MEU ANJO - FINAL
Por mais que procurasse afastar a perturbação do meu espírito, não conseguia. O que me chamara a atenção foi a mudança repentina do tempo. O que vinha sendo uma temperatura agradável, embora fizesse calor, transformou-se, sem que nenhum sinal o prenunciasse, num vendaval assustador, que fazia trepidar as árvores com tamanha fúria, pouco faltando para que arrancadas do solo fossem pelas suas raízes. Embora sempre fosse comum este fenômeno, nunca o vira tão violento e assustador. Tal era o desespero das crianças que Suzi não conseguia controlá-las, pois estava também apavorada. A toalha sobre a areia simplesmente levantou vôo e todos os objetos foram lançados a metros de distância, espalhando-se ao longo da praia, alguns desaparecendo de vista. Eu, lá em baixo, tentava de alguma forma acalmar Suzi e as crianças. Todos correram em minha direção; ordenei que se agarrassem aos troncos das árvores. Eu era forte, mas, mesmo assim, senti-me balançando com a força incomum da tempestade como se fosse sair do chão a qualquer momento.
Flutuando acima de tudo, imune a tudo que se passava lá em baixo, olhava a figura do meu anjo como a suplicar-lhe que fizesse alguma coisa. Ela entendeu minha expressão e me disse com ternura:
- Tudo vai acabar bem; prepare-se para entrar em cena.
Senti que poderia, na condição de espírito, interferir de alguma forma naquele acontecimento, mas não sabia como. Tentei alçar um movimento, mas algo me impedia; era como se preso no ar estivesse, nenhuma ação correspondia a minha vontade.
- Espere; ainda não é o momento - disse Teli.
O tormento continuava. O vento era cada vez mais forte e devastador. As águas do lago pareciam tomadas de fúria incomum; era como se, ali por baixo, houvesse vulcões em erupção. Elas subiam em jatos fortíssimos que pareciam flechas lançadas em direção ao céu. Subitamente, desaparece a luz solar e uma escuridão moderada toma conta de tudo. Os jatos de água agora caíam, não de volta ao lago, mas sobre a areia; era o fim do mundo diante da minha visão assustadora e impotente.
Uma força incontrolável começa a querer arrancar Daniel do tronco da árvore em que se agarrara. Suzi entra em desespero ao vê-lo lutando em vão. Não havia como socorrê-lo, pois todos precisavam da força dos braços para se protegerem contra o vendaval. As duas meninas, auxiliadas por uma repentina presença de espírito, estavam, cada uma delas, protegidas pelos corpos meu e de Suzi. Mas, Daniel, logo ele, não tivera tempo de buscar socorro e agora lutava desesperadamente para não ser arrastado. No mais profundo pesar lembrei-me da maldição; aquele então seria o momento crucial em que algo deveria acontecer. Pressenti que perderia o meu filho para as águas do lago, posto que elas estavam naquele momento enfurecidas como se aguardando o momento de engolir Daniel.
Vi que era isto que estava prestes a acontecer. Daniel soltou-se do tronco e foi apanhado pela água que já havia inundado o terreno. Ele caiu deitado e começou a ser puxado, mas lentamente. A água trazia o corpinho de Daniel e ao mesmo tempo retrocedia, de volta ao seu lugar de origem, o lago. Desesperados, só nos restava olhar a cena, na esperança de que um milagre pudesse salvar nosso filho.
- Salve-o, por favor! Faça alguma coisa! - gritava Suzi aos prantos e eu não sabia o que fazer. Se me soltasse da árvore, certamente levaria Isabel, a caçula, também para um destino trágico. Neste momento, meu anjo, com uma tranquilidade própria dos espíritos superiores, apontou na direção do meu eu real e disse solenemente:
- Agora vá, é a sua vez de agir!
E, com outro gesto e num átimo de segundo, fez-me descer sobre meu eu real agarrado à árvore e me senti desaparecer dentro dele. Era como se uma força ou um poder descomunal tivesse de mim se apossado e eu não sentia mais a força do vento, embora estivesse este ainda mais forte. Soltei-me da árvore, tendo Isabel segura por um braço e, em três ou quatro passadas alcancei Daniel, já quase sendo tragado pelas águas do lago. Estas, ainda mais enfurecidas, vieram sobre mim em forma de ondas, mas batiam e voltavam, batiam e voltavam, sem conseguirem o intento de arrastar-me; eu parecia preso ao solo e nada movia-me do lugar. As crianças, firmemente protegidas em meus braços, eram também a imagem da confiança.
Finalmente, após outras tentativas frustradas, elas retrocederam, desistindo de apanhar-nos. Fez-se de repente uma calmaria, não só em toda a extensão do lago, mas a ventania cessou por completo e aquela paz comum ao local voltou a se fazer presente. Novo impulso e eu me senti flutuar, encontrando-me em seguida ao lado da figura do meu anjo; aquela figura sempre terna e amorosa, sempre a me envolver com sua aura mística. A um gesto seu me vi novamente em viagem e já estávamos em época anterior, sentados à beira do lago.
- Agora entendo; aquela então é a salvação de Daniel?
- Sim, e você será o responsável por ela.
- Mas, sou um simples mortal; como posso conter as forças da natureza?
- Mas, não é você quem irá conter as forças da natureza e sim, eu. Sou o seu poder maior, o seu Eu verdadeiro, para o qual não existem maldições de espécie alguma. Isto não é um sonho; nem sempre os sonhos são sonhos. O espírito precisa visitar regiões distantes onde pairam os reflexos dos mais profundos pensamentos arraigados no subconsciente; o subconsciente jamais dorme.
- Quer dizer que estou dormindo, estou sonhando?
- Está dormindo, mas não está sonhando; não nesta noite. Está viajando astralmente, visitando cada escaninho de sua mente subconsciente. A experiência que tive permissão de fazê-lo vivenciar durante a noite e interferir nos resultados foi esta que acabou de passar. É a que mais fortemente vinha influenciando sua vida e de toda a sua geração, mas isto acabou a partir de hoje.
- Você é espírito?
- Como falei, sou seu Eu maior, sua consciência Divina que tudo sabe e tudo vê.
- O que vi vai então acontecer no mundo real?
- Sim; mas Daniel está salvo, não precisa mais se preocupar com isto. No entanto, terá que passar pela experiência; impossível fugir a ela, é o seu predestino. Alegre-se então com o fim dado à maldição. - E, lendo meu pensamento, prosseguiu. - Ao acordar, lembrar-se-á de tudo perfeitamente. Saiba, no entanto, como usar as palavras ao dar explicações. Diga apenas que foi o poder da fé, pois estará em mim e eu em você.
Dizendo isto, desapareceu. Durante o café daquela manhã, à mesa com Suzi, eu era só alegria e confiança.
- Sabe; somos a família mais protegida que existe sobre a face da terra. E, quanto ao Daniel - acrescentei, olhando o seu rostinho rosado enquanto dormia - garanto a você, viverá muitos e muitos anos e morrerá bem velhinho, pois nada de mal jamais lhe acontecerá.
- Acordou inspirado! - ela disse, sorridente e admirada - quem contou para você, uma cegonha?
- Não exatamente, mas possui asas - respondi, mostrando meu sorriso enigmático.