A ILHA ENCANTADA - FINAL
Embora ouvisse as palavras claramente, André não viu quem as pronunciara, mas soube distinguir com perfeição a voz de Beatriz, inconfundível para ele. No momento em que o som, ao tornar-se bem próximo, ia fazer chegar à curva do rio a pessoa de Beatriz, André ouviu atrás de si um chamado cuja voz era idêntica a que ouvira anteriormente. Virou-se e o que viu foi uma velha. Tinha no rosto muitas rugas, denotando o grande avanço da idade que já lhe iam curvando inexoravelmente as costas. Ao olhar para os lados constatou o desaparecimento da menina que até ali o conduzira. Como que empuxado por um magnetismo irresistível, caminhou em direção àquela que o chamara. A mulher encontrava-se à janela da pequena casa. Com a aproximação de André ela saiu de onde estava e ressurgiu na porta. Mantendo-a entreaberta, permitiu a entrada do rapaz e ali se fecharam.
O interior era dos mais simples. Não mais do que uma enorme cama sobre um chão de terra batida e duas cadeiras de balanço feitas de palha. As paredes da palhoça eram formadas com tecidos azuis escuros que envolviam tudo em aconchegante penumbra. Um pequeno cômodo ao fundo ostentava uma banheira de uma parede a outra e dois grossos tubos de um metal transparente traziam do teto uma torrente ruidosa de água que transbordava o recipiente ao mesmo tempo em que outro sistema lateral a expulsava. Esta renovação contínua dava-se num ritmo lento e melodioso.
A velha sentou-se numa das cadeiras e começou a falar enquanto lentamente se balançava. André sentiu-se tomado de um tremendo mal estar a ponto de quase perder os sentidos. Isto porque, na voz, nos traços fisionômicos e nos gestos, não lhe restava a menor dúvida: estava diante de sua adorada esposa. Era Beatriz cinquenta anos mais velha. Sentou-se à frente dela, refazendo-se aos poucos de mais este choque. Beatriz dizia:
– Você precisa ter cuidado. Não se deixe iludir pelo que está vendo; estamos numa ilha encantada. Seja forte e haja com coragem e conseguiremos sair daqui.
– Pelo amor de Deus! O que fizeram com você? Onde estamos?
– Estamos na ilha de Dova, o deus da paixão. Fiz sexo com Dova julgando que era você. Logo que me deixou, adormeci, não sei por quanto tempo. Quando acordei, vi você ao meu lado. Fizemos amor. No auge do gozo me vi em queda que parecia infinita. Quando acordei, imagina onde estava?
André contou pelo que passara e falou das meninas.
– É parte do encanto – disse Beatriz. – E eu só vejo meninos, todos iguais a você. Não se deixe envolver pelo encanto e sedução de Dova. Sugirá para você na minha pessoa em beleza e juventude. Há cinquenta anos estou presa neste lugar. O tempo transcorre acelerado cada vez que fazemos amor. Ele não me vê como velha, pois estou sob encanto; para ele sou a eterna juventude. Amamo-nos a todo instante, a cada hora.
– E as crianças, como surgem? – perguntou.
– É parte do encanto, representam a juventude de Dova. Elas surgem em grande número cada vez que fazemos amor. Ouço suas vozes em alegre algazarra do lado de fora. Se transamos na cama, elas surgem com arco e flechas e os seios pintados. Se fazemos amor na banheira, surgem no rio em tangas e com o peito nu. As de flecha são o cupido do amor de Dova. As do rio serão sua destruição se conseguirmos salvar as gaiolas douradas.
– O que quer dizer aquelas gaiolas?
– É o sacrifício das crianças que você viu no rio. Dova as conduz até o local que você já conhece. A missão das outras é alvejar as cordas que sustentam as gaiolas, lançando-as no lago azul
André apreciava, ainda atônito, aquele vaivém incessante da água. Subia e descia, subia e descia, num ritmo contínuo e intrigante. Tinha a visão voltada para aquela banheira, cuja cristalinidade quase o hipnotizava. Mas, o ouvido era ligado nas palavras que vinham da velha. Então, ele virou-se para olhar para ela.
