O VENDEDOR DE ILUSÕES*
Surpreso naquela realidade inusitada, no centro da cidade, transeunte interiorano recém chegado à capital, imerso na balbúrdia cotidiana de uma megalópole. Ele, oriundo de pequenos lugares, a cidadela natal e a de criação, via-se, aturdido, abismado, no corre corre daquele cotidiano insano e fantástico, aterrador e apaixonante. Estava pasmo naquele universo novo, tão diferente do que jamais vira.
Na praça, onde sons se confundem, azáfamas da pressa paulistana, ritmo tresloucado do gigantesco formigueiro humano, lá se encontrava, matuto quase, naquele intricado mundo de muitos mundos justapostos, culturas múltiplas, costumes misturados e estranhos, profunda confusão da alma.
Pisava aquele solo como astronauta em visita a um planeta desconhecido, os arranhas céus, vistos do chão, pareciam alcançar as nuvens. Não se podia fixar em um ponto sem incomodar a outros e ser incomodado, como em um filme antigo de cinema mudo, as cenas corriam e tudo se mostrava em movimento contínuo. Absorto espectador daquela faina colorida e intensa, na algaravia de tantos ruídos, sobressai , terna e doce canção conhecida, cantilena enternecedora soando aos seus ouvidos... Enfim algo com o que se identificar em suas origens.
Como poderia, naquela agitação, alguém se ater naquela atividade, julgada própria apenas nos rincões do País ? Figura folclórica, ali, no centro de uma das maiores cidades do planeta, onde tudo parecia ser possível, mesmo a ternura evolada da canção de um realejo ...
Debruçado sobre a manivela, que também aciona a caixinha de música, como em um pequeno porta jóias, onde dança a bailarina com os acordes sincronizados, mas o que ocorre, de uma simpática gaiola amarela, um periquito, com o bico, escolhe um pedaço de papel e entrega ao homem, que repassa à consulente, mediante o recebimento, a moeda tilinta na caixa. Ansiosa espera o bilhete ser entregue, a moça atenta à mensagem, que vaticina futuras felicidades. Expressão de alegrias no rosto da portadora do recado, confiante nas promessas alvissareiras recebidas. Grata, ensaia um agrado no verde pássaro, segue encantada em suas esperanças.
Ao jovem desempregado, via-se por portar um jornal de empregos, amarrotado sob o braço esquerdo, enquanto buscava algumas moedas para pagar pela consulta. Feito o pagamento, recebe a mensagem escolhida pelo periquito. Em evasias, o ensejo de melhores dias, num futuro promissor, esboça um sorriso esperançoso e segue seu destino.
Para a senhora tristonha, da vida amarga solidão confidenciada, a espera por um grande amor na idade madura, uma companhia para seguir sua jornada. Mais um alento na mensagem recebida, animada e confiante, beija suave o papel recebido, semblante de luz e confiança na sorte.
Basbaque e atento àquelas estórias, de vidas depositadas em fantasias de um profissional adivinhador, a quem, com sua parceira, uma avezinha simpática, vendia sonhos ao som de cantigas serenas e envolventes.
Viu-se surpreendido pelo olhar convidativo do negociante, a oferecer-lhe uma consulta, enquanto tocava a música inebriante...
Em dúvida consigo mesmo, questionando-se de sua tola indecisão, pensou por segundos em anuir ao convite, mas reteve-se autocensurando, julgando-se ingênuo por deixar-se envolver por aquela maluquice, afastando-se, e se perguntando, o que traria a mensagem se a recebesse ?
Certo é que as pessoas consultadas, antes apreensivas e preocupadas, saíam risonhas e confortadas, por que então não ele a se consultar ?
Estrangeiro naquela terra estranha, um migrante em mundo novo e assustador, talvez tivessem respostas naquele pequeno papel para seu futuro, forças para superar suas angústias e receios.
Apertava seus passos, em íntimos conflitos, o homem cético e maduro contra o menino curioso e crédulo. Distanciava-se da praça envolto em penosos questionamentos...
* Publicado em livro na Antologia Contos de Verão - 2016, janeiro/16 lançamento em 20 de fevereiro de 2016.