A batalha do cavaleiro negro
Foi a batalha mais dura de toda a minha existência. Lutar contra o senhor do caos, o imperador da Ilha Negra, o poderoso e, segundo lendas, invencível, Lorde Sombrio. Espadas se chocaram durante horas, sangue dos dois lados foi derramado. Bravura. Poder. Ele lutava extremamente bem. Quis o destino que eu lutasse melhor.
Vendo seu corpo caído a meus pés, inerte, lembro-me do início de tudo. Eu, um jovem camponês que desejava ser herói. Os sonhos. As primeiras lutas, o aprendizado. Todas as pessoas que ajudei, todas as vidas que salvei. Inimigos, monstros e vilões derrotados. O reconhecimento, o renome. Tudo viria a culminar nesta épica batalha. Quando senti que estava pronto, resolvi, finalmente, enfrentar o grande inimigo de nosso povo. E venci. Seria esta a minha sina?
Após sua derrota, sangrando, ofegante, meu oponente retirou o elmo negro. Sua máscara de terror, o pesadelo de tantos e tantos inocentes. O impacto do que eu pude ver então foi mais forte do que o de todos os golpes que até o momento eu recebera. Seu rosto. O antigo herói da minha vila. Envelhecido, enrugado. Mas ele. Aquele no qual me inspirei durante toda a minha vida de luta contra o mal. Ele... O campeão das trevas?
- Mas... Você é... Você era um grande herói do nosso reino! Eu... Por que se voltou contra nós?
Ele ficou um longo tempo parado, mirando o infinito. Sangrava cada vez mais. Seus olhos se apertavam como se estivesse meditando, ponderando sobre algo. Depois de alguns instantes que pareceram eras, ele falou, com voz calma e pausada, como se tivesse buscado as últimas forças dentro de si apenas para este fim:
- De acordo. Tu conquistaste mesmo o direito de saber. Apenas espero que o conhecimento não te seja sinônimo de arrependimento.
E o cavaleiro negro continuou.
“Um dia, eu fui como tu és. Não digo que tolo, mas sim, inocente. Achava que sabia algo sobre o mundo, achava que poderia fazer algo pelas pessoas de bem. Um... Herói. Sim. Já lutei muito contra as trevas. Um dia. Salvei pessoas em perigo, enfrentei bandidos e demônios. Minha espada sempre esteve a serviço dos deuses do bem. Com o tempo, tornei-me extremamente poderoso, eu era o verdadeiro destruidor do mal. E eis que me foi concedida uma graça. Um desejo. Os deuses respondiam à minha bravura.”
“Poderia pedir tudo o que eu quisesse. Mas tudo o que me interessava saber era se eu teria sucesso. Se, um dia, acabaria com todo o mal. Queria ver o futuro. Foi-me dado, então, o Anel do Destino. Ansiosamente, coloquei-o em meu dedo.”
“O que vi, me deixou estupefato. Eu vi os dias por vir. Vi batalhas nunca antes imaginadas. Vi irmãos lutando contra irmãos. Vi as pessoas matando a si próprias, e destruindo tudo em seu caminho. E quando haviam matado todos os seres da noite, e quando haviam matado todos os seres das florestas, e quando a própria magia havia morrido e desaparecido de vez, eles simplesmente continuaram se matando.”
“Eu vi armas que podiam queimar vilas inteiras, e vi armas capazes de deixar as pessoas doentes. Uma arma feita de milhares de pequenos animais assassinos, tão diminutos que eram invisíveis. Só podia ser obra do demônio. Para meu absoluto terror, havia até mesmo uma arma cujo efeito era eliminar qualquer vestígio da existência de uma pessoa, em um piscar de olhos. Não restando nem mesmo cinzas. Após estas visões, quando eu já não conseguia sequer me levantar de desespero, foi-me mostrado o fim de tudo.”
“Você é capaz de imaginar um mundo sem água? Eu o vi. Um mundo no qual florestas não passam de lendas, e no qual todos os deuses foram privados da vida. Os deuses. Seus nomes se tornaram apenas armas e prisões, e nada mais. E isso tudo foi criado pelos filhos dos Homens.”
“Eu vi uma chuva que mata, e vi um sol que causa deformidades e aberrações. Mulheres incapazes de gerar descendência. Os poucos homens bons que restaram, escravizados por uma caixa de luz. E o silêncio. Ah, o silêncio de um mundo onde não existem aves nem insetos.”
“Vi as pessoas se tornarem demônios. Todos os sonhos acabaram, pois este é o nosso destino. Seria. Agora, não sei mais. Quando voltei do meu transe, tinha uma nova missão. O mal estava no coração da humanidade. E eu iria mudar o porvir. Acabar com o Império dos Homens. Evitar o final de tudo. Minha espada continuou a serviço dos deuses do bem. Do deus das florestas. Da deusa das águas e da vida. Do deus dos seres alados. Resolvi lutar sozinho contra toda a minha espécie.”
“Muitos me chamariam de louco, eu sei. E talvez este anel seja mesmo amaldiçoado. Mas apenas faço o que tenho de fazer. Minha missão sempre esteve em primeiro lugar. Consegui esta armadura negra para simbolizar o meu novo caminho. Criei alianças com os seres da noite. Após o que descobri, sabia que até mesmo um mundo dominado pelos selvagens Trolls seria melhor.”
“E esta foi a minha história. Por muitos anos, obtive sucesso e criei esperanças de conseguir alterar o futuro. Mas isto é impossível, agora sei. Pois me derrotaste, Campeão dos Homens. Reconheço o meu fim. E, para a minha alma, só resta orar para renascer em um mundo melhor.”
Dizendo isto, então, o velho homem tombou e calou-se para todo o sempre. Eu vencera. O bem triunfara sobre o mal. Mas, por algum motivo, não sentia o sabor da vitória. Seria algo verdadeiro naquela história? Poderíamos realmente mudar o destino? Nestas coisas eu refletia enquanto cavava a sua sepultura. O antigo herói de minha vila agora jazia em um buraco a ser coberto pela terra. Em sua mão, algo dourado me chamou a atenção. O anel. Não custava nada experimentar.
E então...
...eu vi.
E entendi.
Soube então que me restava apenas colocar aquele elmo negro. E esperar o próximo herói que ousasse me desafiar.
Conto publicado em "Anno Domini - Manuscritos Medievais", Andross Editora, Julho/2008.