Viagem para o Interior (Baseado em fatos reais)
Certa noite fui transportado, misteriosamente, para outro mundo, uma espécie de outra dimensão. Fiquei meio espantado no início e confesso que um tanto quanto decepcionado, porque tudo era exatamente igual aqui. Mesmo estilo, mesmas pessoas, mesmo ritmo, mesmas cores, mesma melodia. Tudo era igual.
Ainda meio tonto da viagem e sem conhecer ninguém, pedi informação, a um senhor franzino que passava no outro lado da estrada, sobre onde teria um bar que eu pudesse tomar alguma coisa, pois era quinta feira à noite e no meu mundo real isso era praticamente uma obrigação.
Aquela simples pergunta virou minha visita de cabeça pra baixo. As pessoas começaram a me rodear, bater palmas numa espécie de adoração. Todos me olhavam admirados e veneravam qualquer simples ruído que eu fazia.
Foi nesse momento que percebi algo de errado. Os dois mundos tinham diferença, uma pequena mais gigantesca única diferença, a minha voz. Pra eles, ela era muito especial. Tentei explicar que não sabia como tinha parado ali e que eu era só mais um em meu mundo, que lá todos falavam da mesma forma, eu era só mais uma voz no meio de bilhões. Eles não acreditavam, eles tinham a convicção que eu deveria ser algo divino, um iluminado.
Uma das pessoas, no meio daquela que já era uma multidão, se aproximou e me disse que sabiam que essa hora iria chegar. Minha voz já era muito conhecida, todos há ouviam o tempo todo nos mais diversos lugares. Ela ecoava no vento das montanhas, nas ondas do mar, no brilho da lua. Minha voz soava macia e acalentadora para os anciãos, afinadíssima e imponente para os que se diziam entendidos, nervosa para os mais rebeldes. Alcançava a todos. O encontro comigo pessoalmente era uma espera ansiosa de anos e anos.
Impulsionado por essa inesperada novidade, peguei um violão surrado que me deram e comecei a cantar. Daquele mesmo jeito que canto no banheiro, meio desafinado, sem me preocupar se está certo ou errado. Mas para eles tudo era espantoso. Tudo foi tomando uma proporção enorme. Recitais, shows, palestras. Mas nada era maçante ou exagerado. Eu era o cara mais famoso daquele mundo e levava isso com a maior naturalidade e prazer.
Numa bela noite, daquele lugar que passou a ser especial pra mim, tudo escureceu. Como num estalo, estava aqui de novo, meio perdido. Era quinta feira à noite. Tinha certeza que não tinha sido um sonho. Minha cabeça girava muito rápida tentando assimilar tudo aquilo que aconteceu comigo. Estava eufórico e demorei pra dormir
Entendi que todos, em algum momento da vida, são abduzidos para o seu mundo interior particular, mas poucos lembram. Acabei concordando que a lembrança, de toda essa loucura, me tornava realmente especial e diferente também em meu mundo.
Lembro que antes de ser “deportado”, tive tempo de prometer a eles duas coisas: a primeira é que independente do lugar, da situação, nunca mais deixaria de cantar. Sem medo nem vergonha. E a segunda é que iria transmitir esta experiência para todos para o resto da minha vida.
Já que dizem que a vida é uma música, vou viver a vida intensamente, cantando e transmitindo minhas idéias e pensamentos através da música.
Sem me preocupar com julgamentos, pois sempre, em algum lugar, terá um mundo inteiro de platéia me esperando.