Qual não foi a sua surpresa e espanto quando constatou, abismado, esta incrível transformação. Sobre a cama, em lindos trajes íntimos, era agora a Beatriz que ele sempre amou; a camisola vermelha sobre a pele morena a espalhar-se no leito, reluzindo à meia luz do ambiente. Beatriz, sentada sobre os joelhos dobrados, apoiava sobre uma das mãos o peso do corpo, enquanto, com a outra, clamava a presença de André a seu lado.
– Venha, meu amor! Não vê que sou eu, sua adorada esposa?
Era, certamente, o encanto de Dova, segundo as palavras da velha. André caminhou alguns passos em direção à amada cuja imagem e voz o estavam enfeitiçando. Beatriz, ou o que parecia ser ela, pronunciava, em tom melífluo e cativante:
- Aproxime-se, querido, estou morrendo de saudades. Não reconhece sua adorada esposa?
Neste momento, ouve André, atrás de si, outra voz, também de Beatriz.
- André, não faça isto. É Dova, querendo enfeitiçá-lo.
Ao virar-se, viu André a Beatriz, velha e acabada que devia ser, provavelmene aquela com quem antes conversava. Isto deixou-o totalmente atônito e sem saber o que fazer, que atitude tomar.
- Meu amor, não vê que mulher acabada é esta? Com certeza, não deseja amá-la. Olhe para mim. Estou linda e perfumada e acabei de sair de um delicioso banho, só para você; venha, querido!
- Não, André! Não dê ouvidos a ele. Olhe para mim; veja como sou também jovem e bela.
Ao virar-se novamente, André não acreditou. Ali estava, também Beatriz, ostentando toda beleza e juventude que sempre o atraíram; ficou ainda mais confuso e amedrontado. Esta cena prolongou-sem em ritmo delirante até que André, não mais suportando, disparou para a porta e em desabalada corrida retirou-se dali. Em passadas rápidas e incertas, levando as mãos à cabeça, seguia pela beira do rio, a esta altura, calmo e silencioso. Tentava empreender o mesmo caminho de volta, mas a dor de cabeça era insuportável. Os passos tornavam-se cada vez mais lentos e cambaios e, a certa altura do caminho, desmaiou sobre a grama úmida. Despertou envolto pelas carícias de uma mão macia, a mão de Beatriz. A primeira reação foi um grito de pavor e uma tentativa de fuga, o que teria ocorrido, caso não estivesse fraco e abatido. Beatriz se assustou com esta reação violenta do noivo.
- Calma, querido! Está tudo bem agora.
Estavam na beira da praia, bem próximo ao roxedo em que ele havia subido para vistoriar a ilha. Beatriz também sentiu vontade de fazer o mesmo, só que de outra forma. Não tinha coragem de subir aquelas escarpas e, além disso, tinha pavor de alturas. Esperou que o noivo se afastasse, entrou no barco, ligou o motor e saiu em direção contrária a dele. Queria dar a volta e fazer-lhe uma surpresa ao ter com ele do outro lado. Deseperada, ao vê-lo despencar do barranco, por onde descia descuidado, ela gritou. O grito longínquo de Beatriz foi o último som ouvido por André antes de perder os sentidos. Caíra de pouca altura, mas batera com a cabeça em uma árvore baixa do caminho. Apavorada, Be atriz mergulhou na água e, em poucos minutos, superando os quase duzentos metros que a separavam do noivo, já estava ao lado dele cuidando de sua ferida. Lavou o ferimento da nuca e envolveu-lhe a cabeça com um lenço, estancando o sangramento. Com cuidado e um pouco de dificuldade, arrastou-o, o que o fez despertar. Com um pouco de paciência e muita dificuldade, conseguiu Beatriz acalmar André. Já confiante, relatou a ela o motivo de tal apavoramento.
Passadas poucas horas, já encontrava-se André alegre e bem disposto e já brincava com o que lhe havia acontecido.
- Diz pra mim – falou Beatriz, após um momento amoroso ao lado da barraca, envoltos pela suave brisa do mar – como estarei daqui cinquenta anos?
- Linda como sempre – ele respondeu, beijando-lhe docemente a face.
- Vai me amar do mesmo jeito?
- Quer mesmo saber?
- É claro que sim.
- Só acredito se subir comigo para mais um passeio na trilha.