Dimas e os quatro Gigantes.
Conta-se que, há muito tempo atrás, em épocas remotas, num lugar chamado “Vila das Emoções”, vivia um paupérrimo camponês chamado Dimas. Ele vivia só com sua idosa mãezinha e fazia de tudo para dar-lhe o necessário para viver. Trabalhava duro dia após dia, sem folga, descansando apenas quando o Sol já não lhe iluminava os olhos.
Dimas vivia do que a terra podia lhe fornecer e assim seguia seus caminhos. Plantando, colhendo e vendendo a preços nem sempre justos, o fruto do seu suor. Sua mãe, dona Esperança, já estava bastante idosa, nem tanto pelo tempo, pois contava com 65 anos. Porém sua aparência e saúde eram de uma mulher de 90, devido aos maus tratos que a vida proporcionara-lhe. Dona Esperança havia enviuvado muito cedo, herdando do marido apenas a tapera que habitavam e onze filhos pra criar. Dimas era o caçula, que estava ainda no ventre quando da orfandade do pai. Dona Esperança criou todos os filhos à mão de ferro, ficando inúmeras vezes sem o pão, para que nada faltasse à mesa de sua prole. Porém o único que permanecia ao seu lado era Dimas, sendo que os outros se dispersaram mundo afora a procura de melhores cultivos.
Mas Dimas jamais teria coragem de deixar sozinha àquela que com tanto amor lhe criara. E assim vivia, sempre ao lado de Dona Esperança, trabalhando duro, a exemplo da mesma, para dar-lhe o pão. Porém, a mãezinha querida caiu enferma, deixando Dimas numa situação de tristeza profunda, de amargura, temendo perder a única pessoa que ele tinha neste mundo. E como as pessoas não são eternas, dona Esperança, nos braços do filho, fechou ou olhos para o mundo, abrindo-os para a eternidade, despertando no filho amado sentimentos tão fortes quanto desconhecidos.
Dimas carregou a mãe nos braços até a sombra daquela frondosa figueira, nos fundos da casa, onde tantas alegrias passaram, e fez ali um santuário, enterrando-lhe o corpo, para que sua alma pudesse descansar em paz. Fez uma oração banhada por muitas lágrimas, fincou uma cruz e escreveu os dizeres: “Até que a eternidade nos uma novamente!” Feito isso, Dimas adentrou seu humilde lar, deitou e dormiu. Dormiu um sono pesado, turbulento, onde tudo se mistura e nada tem sentido, aquele sono que cansa a alma. Dormiu assim durante horas, durante dias, pois o medo que assolou-lhe a alma foi tamanho, que Dimas abandonou a plantação, os bichos, o trabalho, a vida, até que despertou num salto, ao ouvir um barulho diferente. Pareciam passos, passos estremecedores, onde até sua minúscula casinha chacoalhava a cada investida. Dimas levantou-se depressa para saber do que se tratava, quem estaria fazendo aquele barulho, mas enquanto dirigia-se à porta, a mesma foi arrancada por um homem gigantesco, de uma aparência assustadora, que o agarrou e levou-o para fora, sem chances de defesa. Dimas tentou lutar, mas foi em vão.
O Gigante era a criatura mais horripilante e assustadora que o pobre camponês havia visto na vida, e com uma voz esganiçada, disse-lhe: - meu nome é Paurus, fui chamado a este lar pelos teus pensamentos! Eu fui acometido de uma força grandiosa, alimentada pelo teu sentimento de insegurança. O medo é a minha maior fonte de energia e você acaba de me despertar de um sono profundo, de longas datas!
E à medida que o gigante falava, mais Dimas encolhia-se dentre aqueles dedos dantescos, onde o pavor tomava conta completamente do seu ser. E quanto mais ele temia, mais Paurus engrandecia, tornando-se assim, o maior ser que Dimas já havia visto. E Paurus levou-o a um lugar desconhecido, estranho, onde tinham pessoas numa espécie de clube, todas desfrutando de um luxo e de uma fartura jamais sequer sonhados por Dimas. E, quando olhou para os rostos que ali estavam, qual não foi a surpresa! Eram seus irmãos mais velhos, afortunados, bem de situação, enquanto ele, o único que não abandonara a mãe, estava na miséria total. O sentimento de medo, que antes tomava conta de Dimas, foi substituído por outro, não menos avassalador, a Ira. Com isso, Paurus foi ficando cada vez menor, até transformar-se numa pequenina formiga, escondendo-se assim, num buraquinho que havia no chão.
