NA ILHA DE PATMOS
O apóstolo João olhou o espaço de sua solidão consciente e involuntária na ilha e piscou os olhos procurando descobrir-se naquele imenso nada verde de rica fauna. À sua frente apenas a densa floresta, pássaros e bichos exóticos e o deserto humano se faziam suas companhias. Dominando o infinito, quase como sendo o cérebro da natureza e dos abismos, o Mediterrâneo, com toda extensão de insofismável magnitude, se exibia poderoso em sua imensidão. Nesse universo desconhecido, longe de tudo e de todos, estava João abandonado e condenado pelos inimigos de Deus a terminar seus dias convivendo consigo mesmo, com os próprios pensamentos e com a solidão.
No entanto, ser exilado naquela vastidão desconhecida da Grécia evidentemente não o incomodava nem o deixava perturbado, mormente porque passava esse momento por causa do santo nome do Senhor e por seu testemunho nEle, e isso lhe bastava para se sentir completo, seguro, tranquilo e feliz em qualquer dos parâmetros humanos a respeito da felicidade. Ademais, em todos os instantes Deus era um absoluto com ele, não o deixando nem que por segundos. João sentia Sua santa presença abençoando-o e cuidando dele. Encontrava-se ali sofrendo o exílio, longe principalmente dos irmãos, naquele preciso intervalo deveras sob o jugo do inimigo, ainda que transbordando de completa fé, mas sobretudo o que mais inquietava sua alma era não poder levar adiante, onde agora se encontrava, os gloriosos ensinamentos saídos dos lábios de Jesus a respeito da salvação eterna.
Debalde os perseguidores e inimigos de Deus o jogaram à solidão pensando que com sua ausência reteriam o semear e a pregação do evangelho da graça da boa nova, porque o próprio Deus o preenchia em abundância e plenitude, era como se ele, João, estivesse, naquela solidão forçada por homens desalmados e instigados pelo inimigo, porém irrelevante porque não lhe afetava em nada a força de sua inabalável fé, cercado por um mar de semelhantes. Não temia a nada e a ninguém além de alimentar o sábio e venerando temor ao verdadeiro e único Senhor de tudo e de todos. Tinha por objetivo primordial servir a Deus com todas as forças do seu espírito.
Sobraçando seus humildes pertences, não mais que alguns alfarrábios originais de seu evangelho, papiros de couro de carneiro curtido virgens, uma pena de ganso e nada mais, pois nada mais necessitava além da simplicidade, sem hesitar embrenhou-se mata adentro à procura de abrigo. Orava em espírito a todo instante enquanto pisava a relva verde em abundância, os galhos e folhas caídos pela ação cotidiana e natural. Os animais selvagens avistando-o se afastavam dando-lhe passagem; as aves cantavam melodias suaves e agradáveis, seus trinados e gorgeios tinham acordes que lembravam uma doce ternura, uma paz inigualável e a chama ardente do entendimento e da concórdia. Cantavam para ele proporcionando-lhe tranquilidade e esperança. A presença de Deus avultava na brisa, no farfalhar das folhas, no perfume das flores, no coração da ilha, na alma e no espírito de João.
Apesar de a natureza esmerar-se em lhe oferecer as boas vindas o semblante de João, apesar de tudo, se contorcia ante um misto de preocupação e tristeza, se bem ambas abrandadas pela certeza de que, malgrado tanta tribulação, Deus adminstrava a situação com Sua luz e infinita bondade em amor, estando tudo sob Seu glorioso e onipotente governo. Mas não era por ele nem pela situação porque agora passava, isso evidentemente não o perturbava, Deus era sua maior e mais permanente alegria. Pensava nos irmãos que ficaram à mercê dos algozes romanos. A situação em Roma se agravara de tal maneira que não havia nenhuma escapatória para os amados irmãos indefesos, isso se mostrava notório. Inúmeros santos já haviam perecido a fio de espada ou de outras maneiras tão ou mais cruéis e desumanas. A fé no Deus da Vida e no Seu Cristo crucificado e ressuscitado servia de motivo único para encontrar a morte, invariavelmente horrenda. O ódio aos cristãos recrudescia e alimentava o horror. Tudo instigado pelo ódio dos inimigos de Deus, que torturavam e matavam os santos com a finalidade de barrar Sua obra.
