Minha nova casa
Ontem realizei meu último sonho. Gastei toda a minha poupança e com muita determinação fui à lua e comprei um terreno. Minha próxima façanha é lá construir minha casinha tão pequena quanto a possibilidade de respirar na terra. E lá sim, vou compartilhar minhas palavras com as estrelas e meu romantismo com o universo.
O tão longe da lua eliminará todos os falsos olhares e terei a chance de viver comigo mesmo em sintonia. Meus gritos e dizeres mais íntimos dormirão comigo e me acordarão, pois lá, a única presença real será a minha voz no eco.
Mas ontem, quando corria em direção à lua me deparei com aquele olhar tão familiar e espontâneo que de forma tão surpresa me cercou. Faltou-lhe com certeza, o entendimento de pra onde eu estaria indo com aquela ânsia se correr. Naquele instante de meu rumo, me perdi e recuei em meus passos.
Ainda ofegante, olhei para trás e capturei a última lembrança da terra. E perdido naquele olhar que um dia me fez andar em nuvens e deitar sobre o sol desmoronei em segundos. Finalmente percebi o que me prendeu todo esse tempo ali, e o que estava me fazendo partir para a lua. Aqueles olhos, um dia amei como criança, idolatrei como um devoto , dei seu nome ao mar e desenhei seu rosto na areia úmida da praia.
Não me restava outra saída a não ser aproveitar aqueles instantes e delirar com o brilho e a sensatez daqueles olhos que apesar de me magoarem e me levarem a pontos de loucura e literalmente fora de órbita ficar, me cativaram todos os dias que eu os observava. Então, depois de algum tempo naquela situação, fui me afastando lentamente e sentindo minha alma se desprender de meu corpo e o vazio foi me tirando de minha razão.
Virando as costas, recuperei meu fôlego e continuei firmemente minha corrida em direção a minha nova habitação e desta vez, não olhei para trás e nem me deixei abater por nenhuma marca do passado que viesse a cruzar meu caminho. Ao chegar em meu território, apesar de cansado, sentei-me próximo a beirada e me concentrei para esquecer de maneira completa a situação vivida a poucos instantes, e aquela vivida em outro momento, o qual considerei passado que devia ser esquecido.
Em meio a transe daqueles olhos que me castigaram com tantas lembranças, queimei tudo o que tinha em mim ainda guardado de bom e de ruim. Estava construindo meu novo presente para ter um futuro, e o passado foi ignorado para poder curar as feridas que ardiam em mim.
Daqueles olhos, agora quase não me lembro e o lugar em que eles se encontram, não me faz nenhum impacto, pois aqui onde estou , eles viraram cinzas.