No balanço da rede o equilíbrio da solidão...
No vai-e-vem do balanço da rede naquela sacada rodeada de verde, em Itapoá, a minha mente voou longe e no infinito dos sonhos trouxe para mim muitos projetos e um repouso curativo. Sempre preconizo aos quatro ventos que a casa da minha irmã na praia de Itapoá, em Santa Catarina, é a verdadeira Casa de Recuperação Emocional. É um pequeno mundo com algumas peculiaridades interessantes que mudam a rotina de quem está acostumado a viver na agitação do mundo moderno.
A rua que passa na frente da casa é sem asfalto. Terra, areia e grama, juntam-se e deixam o caminho gostoso de pisar, morno no verão e enlameado nas chuvas. Muitos dos terrenos ainda são cobertos de vegetação nativa. São aqueles pedaços de terra cheios de mato que abrigam os passarinhos mais belos e coloridos do planeta, que crescem bromelias das cores rosa e vermelha grudadas em árvores antigas e ainda têm pés de maracujá, goiba, caju, coquinho que se misturam aos cipós e outras espécies de árvores que formam a imagem luxuriante da floresta Atlântica no sul do Brasil.
A rua tem cinco casas com moradores que se conhecem há mais de 20 anos. Meu pai batizou-a como a Rua das Estrelas. Pintou uma placa cheia de estrelas e pregou num pau comprido no início da rua. Não sei se foi para homenagear as duas filhas ou porque a praia tinha muitas estrelas do mar. Ohhh! Dúvida atroz que me atormenta a auto-estima. .. Um nome poético e próprio para quem tinha alma de artista, logo destruído pela rude prefeitura que simplesmente númerou as ruas e as deixou sem nome. Que triste isso!
Agora o sobrado verde rodeado de sacadas espaçosas que fica distante uma quadra do mar está na rua 1.690. Bahh...Que falta de criatividade!
Bem, não importa. O que mesmo importa é a sensação agradável de chegar na casa e começar e abrir as portas-janelas para deixar o ar puro entrar depois de permanecer fechada por algum tempo. Terminado o ritual inicial, o segundo passo é engatar a rede no cantinho mágico da sacada, escarrapachar-se naquele tecido rústico de algodão forte e macio que se molda ao teu corpo, dar impulso com o pé nas ripas da sacada para iniciar o vai-e-vem da rede e deixar que a brisa acaricie o teu rosto e ao mesmo tempo embale os teus devaneios até adormecer ao som das ondas do mar e da sinfonia da natureza.
É um mimo que o planeta presentea a qualquer mortal e para quem desejar experimentar e perceber todos estes detalhes, que transformam um lugar tão singelo num espaço extraordinariamente significativo. Um cantinho de sacada que mostra um fianco de mar, onde o barulho das ondas, os grilos à noite, e os passarinhos durante o dia, nos deixam num voluptuosa sensação de prazer .
A água de poço com enxofre, o chuveiro fora (existe um dentro das casa, mas pouco se usa no verão), os comodos arejados e espaçosos, a brisa refrescante do mar, a mata nativa no fundo quintal, os saudáveis banhos de sol e mar, peixe fresquinho na mesa, formam um conjunto de ingredientes capaz de levantar um moribundo e deixar você “bom da cabeça e certo do juízo de novo”, como diziam os antigos.
Itapoá me ajudou a dizer adeus a “fluxuotina”e neste cantinho encantado eu dormi horas, dias, em sono profundo me recuperando de um cansaço mental provado pelas dores da vida. A cada dia que usava este método de cura dava mais um passo para me desvencilhar da dependência por medicamentos e me tornava auto-suficiente nas minhas emoçöes.
Os meus aliados nesta empreitada difícil foram os banhos - primeiro no mar de água morna, em que as ondas inquietas brincavam o tempo todo com o equilíbrio do meu corpo, depois de chuveiro com água gelada e fedida, cheirando ovo podre, que me deixavam com uma sensação de bem estar , certa de que a circulação sanguínea estava rápida e movimentava no meu organismo me restituindo a força vital – depois comida gostosa na mesa, livro bom para ler, e o sono recuperador na rede no alto da sacada. Este era o momento mais saboroso para mim. ...
Confesso que muitos dos meus projetos de vida sairam deste espaço pleno de natureza. O lugar é especial. Deve ser por isso que as pessoas que vivem lá são felizes , deixam o tempo passar sem preocupação. Os bailões da Tia Cida dão Ibope e mantém o galpão lotado de dançarinos todos os sábados à noite. É turista meio sem graça no começo, pescador com sandália de dedo e jeitão simples, vendendor de rede na praia, comerciante da região – todos, que neste momento estão mesmo nível social, sincronizam-se ao som de um vanerão bem tocado e o balanço das cadeiras das mocinhas e também das senhoras de mais idade entram na cadência dos passos do dançarino que está ali desfrutando do simples prazer de dançar uma boa música regional.
Tudo é tão peculiar neste espaço que une mar, mato e o bicho homem, que até a forma de achar o lugar certo para cavar um poço foi na base da forquilha de pêssego. Não é lenda não! Faz algum tempo, um homem que vivia na região conseguiu achar água com o galho de árvore de duas pontas e na hora que as pontas vibraram ..... pronto! Achou o lençol freático. Minha irmã o contratou especialmente para fazer o serviço e lá está o poço até hoje abastecendo a casa.
Dessa forma, cada vez que preciso ficar sozinha me transporto ao cantinho da rede que me embala na sacada de Itapoá. Isso me faz lembrar o que disse o biólogo e escritor inglês Rupert Sheldrake, numa entrevista:”A solidão é como uma floresta portátil que levo dobrada comigo para onde vou e que abro à minha volta quando necessário. Sento-me, então, aos pés das árvores velhas e enormes da minha infância. Desse modo faço as minhas perguntas e recebo as minhas respostas”.
Digo o mesmo, com a diferença que no lugar da floresta portátil coloco o sobrado verde com a sacada ensolarada e me deito na rede. Desse modo, embalada com a brisa do mar e a sinfonia da natureza formulo as minhas perguntas ...
Conto publicado originalmente no www.pan-horamarte.com.br