A perseguição dos romanos à igreja do Senhor se tornara intensa e cruel. Cesar Nero, o demônio em pessoa, enlouquecia de repulsa contra os cristãos e estava movendo céus e terra para destruí-los. O poder de sua espada demoníaca afiada alcançava e dizimava a muitos com ímpeto de selvageria e crueldade. Atear fogo em Roma objetivando culpar os cristãos fora um ato perverso de desespero de Nero. Os leões saciavam a fome se alimentando da carne viva dos fiéis, para gáudio de uma platéia tomada pelo frenesi do horroroso espetáculo. Os cristãos estavam sendo dizimados pela fúria dos infiéis.
O apóstolo Pedro fora preso e condenado à cruz, como também o fora o Mestre, pregado ao madeiro, mãos e pés rasgados em agonia pelos cravos de ferro. Por essa razão, sentindo-se indigno de morrer à semelhança dEle, seu amado Senhor, rogou para ser crucificado de cabeça para baixo e assim tomou seu destino para o sono do descanso até o dia da ressurreição. O meio irmão de Jesus, Tiago, fora traspassado pela impiedosa espada mortal do general Tito. Paulo morrera nas mãos pagãs de seus carrascos. Já não havia paz no coração dos seguidores de Cristo. Praticamente a grande maioria dos irmãos havia sido presa e assassinada pelo Império assaz criminoso do anticristo romano. Somente uns poucos, sob a proteção do poder de Jesus, lograram fugir à sanha selvagem do império sem alma. Estes ficariam, pela benevolência divina, que tinha planos para Sua obra, encarregados de levar a boa nova da salvação aos quatro cantos da Terra. Os caminhos de Deus são insondáveis.
Mas a ele também, tão perseguido por ser um dos doze, o Senhor poupara, certamente por algum importante motivo espiritual ainda desconhecido e de importância ímpar. De algum modo, embora João não tivesse a menor idéia do que seria, a gloriosa vontade de Deus necessitava utilizá-lo para determinado propósito de Sua obra, um objetivo sobremaneira santo, nobre e tão superior quanto o Evangelho do Reino a ele entregue e que fora aberto aos corações dos homens de boa vontade. Se assim realmente era, aguardaria quanto fosse necessário pois o tempo é de Deus. Como servo inútil dedicado ao seu Senhor ele se entregava à vontade divina para agir e fazer segundo Seu desejo. Em Patmos, em Roma, em Esmirna ou qualquer outro lugar da terra, por mais remoto que fosse, João se deixaria guiar pela onisciência de Deus.
O sacrifício maior e mais sublime havia sido concretizado, o único homem completamente puro em todos os sentidos, aspectos, gestos e atitudes jamais nascido na face da terra, cem por cento homem e cem por cento Deus, nascido de uma virgem, depois de trinta e três anos peregrinando na terra plantando a semente da salvação pela graça, entregara a própria carne imaculada em prol da completa redenção humana. Cumprira-se a promessa divina sobre a chegada do esperado Messias. Sua divina obra missionária entre os homens e mulheres pecadores, para glória de Deus Pai, se fizera completa e definitiva ante a morte na cruz e a ressurreição ao terceiro dia. O Filho unigênito originara, através do sacrifício perfeito e da ressurreição sublime, o primogênito entre muitos que O seguirão pela fé no invisível concreto, no que não se toca mas se sente, compreende, aceita e vê espiritualmente.
Como se em êxtase repentino João se deixou conduzir pelos acordes melodiosos da passarada clamorosa, e as aves quase delirando em seu cântico interminável, de algum modo a guiá-lo orientando-o para alguma determinada direção, pareciam saber de antemão aonde deviam levar o apóstolo por entre a confusão e o emaranhado de plantas sem fim. Mesmo não sabendo, João compreendia e se enchia de humilde júbilo: Deus era com ele. Acomodou-se sob a sombra de uma imensa árvore e orou. O que estava para ser revelado a ele ultrapassava os limites da imaginação humana. Em pouco, cheio do Espírito de Deus, e inteiramente em espírito, o seu próprio habitado pelo Senhor, João escreveria o Apocalipse.