Sangue de Dragão - Cap. 48
--- Despertando Para A Realidade ---
A maga curadora deixou a bandeja de medicamentos cair no chão, espatifando frascos com elixir e seringas cheias. Com certeza foi o maior susto que ela já passou na vida quando o mago Farmenis, antes considerado inconsciente por tempo indeterminado, acabara de acordar com um grito aterrador. Todo suado, ele olhava com olhos arregalados e confusos para a médica a sua frente.
---- Onde estou? --- falou arfando o peito. Sua voz saiu fraca.
---- Ca...calma Farmenis, você está em segurança --- disse a médica, se apressando em segurá-lo, e tentado acalmá-lo ---- Está numa enfermaria da Ordem da Magia. Eu me chamo Elísia, e estou tratando de seus ferimentos junto a minha equipe.
---- Como vim parar aqui? --- Farmenis olhava para as paredes do quarto e aos poucos sua memória vinha à tona. Parecia realmente conhecer aquele lugar.
---- Você chegou com sérios ferimentos da batalha em que participou em Menizaia. Não se lembra?
---- Não. Minha cabeça está confusa. O que foi que aconteceu comigo?
---- Não sei Farmenis. Como eu disse, seus companheiros trouxeram-no com sérios ferimentos. Nós, magos curadores, tratamos logo de cuidar de você, sem fazer mais perguntas. Sua vida dependia disso.
Farmenis tentava puxar da memória alguma lembrança dos fatos que a sua colega de ordem estava relatando, mas sua mente estava em branco para o que aconteceu. Mas graças aos deuses tinha ciência de quem era, um mago da ordem da magia, um mago controlador de.......Sangue de Dragão.
---- Meu sangue de dragão? Veio comigo?
---- Não, você foi trazido sozinho. Provavelmente o garoto morreu em combate.
---- Certo, não tem problema, posso arranjar outro.......aaaaggghhh! --- sentiu uma forte dor de cabeça. Elísia apressou-se em acomodá-lo na cama com cuidado.
---- Calma, não se esforce demais. Você acabou de acordar de um longo sono, e seus sentidos ainda precisam se adaptar à realidade. Fique calmo --- Elísia começou a aplicar uma técnica de cura em Farmenis. Suas mãos brilhavam com uma luz verde suave enquanto elas tocavam a cabeça e o peito do mago, que começou a notar um alívio.
---- Você disse que eu dormir um longo sono. Quanto tempo?
---- Quatro meses --- respondeu Elísia, sem cerimônias.
Farmenis ficou surpreso com a notícia. Então seus danos foram realmente sérios para ficar tanto tempo apagado do mundo.
Neste instante um grupo composto por quatro magos curadores adentraram o quarto ofegantes. Eles olhavam para Farmenis com euforia incontida. Estavam muito felizes em ver o amigo acordado depois de longa inconsciência.
---- Que bom que está bem, meu amigo --- disse um deles ao se aproximar, sem atrapalhar o procedimento mágico de Elísia.
---- Realmente. Não imaginávamos que fosse........
---- Não é hora para comentários tolos! --- Elísia interrompeu severamente o colega.
---- Verdade, desculpe. Fico muito feliz que esteja conosco, Farmenis.
---- Vou avisar ao Lorde Borgus e aos demais anciões do conselho. Eles precisam saber que está de volta.
---- Como assim? --- perguntou Farmenis.
---- Ordem do lorde Borgus. Assim que você acordasse, ele queria saber imediatamente. Mas agora tranqüilize-se, precisa descansar.
---- Já descansei demais.
Um dia inteiro se passou, e a recuperação de Farmenis surpreendeu a todos. Rapidamente ele já tinha voltado às suas atividades rotineiras, e até realizava alguns treinamentos físicos mais complexos, apesar das advertências de Elísia. Dizia que estava bem e que precisava aquecer os músculos, tanto tempo parados.
Naquela mesma noite, foi recebido por lorde Borgus em seus aposentos particulares. O ancião estava muito feliz em ver seu antigo aprendiz saudável de novo.
---- Quando ouvi que tinha voltado para nós, não me contive de alegrias --- Borgus falou sorridente.
---- Também mestre. É muito bom voltar a servir à Ordem.
---- Eu sei, eu sei. Mas infelizmente não tenho boas notícias para o seu retorno, meu pupilo. A Ordem da Magia foi punida.
