A Lamentação
A Lamentação
As vozes que vem de longe tomam conta de toda a cidade. O povo do local não se apavora, pois sabe que daqui a pouco a turma da lamentação sairá correndo pela cidade, atormentando os casais que ainda não se casaram no religioso.
Perto do cemitério, eles se cortam com navalhas e apanham com chicotes, soltando longos gemidos aos olhos do pequeno grupo que assiste a tudo, esperando o momento em que os sofredores correrão pela cidade, para casa de Seu Mané.
Seu Mané é uma figura conhecida na pequena cidade. Homem trabalhador, de pouca cultura, que tem verdadeira paixão pela mulher, mas nunca a levou para o altar. Dona Viuvinha, que não é viúva, mas teme ficar, teme não receber as graças de Deus, por não ter recebido a bênção no casamento.
Os malandros, aproveitando a situação do casal não os poupam em época de Lamentação. O cônjuge já dorme preparados para o que vai acontecer. Dona Viuvinha não se importa mais com o que dizem, reza apenas para que um dia o marido decida levá-la ao altar.
Apesar de não se importar com os gracejos dos rapazes, dona Viuvinha sabe que terá que segurar o marido, pois este não admite brincadeiras e em dias de Lamentação, já dorme com uma espingarda ao lado da cama.
Antes da meia noite, Seu Mané recebeu um bilhete dos Lamentadores, avisando-o que desta vez iria poupá-lo. O homem recebeu o escrito e apesar da pouca leitura, entendeu se tratar de mais uma ironia dos vagabundos. Não quis dormir, apesar dos pedidos da esposa.
Esperou horas e horas, mas os vagabundos não chegavam. Cansado, o pobre homem adormece próximo da esposa amada, mas não demora muito para ouvir os gemidos dos Lamentadores:
_ Ui! Ui!Ui! Acorda, Mané! Acorda! Ui! Ui!Ui! Acorda, Mané!
_ Filhos de uma égua! Eu sabia que eles viriam! Eu vou acabar com vocês, vagabundos!
Ao vir o homem despertar, toda a vizinhança abre as janelas para acompanhar a cena cômica. Dona viuvinha atrás do marido, de camisola, segura o esposo, que aponta a arma para os lamentadores, mas os gemidos continuam para deleite dos moradores.
_ Ui! Ui! Ui! Seu Mané!!!!!! Case com dona viuvinha! Pobre desta mulher!
_ Filhos de uma égua! Filhos sem mãe! Cães dos infernos!
_ Ui! Ui! Ui! Larga ele, dona viuvinha! Ele não te merece! Ui! Ui! Ui!
_ Eu mato! Desgraçados! Respeite minha mulher!
_ Ui!Ui! Ui! Ela não é sua mulher! Ui! Ui! Ui! Você não se casou na Igreja! Pobre de dona viuvinha! Vai para o inferno!
Ao ouvir que vai para o inferno, a mulher começa a pegar o terço e pedir perdão a Deus, enquanto os malandros por trás do matagal riem e gritam:
_ Ui! Ui! Ui! Não adianta apelar para o terço, não! Vai para o inferno com reza ou sem reza!
_ Apareça filho de uma sem-nome! Quem vai para o inferno é a cadela que te pariu! Eu mato vocês!
_ Ui! Ui! Ui! Você não mata ninguém! Você é corno, Mane! Ui! Ui! Ui!
A lamentação toma a noite toda. Entre risos e gracejos, seu Mané começa a pensar na manhã seguinte. Ele tomara uma decisão naquele instante, enquanto os jovens riam e gozavam da cara dele. Decidira casar com dona viuvinha e assim o fez logo no primeiro raio de sol. Feliz, tinha certeza que não haveria mais Lamentação na sua porta no próximo ano, mas não foi o que aconteceu, pois enquanto o homem dormia tranquilamente, ouviu um gemido na sua janela:
_ Ui! Ui! Ui! Acorda, Mané! Pensou que nós não vínhamos?