A bolsa da bruxa Elaine

Toda mulher gosta de colecionar alguma coisa, um acessório que a deixe mais bonita e – principalmente – preparada para qualquer imprevisto. E toda mulher tem a sua bolsa; sua inseparável amiga de todas as horas, pau para toda obra.

Elaine gosta de colecionar muitas coisas. Coisas de bruxa, na verdade, porque é isso o que Elaine é. Uma bruxa. E uma bruxa quarentona, o que torna tudo um pouco mais interessante e divertido.

Bem, Elaine pode ser vista diariamente, saindo de casa quase sempre às oito da manhã, quando não está atrasada. E seu carrinho quase sempre pára no primeiro semáforo da primeira esquina quando este está vermelho, ou então, passa reto quando ela está atrasada. Ela não tem medo de furar o sinal, já que nunca ninguém morreu por causa disso. Ainda. E se morresse também, Elaine sempre carrega consigo um vidrinho de líquido verde, cuja inscrição no rótulo diz “Cusparada da Vida”. Para o caso de alguém morrer, assim, perto dela. Ela gosta de ajudar aos outros. Deus tem o Sopro da Vida, Elaine tem a Cusparada, o que nada mais é do que o absinto cuspido da boca de um de Seus anjos. Artigo muito raro e caríssimo. Elaine deu os olhos da cara por esse vidrinho. Sorte a dela ter outros olhos de reserva dentro da bolsa. Porque, sabe como é né, todo mundo repara quando você perambula por aí com as órbitas oculares vazias e sangrando.

Elaine não gosta de negócios escusos. Nunca se envolveu com agiota, traficante ou assassino de aluguel. Sempre gostou de homens que andassem na linha, homens com emprego em tempo integral, endereço fixo e mais velhos, porque homens desse tipo são indulgentes com as mulheres e não fazem nada além de... falar. Bem, eles fazem outras coisinhas mais, mas para Elaine é bom porque eles fazem muito pouco e deixam bastante tempo vago na sua agenda para que ela se dedique à Arte da Bruxaria Moderna. Elaine tem o seu próprio manual dentro da bolsa. Ele pesa mais de seis quilos, mas tanto Elaine quanto a sua bolsa são mais duras do que pau-ferro.

Só houve uma vez em que Elaine se deixou enrolar por um vagabundo. Mas era um vagabundo muito interessante. Também, o danado tinha o seu próprio caixão King Size forrado com seda chinesa, que possuía música ambiente, odorizador com cheirinho de flores campestres, frigo-bar, tv de alta-definição de cinquenta polegadas e toda a coleção de dvd’s da Buffy. Elaine pensou, durante fugazes dois anos, que tivesse enfim encontrado o homem de sua vida. Mas, na verdade, ele quase se tornara o homem da sua morte.

Acontece que Elaine, naquela época, era muito ingênua, tão ingênua que por mais que a sua bolsa fosse grande por dentro, não seria grande o bastante para comportar a sua ingenuidade nem que Elaine tirasse de lá de dentro as suas duas Ferraris de passeios de fins de semana, o sarcófago perdido do filho bastardo (e bruxo) do faraó Amon-Rá, a sua coleção de lingeries da Victoria’s Secrets, e toda a sorte de bugigangas que uma mulher como ela precisa carregar dentro da bolsa para onde quer que ela ande. Ou voe. Porque Elaine adora voar.

Bem, concluindo a história trágica do vampiro – acredite se quiser, mas foi tudo muito mais trágico para Elaine do que para o sanguessuga -, Elaine o pegou tentando roubar da bolsa dela justo o frasco de Cusparada da Vida, enquanto ela estava entretida com a tv de cinquenta polegadas. Como ela o pegou com a mão pálida na botija? Ora, o alarme antirroubo da bolsa apitou bem alto (óóóóó!!! óóóóó!!! óóóóó!!! óóóóóóóóóóóó!!!) e foi como se o mundo estivesse acabando. Para se vingar, Elaine roubou a tv de cinquenta polegadas. E os dvd’s da Buffy. O vampiro implorou para ela deixar os dvd’s, mas não teve jeito. Elaine estava muito magoada.

Elaine e sua bolsa pau para toda obra, já passaram por muitas poucas-e-boas nada boas. Elaine já precisou usar a bolsa como portal interdimensional quando esqueceu uma papelada muito importante do escritório em cima do forno de micro-ondas. Ela errou a pontaria e quase cozinhou os dedos. Difícil foi explicar ao chefe as queimaduras de segundo grau no dorso da mão. Outra muito boa foi quando Elaine instalou o cachorro dentro da bolsa, para escondê-lo do fiscal de um metrô em Londres, durante uma das poucas viagens físicas que ela fizera pela cidade. Depois de ter o seu interior todo mastigado pelo feroz pequinês, a bolsa se recusou a se prestar a esse tipo de serviço ridículo e humilhante novamente. Para não perder a amiga, Elaine enviou o cachorro a uma escola de boas-maneiras no Japão. Ele volta antes do Natal.

O pior, talvez, pelo que a magnânima bolsa de Elaine tenha passado foi a desova de uma das vítimas do tal Al Capone. Desovaram o cadáver bem na porta da casa de Elaine. Quer dizer, não exatamente na porta, mas naquela época Elaine morava num pântano e pântano é tudo folgado, vai entrando que nem se fosse da casa. O cadáver foi boiando até a porta da casa de Elaine. Pronto. Não se sabe como, o defunto acordou (talvez tenha dado uma lambidinha nos respingos de Cusparada que Elaine tinha usado naquele dia para ressuscitar seu canarinho cantor) e decidiu fazer a limpa na casa dela. Ela não estava em casa. E nesse dia, Elaine tinha dado folga à bolsa. O acessório encantado estava tirando uma soneca muito gostosa dentro do closet da bruxa. Por isso, o alarme antirroubo não soou. O morto-vivo carregou tudo o que conseguiu pegar com seus braços podres, perdendo alguns pedaços de carne pútrida pelo caminho. E mergulhou no pântano, outra vez. Parecia não perceber que não estava em seu estado normal de sempre. Felizmente, Elaine voltou voando nesse dia e viu a infeliz figura tentando se locomover através da água. Ela tentou ser razoável e até simpática, afinal o sujeito claramente tinha passado dessa para uma bastante pior. Mas o cadáver ambulante não quis saber, tentou até arrancar os olhos de Elaine. Até que ele literalmente desmontou na água. A bolsa, coitada, ganhou um rasgo e se tornou meio pessimista. Elaine por sua vez aprendeu que não se pode confiar em gente morta. Ainda mais em gente morta que anda!

Andhromeda
Enviado por Andhromeda em 10/03/2011
Código do texto: T2839846
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