---- Punida? Como assim, mestre? --- Farmenis perguntou preocupadamente.
---- Responderei quando os demais chegarem.
Quando Borgus acabou de falar, a porta foi aberta e os demais anciões do conselho, acompanhados por capitães, adentraram a sala ampla. Todos olhavam para Farmenis, saudando-o pela sua recuperação.
---- Muito bem. Já que chegaram, vamos logo ao assunto --- disse Borgus ---- Como sabemos, a Ordem está sendo desprezada por uma decisão do nosso Soberano Rei. Não é a primeira vez que as decisões impensadas daquele jovem trazem conseqüências para nossa querida instituição. Depois que o sábio Rei Jared morreu, o trono passou para as mãos despreparadas do seu filho, que está transformando o Reino do Norte num palco para suas brincadeiras infantis. Assim, sua última decisão foi cortar toda a ajuda dos soldados do reino à Ordem, prejudicando muito nossas manobras militares. Principalmente agora, que estávamos tão perto de exterminarmos as bestas da floresta.
---- Parece que nosso Rei não mais considera aquelas criaturas uma ameaça --- disse um conselheiro.
---- Aquelas bestas são uma afronta a nossa superioridade racial --- falou outro ancião ---- Não podemos permitir que retornem a nos incomodar. Fiquei sabendo que podem se multiplicar feito ratos, há, há, há, há.
---- Por qual motivo o Rei nos cortou ajuda militar? --- perguntou Farmenis, querendo entender a situação.
---- O recrutamento anual para o exército --- respondeu um dos capitães.
---- Mas isso nunca foi problema.
---- Isso prova sua incompetência como rei --- falou Borgus. Alguns se surpreenderam com as palavras ofensivas do líder do conselho.
---- O que me preocupa é se este corte de apoio se estender para outras áreas --- disse um dos conselheiros.
---- Como assim?
---- Fontes no Palácio Real me dizem que o nosso Rei está cortando o repasse de impostos para áreas que considera menos importante, e colocando em outras, como a nova arte da Manufatura Industrial.
Aquele comentário causou um silêncio mortal na sala. Todos pensaram como seria se a quantia dos impostos reais fosse cortada para a Ordem. Apesar de obter através de algumas atividades extras, cerca de setenta por cento da renda da instituição vem dos cofres reais. Esse corte econômico abalaria as fundações da antiga Ordem da Magia, dando margem para que as outras instituições místicas, sediadas nos reinos do Sul, Leste e Oeste, se fortalecessem.
---- A situação pode ganhar proporções muito sérias meus amigos --- falou Lorde Borgus ---- Não podemos permitir que a centenária Ordem da Magia seja considerada uma instituição qualquer. Sem ela, o Reino do Norte já seria um lugar de sombras e criaturas nefastas, destruindo nosso povo. Temos um dever para com nossa nação, e devemos honrá-lo até o fim.
---- O que pretende fazer a respeito, mestre? --- perguntou Farmenis.
---- Devemos iniciar o Ato Supremo.
Todos os anciões arregalaram os olhos diante das palavras de Borgus. Os capitães não sabiam o que era o Ato Supremo. Um burburinho tomou conta da sala.
---- Você não pode está falando sério, Borgus --- disse um ancião.
---- Sabe que os antigos membros da Ordem fizeram um juramento no passado em só realizar o Ato Supremo em último caso. Está em nosso código de honra --- disse outro ancião.
---- Verdade. Quem sabe uma comitiva de conselheiros indo até o Palácio Real para uma audiência com o Rei possa contornar a situação.
---- Senhores do conselho --- o semblante de Borgus ficou sombrio, e ele olhava nos olhos de todos --- Não há honra em tempos difíceis. Pensem bem, essa é a melhor alternativa. Temos que mostrar que não somos dispensáveis.
De repente um silêncio tomou conta do local. Nenhuma voz foi ouvida, e os todos começaram a pensar que o líder ancião estava realmente certo. Nesta hora, Farmenis começou a sentir um sensação estranha, como se algo apertasse seu cérebro. Como se outra vontade se apossasse dele.
“Esse velho Urami é cheio de truques! Como aprendeu esta magia draconiana?”
Ao ouvir a voz dentro de sua cabeça, Farmenis se controlou para não se apavorar, mas seus pensamentos ainda estavam confusos, lentos, e uma sonolência se abateu sobre ele. A voz falou de novo.
“Acorde mago tolo. Você está sendo controlado”