E, à medida que Dimas foi ficando furioso com a situação, uma sombra foi crescendo atrás dele e, quando virou-se, outra figura gigantesca, tão grande quanto Paurus, encarava-o de maneira extremamente rude. – Mas quem é você, agora? Perguntou Dimas. E a gigante, com a voz de uma leoa protegendo a cria, disse-lhe: - meu nome é Rabbia, e eu alimento-me da tua ira, e confesso que estou cada vez mais forte, e sinto uma vontade voraz de destruir tudo o que me rodeia! E dito isso, começou a pisar e derrubar tudo que via pela frente, e as pessoas que ali estavam, começaram a gritar, apavoradas, dando forças a Paurus, que há algum tempo, estava esquecido e enfraquecido. E Dimas viu seus irmãos sendo massacrados pelos gigantes impassíveis, que cresciam muito, à medida que os sentimentos de medo e ira iam sendo absorvidos pelos mesmos.
Diante da cena pitoresca, Dimas já não sentia mais medo e a raiva estava cada vez tornando-se menor, cedendo lugar a outro sentimento, o de dever. Um dever quase cívico, de ajudar aquelas pessoas, de colocar ordem no tumulto. Nisso, a Rabbia começou a encolher, porém o pânico que assolava as outras pessoas deixava Paurus cada vez maior e mais assustador. E, a medida que Rabbia enfraquecia, Paurus crescia. Mas, sem que Dimas esperasse,um indivíduo, também enorme, surgiu do meio do nada e deu um grito com todos. – Silencioooooooooo!!! Que bagunça é essa aqui? Isso é a própria visão do inferno! Será possível que eu não posso ausentar-me por nem um século que acontece isso? E Dimas, que nem mais surpreso ficava com as aparições, somente perguntou: Quem diachos é você? Ao que escutou, ao som de quase uma trovoada: - eu sou Dazio e fui despertado de um sono longo e justamente pra ver esse caos?! Isso é insuportável aos meus olhos, odeio bagunça, abomino destruição, precisamos agir com rapidez e arrumar tudo, antes que mais alguma coisa seja destruída. Dito isso, mobilizou a todos que ali estavam e a faxina começou a ser feita.
Dimas, entretido com a arrumação, começou a esquecer os medos que o assolavam, as mágoas que o atingiam e, naquele sentimento de que o dever o chamava, foi alimentando Dazio, que crescia rapidamente, ao contrário dos outros dois, que já estavam bastante reduzidos. Não fosse pelos demais, já estariam tais como formigas. E nessa empreitada, Dimas começou a conversar com os irmãos, perguntar como estavam, sobre o que faziam, sobre a família, e isso fez com que ele sentisse uma emoção, que crescia a medida que as notícias iam sendo relatadas. Eram os sobrinhos, os casamentos, as conquistas, tudo isso foi fazendo com que Dimas esquecesse a solidão experimentada nos últimos tempos e se sentisse cada vez mais parte daquele universo em que se encontrava. E conforme a conversa ia fluindo, uma deliciosa sensação de felicidade foi tomando conta de todos. Sensação essa, que fez até com que Dazio fosse diminuindo. E quando todos já estavam tomados por aquele sentimento tão leve, uma luz ofuscante ascendeu-se e do meio dela surgiu a maior e mais bela mulher que eles já tinham visto e, com aquela voz angelical, ela disse: Nossa! Como foi difícil conseguir chegar até aqui! Eu sentia-me tão fraca, tão debilitada que mal podia mexer os olhos. Mas de repente, aquele torpor foi cedendo lugar a uma força que só fez crescer! E cá estou!
E Dimas, que desta vez só sentia paz, perguntou-lhe: - quem é você, tão grandiosa mulher?
- Eu sou Amora e cresço assim toda vez que uma corrente de amor sincero irradia. Eu alimento-me e cresço do amor que o ser humano sente. Porém está cada vez mais difícil eu sentir-me forte, viva. Sempre que penso em aproximar-me, vejo aqueles outros gigantes horrorosos a repudiar-me! Mas hoje vocês conseguiram atrair-me pra bem perto, e isso é algo muito raro de se acontecer. Dito isso, Amora começou a cantarolar uma música, que mais parecia vinda dos céus e Dimas foi ficando sonolento, até que adormeceu por completo e, embalado pela suave música, sentiu-se flutuando. À medida que mais alto subia, mais longe ouvia a voz de Amora. E foi nesse delicioso vôo, que Dimas abriu os olhos e percebeu que estava em sua cama e que tudo aquilo não passara de um maravilhoso sonho. Dimas olhou a claridade que insistia em entrar pela frestinha da janela e tomou a seguinte decisão: - Vou procurar meus irmãos, retomar a vida que tínhamos antigamente. Chega de solidão!
E assim sucedeu-se, Dimas saiu em sua empreitada, carregando consigo a "Esperança" e uma única certeza, a de que deveria ter o máximo controle sobre suas emoções, sob a pena de sofrer conseqüências catastróficas!