O Boi falou, mas o Jovi não ouviu.

Pelo ocorrido da época, a área rural, teve pelas guias do mundo o evidente êxodo. O que Jovi veio fazer é a intriga entre o ponto de interrogação e a resposta.

Sentado num bar do centro da capital do Zebu, mas sem por que. Jovi não foi peão, mas teve oportunidade. Sobre terra conhece apenas a que tirava da unha, sobre trabalho nunca foi sua profissão. O tal do Zebu era importante para o período. Lembro que numa pequena cidade, Douradoquara, quando surgiu o primeiro bezerro Gir, teve até banda de musica em volta do bicho. Contudo Jovi não era de lá e era inclusive de mais norte, bem mais pra lá do mundo.

Na mesa entre amendoins e garrafas, fantasiosamente ele dialogava com um Boi que por lá passava e esse mesmo boi resolveu tomar uma:

__ Ser boi é difícil?

__ Pode ser.

__ O que faz a vida de um boi ser fácil?

__ Não existe isso de fácil na vida de ninguém.

__ Então você sofre sendo Boi?

__ Não.

O que diverge com o real? Jovi e um bovino a filosofar questões de dificuldade em vida? Na fantasia podemos dizer que, ali no bar, o real de dois mundos opostos é simples, mas tão perto pela discordância... Um mais vivido que o outro; demonstravam seus conhecimentos ou não. Jovi em vez de avaliar o quadrúpede, avalia que o Boi passa mais aperto; o bovino defende viver bem mesmo sendo um ser que vai um dia para o açougue.

__ Escuta! Você veio de muito longe. Eu já vivo por estes pastos e sou deste município, daquele lado fica minha vida, tenho coisas a fazer e faço sem muito pesar, mas tu me questionas que minha vida é difícil?

__ Você vira bife.

__ E daí, tem mais cor o dia do que pensar em fim e bife.

__ Pra muitos você é picanha e pronto!

__ Eu tenho minha dignidade!

__ Boi tem dignidade?

A narrativa avalia que seus pontos de fantasia favorecem seu rendimento, sem fantasia não haveria conto. O que é arbitrário é o poder de quem está estabelecido; contra a afronta de um cidadão vindo de sei lá aonde.

__ Jovi, escuta! Fala pra mim o que você fazia e depois corrige o que você quer. Fugir da morte ninguém foge, alma nenhuma foge, por que então pensar com tanto amor no fim dos dias? Por que eu me apegaria e sofreria por antecedência, ser tolo só por não querer ser bife, e se meu destino for diferente?

__ (...)

__ Seu silêncio faz pedir outra cerveja e outra porção de salada.

__ Pedi lá!

Garçom vai, garçom vem, e Jovi ainda acha que o boi vive difícil. Só Tchecov para desmontar um conto de pirraça, somente os mestres para dizer que o boi tá com seu palpite certo. O Jovi tem medo de morrer.

Com a penumbra da tarde indo embora, fica a dúvida de pra onde vai cada um, pelo prólogo não é possível nem saber de onde vêm. Ainda mais saber pra onde vão.

__ Ô Boi! Quando a vaca berra, ela fala o que?

__ Muitas coisas. Quando a mulher berra o que ela fala?

__ Muitas coisas.

As respostas começam ficar iguais. O fantasioso fica no cotidiano normal da falta de entender o que dizem e tampouco queremos escutar estas premissas. Dois bêbados de espécies diferentes em meio a Uberaba, um vindo de sei lá aonde; outro do pasto mais próximo.

A propósito: O Boi fala, mas não é metáfora. Ele chega comentando as voltas que dá pelos bares do centro. Todo domingo vê jogo do Nacional. Ele alvoroça os pastos e é mensageiro do homem. O boi tem cargo diplomático, é ele que conduz e reproduz e sua vida nunca irá vingar de forma trabalhosa. Não há vingança, não há ressentimento porque vários de seu pasto seguiram o destino de pratos de restaurantes, logo ele, um boi como todos os outros, bebe com Jovi.

O real é que cada um queria o contrário na fala do outro? Cada um queria a facilidade ou a dificuldade?

__ De onde vem mesmo?

__ Lá de cima.

__ Já conheceu Uberaba nesse tempo que ficou aqui?

__ Não, só conheço a rodoviária e este bar.

__ Jovi, veja bem! Você disse que minha vida era difícil, pois logo viraria comida de algum restaurante, depois diz que não conhece nada de Uberaba! Pra mim você já esta morto em pé, pois quem é essa pessoa que não tem disposição nem para conhecer onde está? Já ta aqui a dois meses e só fica entre a rodoviária e o bar?

__ Ótimo! Eu sou isso e pronto.

__ Isso e pronto?

__ É.

__ É?

__ É. Queria que eu fosse namorar na praça ou no pasto?

__ Piadista. A questão era você achar minha vida difícil, mas não conhece nem a sua e não conhece nem o mundo. Você só fala, não pensa no que fala; não me vê e quer que eu ache minha vida difícil.

O Boi fecha a conta e deixa duas cervejas pagas para o Jovi. Nesse momento caros amigos! Eu como narrador recebi a interferência de um segundo narrador nas falas que se encontram entre parênteses.

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(Sim, sou outra voz. Vim ver, mas não encontrei e nem entendi. Não tinha bar, nem homem, nem boi! Não tinha esse conto e era no entanto delírio do outro narrador. Poderia ter sido um conto, porem boi não fala; bêbum não dura tanto tempo sem dinheiro. Entretanto confirmem o que era dito entre o delírio do outro narrador: Não mais que pensar que a vida dos outros é difícil, pensar que a situação ruim faz parte de algo longe de nossa vida. Compreender também que quem diz que vive bem; vive bem, mesmo sabendo que o fim paira na existência de todos, compreenderam? Ou sou um daqueles narradores que dizem o moral da historia?)

Uberaba continuou sendo Uberaba, boi continuou sendo um mamífero que não fala e gente que vem de fora continua vindo de fora. A cidade diz bem-vindos aos que chegam e o gado berra pra saudar os novos moradores.