AUSENTES PRESENTES *

No silencio daquela álglda tarde, ares leves do outono, ao longe o trinar de pássaros, sonoros em espaçados cantos, nas mãos um pequeno ramalhete de rosas brancas. Passos cuidadosos, como buscando alguma coisa entre plantas na grama verdejante do descampado, naquelas alamedas solitárias, bem cuidadas, verdadeiro jardim acolhedor.

Seguia só e alheia, a mente em outro universo,como se tratasse de uma visita, buscando reminiscências, imersa em si e nas saudades. Os olhos vasculham lápides rentes ao chão, esmaecidas letras douradas, placas numeradas, registros na pedra de nomes sepultados naquela campa, nas gavetas de cimento, compartimentos em que repousavam os restos mortais de vários entes queridos. Depósito cuidado, despojos respeitosos, no endereço do implacável destino...

Frente ao local procurado, a cabeça pendida para o solo, como se murmurasse um choro seco, angustiado, num meditar e falar com os presentes na memória e ausentes na matéria... Viagem em espirais, um retrocesso no relógio do tempo, cenas de ontem trazidas no presente...

Cada nome balbuciado, imagens ressurgidas, vivas, personagens revividas, instantes mágicos, minudências tão íntimas, memórias caras, uma expressão de sorriso, um cantar manso na cantiga de rodas, a infância trazida do âmago, acolhida no colo materno sob os severos mas ternos e protetores olhares paternos... Braços que parecem osculá-la no afeto relembrado, um conforto nas saudades sofridas, momentos de pessoal reconhecimento, busca do alento para minimizar os espinhos da distância física...

Quando os sons surgidos, ventos nas janelas, trovões temporais, corria buscar abrigo junto aos pais e avós, na placidez da segurança que a envolvia. E nos chuviscos do verão, saltitando no asfalto, mormaço refrescado, terra seca, molhada, frescores evolados, águas de enxurradas, canções em cascatas, ruídos das matas,relembrava estórias, com suaves melodias, no regaço e nos conselhos e cuidados de olhares dos entes que se foram...

Crescera e aprendera a superar dores das despedidas, mas havia momentos em que necessitava aninhar-se nos colos e recobrar os ânimos desfalecidos nas desventuras do caminho, na solidão que a visitava e requeria voltar, mesmo que em pensamentos, ao encontro daqueles queridos Seres, que a antecederam na partida.

Ei-la que retorna aos braços amados, não no campanário desolador, solitário, mas nas entreabertas portas do insondável regresso ao passado, só concebíveis nos arquivos da memória, ressuscitada e plasmando um cenário de afetos e enlevos, uma verdadeira volta no tempo e espaço...

Momentos únicos, consoladores, rompendo as barreiras entre dimensões, na viva impressão do reencontro entre seres que se imantam além das fronteiras das existências

O bálsamo daqueles instantes, impregnando novas forças na caminhada, recolhendo lágrimas de desassossego e trazendo alívios e esperanças de futuro reencontro. Correm livres, mas serenas, molhando em êxtase o semblante desanuviado, como uma oração sublimada em cântigos de louvor à vida...

Queridas imagens materializadas na emoção daqueles recônditos momentos íntimos, onde a morte não parece o fim de tudo, e as máscaras frias e pálidas dos que se vão, ganhavam cores e ressuscitavam animadas, como outrora, no convivio prazeroso de confraternização de espíritos afins

Não mais triste, melancólica, entregue às reminiscências funestas, mas rediviva para prosseguir na jornada, enquanto não chegasse a hora para a qual todos seremos chamados

Em passos aliviados, distanciando, dores amainadas no conforto da fé, crendo na distância temporária de seus antepassados, revigorada naquele encontro imaginário e tão necessário, como quem precisava muito desabafar mágoas das saudades cruciantes.

As flores depositadas nos vasos que adornam aquele recinto, futura morada, certa, muda, fria, no falecer das vitalidades, das ilusões em seu epílogo...

*TEXTO SELECIONADO PARA FIGURAR NA ANTOLOGIA DE CONTOS DA MEIA-NOITE, ABRIL 2011, EDITORA CBJE, RIO DE JANEIRO/RJ.