Sangue de Dragão - Cap. 56

--- A Dúvida Que Atormenta ---

“Porque vocês são descartáveis” tinha respondido Arlam Fucalt. Essa frase não saia da cabeça de Orogi, atormentando-o durante a noite. Não era possível que o mestre Farmenis o tivesse tirado da dureza da vida no orfanato, o criado durante tanto tempo, só para, no fim das contas, o utilizar como bucha de canhão em suas batalhas. Seria desumano demais.

No dia seguinte, Fucalt continuou mostrando detalhes de Grennmória para Orogi. O velho guia resolveu aprofundar mais as visitas a locais antes mencionados ou apenas vistos rapidamente. O primeiro lugar foi o Templo da Mãe Terra.

Ao entrar no local Orogi sentiu a energia do templo. Vários habitantes estavam realizando suas orações e rituais em homenagem a Gaia, como explicou Fucalt. Para Orogi, parecia que algo queria saltar do seu peito, uma vontade de gritar, de liberar suas angústias. Era como se a própria Mãe Terra soubesse dos seus medos e os quisesse eliminá-los.

Uma imensa estátua da Gaia, igualzinha a pintura no teto da sala do Gai-Khan, convidava a todos para uma reverência. Mesmo sem saber o porquê, Orogi foi levado a se aproximar daquela belíssima representação da deusa mística. E sozinho, pela primeira vez em sua vida, o pequeno garoto orou. Uma avalanche de dolorosas lembranças e pensamentos, travando uma guerra entre o que era verdadeiro e o que era falso em sua vida, fez Orogi chorar copiosamente aos pés de Gaia.

Fucalt não ousou se aproximar do menino, pois sabia que era necessário que tudo aquilo saísse do seu coração. O velho mago também tinha vivenciado essa dor há muitos anos atrás.

Durante todo o dia Orogi permaneceu a maior parte do tempo em silêncio, falando apenas o necessário e muitas vezes baixando o olhar, pensativo. Fucalt percebeu que a visita ao templo tinha mexido com o garoto, mas nada falou. A aparente confusão geralmente é o primeiro passo para um maior grau de consciência.

A atenção de Orogi só foi realmente avivada quando visitou o Centro de Treinamento dos Centauros, com todo aquele clima militar, as armas e armaduras e os combates simulados envolvendo vários membros. Foi lá que Orogi conheceu Árion, o centauro que ocupava o posto do antigo líder, Kiron, O Bravo.

Em seguida, Fucalt levou Orogi numa visita a Academia de Filosofia Marcial dos Licantropos. Aqui, Orogi se deslumbrou com as técnicas mágicas e a relação profunda dos licantropos com os animais. Gunta, um dos líderes licantropos, acompanhou os dois visitantes.

---- Espero que tenha sido proveitosa essa visita, Fucalt --- disse o altivo licantropo.

---- Com certeza que sim, Gunta. Impossível não sair daqui sem ter assimilado algumas lições. Não é Orogi?

---- Sim --- respondeu o garoto, baixando a cabeça.

---- Parece que ele não compartilha da sua perspectiva --- falou Gunta, sorrindo para Fucalt.

---- Meu amiguinho está apenas avaliando algumas questões íntimas --- Orogi olhou para Fucalt nesta hora ---- Está tudo bem --- completou o mago com um sorriso nos lábios.

---- Assim espero --- disse Gunta.

O retorno para a residência de Arlam foi tomado pelo silêncio. Orogi ainda pensava nas palavras de Fucalt, ditas pela manhã. A indecisão tomava conta da sua mente, alimentando novamente a angústia. Orogi não queria sentir aquela sensação de novo, como se não houvesse um chão para pisar. Portanto, era saber a verdade ou manter-se na mentira, em meio às ilusões.

Num certo momento, Orogi parou de caminhar. Fucalt não tinha percebido, até que olhou para trás e viu o garoto parado, olhando para o nada.

---- O que houve? --- perguntou o mago.

---- Preciso saber a verdade mestre --- disse Orogi. Fucalt gostou de ouvir a palavra mestre, embora soubesse que era mais por respeito formal do que uma consideração íntima.

---- Quer verdade?

---- Quero ouvir o mestre Farmenis desmentir ou confirmar que o senhor disse --- aquelas palavras pegaram Fucalt de assalto.

---- E como pretende fazer isso?

---- O senhor me levará até ele, na Ordem da Magia.

Uma expressão de espanto foi a resposta de Fucalt.