fazia contas em um caderno, sentada num banco de cimento. Ligava e desligava a calculadora, tinha um ar meio desesperado. Uma criança tropeçou num tronco caído e começou a chorar:

-Lavanta pra cair de novo. Você é cego, menino, não viu esse tronco não foi?(gritou a senhora)

-O que foi, dona Creusa?

Era uma freira. Irmã de caridade.

-Esse trambolho que danou-se no chão. Daqui a pouco o povo chega pra escolher um e vão tá todos imundos feito porcos.

-Calma dona Creusa.Daqui a pouco um ou dois , se a gente tiver sorte, vai simbora daqui.-Vá lavar essa cara, menino.

Jesus assistia a essa cena num canto do jardim onde ninguém o via. Ficou triste com a impaciência das mulheres, mas relevou, pensando na dificuldade que teriam para manter aquela instituição.Afinal, as crianças que ali estavam haviam sido abandonadas e foram acolhidas. –Devem estar com a doença do mundo moderno, o estresse. Naquele momento para um carro branco com dois casais. Descem do automóvel e a freira solícita os veio receber;

-Bom dia, sejam bem vindos. Sou a irmã Do Carmo , a diretora. As crianças já estão prontas para a escolha, vou trazê-las aqui.

-Não podemos entrar?

-É melhor esperarem aqui, as criaças sujam muito a casa e aqui tem mais luz.

Os quatro ficaram parados na entrada da porta, enquanto a irmã fora apanhar as crianças para a adoção.

-Temos onze crianças, foi dizendo enquanto voltava com todas enfileiradas. A menor tem sete anos, é a Julia e o maior é esse aqui, Antônio que tem doze.

- A senhora não tem crianças de colo brancas? Nos escrevemos para crianças de colo brancas. Esses daqui já estão grandes demais. Na ficha colocamos crianças brancas, recém nascidas, de preferência com olhos claros, para que todos pensem que são nossos filhos de verdade.

-Os bebês saem logo. Só tem um pequenininho lá dentro que está doente.A mãe tinha Aids.

-Não quero criança doente, irmã, falou o mais jovem dos homens.Deus me livre de praga de Aids na minha família.

-Eles são bons meninos.São educados.

-Não. Queremos bebes, mas do nsso jeito.

O Mestre que assistia a tudo, caiu por terra ajoelhado e chorou mais uma vez. Dessa vez, eram lágrimas de puro e precioso sangue.Talvez aquela fosse a pior cena encontrada em sua visita à terra, aonde pode constatar o efeito da DISCRIMINAÇÃO.E o pior, da discriminação contra crianças indefesas.

Os casais partiram sem levar nenhuma das crianças.Jesus permaneceu ali,de joelhos, chorando pela humanidade por um bom tempo, até que sentiu um afago em seus cabelos. Uma pequenina mão, pretinha e sujinha, fazia -lhe pela primeira vez no seu passeio na terra, um carinho inocente.

-Porque tá chorando, moço?Tá doente? Quer que eu vá chamar irmã do Carmo?

Levantando os olhos e fitando a figura iluminada da menina, o Salvador sorriu:

-Não estou mais chorando. Seu carinho passou minha angústia.Como se chama?

-Júlia e você?

-Eu sou Jesus de Nazaré.

O olhar da pequena Júlia iluminou-se e o seu sorriso sem os dentinhos da frente, pareceram a Jesus o mais belo que já vira .Abraçou o mestre, num abraço apertado de reconhecimento e carinho, depois olhou bem fundo nos olhos dele:

-Me leva com você?

-Não moro aqui.

-Eu sei, me leva com você!

-Não posso adotá-la.

-Sei que pode tudo. Me leva!

-Aqui você tem amigos.

-Lá terei você. Me leva.

-Não foi pra isso que eu vim.

-Foi sim, me leva.Eu não vou dar trabalho, prometo. Sou boazinha.

-Eu sei que é boazinha, mas ainda não é sua hora de ir comigo.

-Nem você me quer.-Começou a soluçar a pequena menina.Jesus a abraçou docemente:-Quero sim, pequenina, foi por você que e vim a essa terra, e sua inocência valeu a pena. Mas é aqui que você tem que ficar, para começar uma geração de coração puro, de quem sabe amar e acreditar nas pessoas, uma geração de entrega, de confiança, de felicidade, aonde o homem valorize o semelhante, aonde não exista preconceito e nem discriminação, aonde não exista lugar para violência, aonde as pessoas se importem com as outras e aprendam a repartir o pão, aonde os jovens preparem-se com confiança para um futuro brilhante e aprendam com a sabedoria dos mais vividos. É esse mundo que eu quero pra você pequena Júlia, foi por isso que eu vim e voltarei sempre, até quer todas as pessoas carreguem com elas a graça da felicidade.

-Um dia você me leva? Vem me buscar?

-Prometo. Pessoalmente venho buscar você.

-Então tá. Vou esperar, hem?

Ia se afastando para voltar ao orfanato, enquanto o Mestre sorria satisfeito. De repente, virou-se e gritou:

-Jesus, vou fazer o que você mandou, mas fica por perto, tá? É coisa demais eu posso me esquecer de alguma.

E sorrindo desapareceu pela porta antiga do orfanato. Sorrindo, também, o mestre transportou-se para o braço direito da estátua do Cristo Redentor, de onde avistava toda a cidade do Rio de Janeiro.Por um breve momento, deteve-se ali a contemplar a beleza do lugar.

-Obrigado, Pai, orou o Salvador, obrigado por sua sabedoria.

E depois de abençoar o Rio de Janeiro e o Brasil, retornou ao céu.