Sangue de Dragão - Cap. 22
--- A Sedução da Serpente ---
Ao retornar do campo de batalha, o grupo de reconhecimento liderado pelo mago Farmenis iniciou os cuidados aos seus feridos. Infelizmente houve algumas baixas, incluindo dois soldados e um sangue de dragão. Seus corpos foram trazidos para o acampamento para serem transportados de volta para Taram.
Orogi despertou sentindo muitas dores no corpo. Apresentava muitas escoriações, cortes e hematomas por todo o corpo, e seu braço enfaixado ardia um pouco como se tivesse sido queimado. Mais uma vez não lembrava como tinha se ferido daquela forma, situação que provocava uma sensação de angústia e medo. Ao seu lado repousavam muitos feridos, entre soldados do império e magos também.
Exatamente a sua esquerda um garoto dormia tranquilamente. Devia ter a mesma idade de Orogi. Seu rosto também tinha alguns ferimentos. Orogi o observava com atenção e uma dura verdade se descortinava aos poucos em sua mente como uma neblina que se dissipa lentamente.
Somos crianças, pensou Orogi, não deveríamos estar aqui. A guerra não deveria ser um lugar para crianças. Nunca.
Orogi se perguntava por quanto tempo mais poderia agüentar tantos ferimentos. Tinha medo de morrer sem ter consciência da causa. Medo de cair na escuridão e nunca mais sair dela.
Seus pensamentos foram interrompidos quando sua atenção se voltou para um enfermeiro que trazia uma maca onde um corpo repousava sob um lençol branco. Orogi sabia que aquele corpo pertencia a mais uma vítima de batalha, de muitas que já tinha visto desde que chegou ao acampamento, se deparando com as conseqüências de uma guerra.
Sentia uma enorme tristeza ao ver que aquelas pessoas nunca mais retornariam à suas famílias, nunca mais veriam seus filhos e pais. Por um momento se questionou: o que faria se o mestre Farmenis morresse e o deixasse só no mundo? Como faria para sobreviver sem seus cuidados?
Neste momento outro enfermeiro se aproximou da maca com uma prancheta na mão.
---- Esse é o sangue de dragão morto na última missão de reconhecimento?
---- Sim. Mas ainda falta ser catalogada.
---- Eu faço isso. Tire o pano.
O enfermeiro retirou o pano que cobria a face daquele corpo revelando o rosto de uma criança. Uma garota de pele branca e cabelos pretos. A palidez do seu rosto revelava que a vida tinha lhe abandonado. O enfermeiro anotou algo na prancheta e escreveu alguma coisa na testa da garota.
---- Pronto, pode levar.
---- Ok, lá vamos nós. Mais um para queimar nas fornalhas --- disse tranquilamente o enfermeiro.
Orogi, com os olhos arregalados, observava o que se passava. Seu coração disparou e um suor frio percorreu seu corpo. Achava que não ia suportar aquela sensação. Estava a ponto de explodir.
---- NÃÃOOO! SOCORRO, ME TIREM DAQUI! NÃO QUERO MORRER! --- o garoto ao lado de Orogi começou a gritar desesperado e levantou-se apressadamente na intenção de fugir dali. Foi contido com dificuldade por um enfermeiro que lhe aplicou rapidamente uma injeção. Aos poucos caiu em sono profundo.
Muito nervoso, Orogi lutou bastante contra a vontade de gritar também. Queria liberar todos aqueles sentimentos contidos. A raiva, a solidão, a tristeza, o medo, tudo que vinha experimentando ao longo dos últimos tempos. Mas manteve o controle e adormeceu.
Caminhando cabisbaixo por uma imensa planície de pedra, Orogi estava terrivelmente cansado. Sentia que suas forças estavam prestes a terminar e que ficaria para morrer naquele deserto rochoso. Por um momento levantou a cabeça e avistou uma montanha logo à frente. E no sopé desta montanha lá estava ela......a caverna.
Orogi sabia o que tinha dentro daquela caverna, na verdade um covil. Mesmo assim era o único lugar em que poderia encontrar refúgio e segurança em meio à paisagem desolada. Caminhou mais um pouco e parou em frente à boca da imensa caverna.
“Eu sei o que você sente, humano”, disse uma poderosa voz que vinha de dentro das sombras.
“Tudo isso é culpa dos Urami. Toda a indiferença, a perseguição, o ódio, a solidão. Tudo culpa dos malditos magos. Inclusive aquele a quem você considera um pai. Ele te fere e ignora”
“Nós só servimos como instrumentos e ferramentas nas mãos deles. Enquanto isso não se preocupam com nosso sofrimento. Nossa morte não significa nada para eles. Nada. Mas há um caminho para a liberdade”
---- Como posso encontrá-lo? --- perguntou Orogi em voz baixa. Sentiu, mesmo não vendo, que o dono daquela voz sorria de contentamento.
“Basta apenas odiá-los. Apenas querer profundamente que os magos paguem por tudo que fazem. Desta forma encontrará o caminho”
“O que me diz pequena criatura? Vamos fazer isso juntos?”
Olhando para as sombras da caverna profunda, Orogi permaneceu em silêncio.
“Qual a sua resposta sangue de dragão?”