O espelho amaldiçoado
Havia certo reino onde a princesa, Adéle, era a alegria do rei. Única filha mulher dentre os cinco que o soberano tivera, era doce e sonhadora e alegrava todo o castelo.
Ela tinha, porém, um segredo: quando pequena, descobrira um antigo quarto abandonado numa das torres altas do castelo. Lá, dentre outras coisas, descobriu que um feitiço prendia um jovem príncipe num enorme espelho. Dizia ele que tinha sido aprisionado ali fazia muito tempo e que só podia ser libertado quando uma donzela completasse dezoito anos e entrasse no espelho para buscá-lo.
Desde então, a princesa ia frequentemente ao quarto e passava horas conversando com o rapaz preso no espelho. Não demorou para que Adéle se apaixonasse por ele e prometesse que, na noite de seus dezoito anos, entraria no espelho e o libertaria.
A única pessoa que sabia disso, além de Adéle, era sua dama de companhia, Dalila, que prometera manter tudo em segredo.
Anos se passaram assim, até o aniversário de dezoito anos da princesa chegar. O rei fez uma grande festa, com um banquete esplendido e convidou muitos nobres amigos seus, a fim de que logo aparecesse um bom pretendente para sua filha. Tarde, da noite, porém, depois da comemoração, Adéle subiu até torre, ainda com seu belo vestido de festa, entrou no espelho enfeitiçado.
Ao fazê-lo, entretanto, não ocorreu o que o príncipe prevera. Ao invés disso, ele saiu do espelho e ela ficou presa dentro da superfície do mesmo.
Assustada, Adéle perguntou o que tinha acontecido. O rapaz lhe sorriu e explicou que o espelho não podia ficar vazio: a moça precisava entrar para que ele saísse para a liberdade e lá ficaria em seu lugar.
Deixou-a no espelho e foi embora, aproveitar a vida que perdera nos anos que passara preso.
Desolada, a Adéle restou apenas chorar, pois ninguém saberia encontrá-la ali.
Ocorreu que, no dia seguinte o rei não a encontrou e mandou todos os seus cavaleiros buscarem-na, temendo que tivesse sido raptada por algum inimigo. Aflito, ele prometeu que quem quer que encontrasse sua filha amada teria direito de desposá-la.
Sendo a princesa famosa por suas qualidades, muitos rapazes do reino começaram a procurá-la por toda a parte, sem sucesso.
Passara-se já uma semana, quando Dalila, culpada e preocupada com sua senhora, contou a sua mãe sobre o príncipe do espelho e sobre o plano de Adéle.
-Ela deveria ter aparecido na manhã seguinte com o príncipe... Será que algo deu errado? – Perguntou à mãe, enquanto chorava.
-É provável, minha filha. Não se deve mexer com as coisas mágicas. Esse senhorzinho deve ter sido aprisionado lá por algum motivo e talvez tenha enganado a princesa. – Retrucou-lhe a mãe.
-O que podemos fazer, então? - Dalila apavorou-se.
A mãe pensou um pouco.
-Chame teu irmão mais moço e conte-lhe a história. Ele é inteligente e poderá nos ajudar. – Disse a mãe e Dalila a obedeceu.
O irmão, Vicente, depois de pensar um pouco, imaginou o que o tal príncipe havia feito e partiu para encontrar um grande mago que vivia na floresta. Certamente, o sábio poderia resolver o problema.
Chegando à casa do bruxo, ele relatou a história da princesa e o velho contou-lhe que o príncipe não era nobre nenhum: tratava-se de um bruxo que um antigo rei contratara havia muito tempo e que o havia traído para enriquecer. Furioso, o rei pediu a Morgana, a maior feiticeira que já existiu, que o castigasse. Ela prendeu-o no espelho e declarou que apenas uma jovem donzela em idade de casar poderia salvá-lo, entrando no espelho em seu lugar.
- O que pode ser feito para tirá-la de lá? – O jovem perguntou.
-O tratante deve ser levado de volta para dentro do espelho. – Explicou o mago.
-E como pode ser reconhecido esse traidor?
-Tem uma cicatriz pequena na têmpora direita.
Com todas as informações de que precisava, Vicente pôs-se a procurar o feiticeiro malandro.
Encontrou-o num castelo distante, servindo a outro rei, que, ao ouvir a verdadeira história do novo serviçal ficou irado e mandou que fosse preso.
Vicente o convenceu, então, que ele deveria ser levado de volta ao outro reino, de forma a receber lá o seu castigo.
Apesar de contrariado, o rei concordou e deixou o mago aos cuidados do jovem cavaleiro, que levou o traidor de volta.
Quando entrou no quarto misterioso no alto da torre, o mago tentou ludibriá-lo e fazer com que desistisse de mandá-lo de volta.
-Veja bem – ele disse, - ela que escolheu me libertar, porque me ama.
-Não seja tolo. – Vicente lhe respondeu, retirando a espada da bainha e ameaçando cortar-lhe a cabeça.
Com medo da arma, o mago deu passos para trás e caiu no espelho, libertando Adéle, que, muito contente por ter sido salva, foi logo encontrar o pai e explicar-lhe o que lhe acontecera.
Esclarecida a situação, o rei disse a ela que prometera sua mão em casamento a quem a salvasse e, portanto,Vicente seria seu marido. A princesa alegrou-se com isso, pois admirara o gesto do irmão de sua dama, já que ele fora atrás do traidor e a tirara de sua prisão.
Dessa forma, o casamento dos dois ocorreu pouco depois e foram felizes por longos anos, depois de enterrar bem fundo o espelho do príncipe encantado.