Sangue de Dragão - Cap. 52

--- Uma Dura Revelação ---

O raiar do sol mais uma vez banha o Vale Verde, iluminando Greenmória, a Cidade-Refúgio do Povo Ancestral. Aqui, elfos, anões, centauros, gigantes e licantropos vivem em harmonia há muitas gerações, passando o conhecimento antigo e a reverência à Mãe Terra, a provedora de todas as coisas.

Durante todos esses anos, Grennmória manteve-se escondida e afastada dos seres humanos, que acabaram dominando o mundo devido a sua multiplicação desenfreada e a sua sede de poder. A última aliança entre os homens e o povo ancestral se deu na Grande Guerra Draconiana, quinhentos anos atrás. Os habitantes de Grennmória e das outras comunidades espalhadas pelos outros reinos resolveram se isolar e não mais entrar em contato com os homens.

Mas as circunstancias do destino, ou o desejo da Mãe Terra como dizem os grennmorianos, trouxeram o mago Arlam Fucalt, desertor da Ordem da Magia. Arlam se tornou o primeiro humano a adentrar os portões do Refúgio nesses quinhentos anos.

Mas por uma segunda vez, o destino muda as probabilidades e outro humano entra no Vale Verde. O que sua vinda estaria reservando?

Alheio a tudo isso, sentado num canto de um quarto, um garoto apenas pensa qual será seu destino, agora que está feito refém nas mãos de criaturas estranhas, numa cidade estranha, num mundo que nunca imaginou que pudesse existir. Se bem que não se pode dizer que esteja num cativeiro, e em condições severas. Na verdade, desde que despertou de um sono profundo há dois dias, tem sido bem tratado, apesar do medo e da recusa a um contato mais estreito com alguém. Mas o que mais o incomoda é o esquecimento. Não sabia como tinha vindo parar aqui nem o porquê.

Batidas na porta interrompem seus pensamentos. A porta se abre lentamente e o garoto fica tenso. A figura de um homem, vestido com um belo manto nas cores branca e verde, cabelos também brancos e barba, entra na sala. Ele nota o nervosismo do garoto.

---- Não se preocupe, não vou lhe fazer mal --- disse Arlam Fucalt ---- Espero que esteja mais tranqüilo e que possamos conversar um pouco. Como se chama?

---- Orogi

---- Muito bem Orogi, seja bem vindo a Grennmória.

---- Que lugar é este? Como vim parar aqui? Por que não me deixam voltar pra casa? Onde está meu mestre?

---- Calma, calma. Suas perguntas serão respondidas, peço apenas que me acompanhe, pois serei seu guia nesta cidade. Meu nome é Fucalt, Arlam Fucalt.

Assim que acordou, Orogi entrou em contato com os primeiros habitantes do lugar, e não gostou nada do que viu. O fato de ter contato com um humano como ele o deixou mais tranqüilo, mas não menos confuso. Muitas perguntas ainda estavam em sua mente, e o desconforto de não estar entre os seus o deixava impaciente.

De qualquer forma, aceitou o convite do velho e simpático mago Fucalt, e o acompanhou para fora do centro médico.

---- Que lugar é este? --- perguntou Orogi, enquanto caminhava ao lado de Fucalt pelas belas ruas de Grennmória, sob o olhar de muitos curiosos. Percebendo os olhares, Orogi se aproximou mais de Fucalt, como se buscasse segurança.

---- Não tenha medo --- disse Fucalt ---- Eles não irão te fazer mal. Só estão curiosos.

---- Nunca viram uma criança?

---- Eles têm pouco contato com nós seres humanos. Eu também senti essa sensação quando cheguei aqui.

---- Há quanto tempo está aqui? --- perguntou Orogi.

---- Uns bons anos. Os melhores anos da minha vida, pra ser sincero.

A cidade de Grennmória realmente chamava atenção de Orogi. Apesar de visto poucas cidades, na verdade apenas Ardas, onde nasceu, e Taram, a capital do Reino do Norte, esse lugar era de grande beleza. Passando por uma das ruas, estátuas em forma de seres humanóides que pareciam sair da água, fogo, terra e vento, despertaram ainda mais sua atenção.

---- Essa é uma homenagem aos Entes da Natureza, protetores dos Quatro Grandes Elementos --- disse Fucalt, como se lesse a pergunta na mente de Orogi.

---- Nunca ouvir falar deles.

---- Eu também não --- disse Fucalt ---- Mas desde que cheguei aqui, descobri um mundo muito mais vivo e amplo do que imaginava quando estava na Ordem da Magia.

Neste momento Orogi encarou o mago, surpreso.

---- Sim, eu já fui da Ordem. Mas hoje não faço mais parte do seu quadro de magos.

---- Porque abandonou a Ordem da Magia? --- perguntou Orogi. Será que aquele mago a sua frente seria um fugitivo perigoso?

---- É uma longa história. Espero poder contá-la antes da sua partida.

---- Quando poderei ir embora? --- Orogi ficou aliviado em saber que não ficaria em Grennmória, e que poderia voltar ao seu lar e rever o mestre Farmenis.

---- Você ainda não está em condições. Seus ferimentos foram profundos e ainda está em fase de recuperação. Peço paciência.

---- Eu me sinto bem. Alem domais, o mestre Farmenis e os magos da Ordem devem estar me procurando. Preciso sair logo daqui.

---- Fisicamente você parece bem, mas a maioria dos seus ferimentos foi de origem mágica e requerem mais cuidados.

---- Ferimentos mágicos? Como assim? O que aconteceu comigo? Não consigo lembrar.

Fucalt parou por um instante e encarou o pequeno garoto.

---- Você participou de uma batalha e foi deixado para trás.

Orogi arregalou os olhos.