O CEMITÉRIO DE LINZABAWN - PARTE II

"... E chegando em lugares que não existem é que passamos a crer naquilo que não vemos, e podemos tocar com nossas mãos e descobrir segredos que estavam adormecidos e que eram separados da realidade por falta de coragem, lógica e por não saber olhar com os olhos que vem de dentro..."

Os esqueletos pulavam animados com a presença daquela senhora na árvore, alguns ainda possuíam cabelo e outros nem tanto. Restos de vestimentas antigos cobriam parte dos ossos que agora estavam com vida. Sem prestar atenção neles, ela continuava a anotar num pergaminho os caminhos que passaria. Quando terminou enrolou e então tirou de um dos bolsos da capa um saquinho e o abriu pegando um punhado de pó e jogando nos esqueletos que viraram para o lado de seu mestre e investiram um ataque. A curandeira desceu da árvore e seguiu o caminho enquanto ele fugia daquele monte de ossos.

Faltava um terço do caminho e ela estava ansiosa para saber como terminou a última armadilha da pobre criatura e foi aí que então percebeu qual era o erro de todos e novamente o dela. Pois estava naquele momento de frente com o sepulcro do espírito que atormentava a todos. Ela subiu os poucos degraus que ainda haviam e foi até a cripta para ver o que poderia fazer, lá dentro haviam vários esqueletos pendurados de pessoas que provavelmente se suicidaram para conseguir alguma coisa, um ritual feito com sacrifícios, um espírito trazido de volta.

Ao olhar dentro do túmulo viu que seus ossos haviam sido separados nos quatro cantos da cripta e seu espírito amarrado ao cemitério. Sem hesitar cercou-o com sua erva protetora e começou a remontar o esqueleto. Cada parte reposta era refletida no corpo materializado do pobre coitado que gritava lá fora. A curandeira muito esperta usou o mesmo pó que jogou no esqueleto de seu amigo e viu os últimos momentos daqueles que ali estavam pendurados. Viu que eles praticavam magia negra e eram do mesmo sangue de um homem muito malvado que habitava em Linzabawn conhecido como Conde Loverbo.

O vento espalhava as folhas pelo cemitério enquanto uma névoa se aproximava, a senhora então terminou de montar o esqueleto e recolheu os ossos dos que foram sacrificados colocando-os num túmulo vazio que havia ali. E saiu rapidamente avistando o portão de saída. Quando ele viu que ela estava quase saindo do cemitério tentou acordar mais esqueletos, mas sua força não era mais a mesma. E entrou em sua cripta para ver o que ela havia feito. Viu que ela tinha quebrado a maldição que haviam feito para ele. Ao sair novamente ele se materializou em frente a saída do cemitério e a encarou. Ela pediu licença com um sorriso nos lábios, ele estava frágil e não conseguia mais ficar em pé, e escorou-se no portão.

Ela então deu mais três passos e ganhou o lado de fora e naquele momento gargalhava. Então olhou para a grande árvore do centro e o espírito foi até lá tropeçando e caindo, levantando e pegou as três sementes e trouxe até ela. Muito satisfeita pegou um saquinho e assoprou no espírito que se desintegrou na frente dela. Pegou outro saquinho e o pó que saiu de dentro voou por todo cemitério cobrindo os túmulos. Ela enfeitiçou todos os esqueletos e eles serviriam a ela naquele momento. Ninguém poderia passar por ali exceto os que tivessem um talento que servisse a ela pois aquelas sementes produziriam uma outra semente que qualquer pessoa de qualquer mundo desejaria ter. O poder de renascer novamente de uma planta com um detalhe bem relevante: nascer com a mesma idade que foi plantado alguns anos depois.

Então ela voltou a árvore, subiu nela e colocou preso num galho aquele pergaminho que ela escrevera ali mesmo, momentos antes. E seguiu o caminho para Torunvitch.

Essa foi a missão dada a esta senhora que espalhou por todos os arredores coisas a seu respeito. Do outro lado do cemitério as pessoas olhavam com seus olhos curiosos tentando avistar algo que pudesse mostrar uma vitória ou derrota daquela pobre curandeira. Alguns cochichavam sobre uma tal "senhora de torunvitch" e se perguntavam porque ela entrara no cemitério. Ninguém se arriscou a tentar passar pelo cemitério. Fizeram a escolha certa, era melhor que não vessem mesmo o que aquela senhora faria do outro lado. Ela certamente esperaria o momento certo de agir para proteger as sementes que estavam prestes a nascer.

Pobre espírito zombeteiro aquele, acabou ajudando enquanto achava que estava atrapalhando. Quem contou esta história já renasceu muitas vezes. Sejam bem vindos a Torunvitch, o outro lado do cemitério de Linzabawn. Se quiser dê o primeiro passo para dentro. Mas ser sincero é importante, não garantimos que você saia do outro lado.... Vivo...

Esta história é o início da personagem "Sra Merguet" a senhora de Torunvitch, parte integrante de uma coletânea que está em processo de contrução e que contará histórias perdidas pelo tempo.

Twitter: @bethoragusa