CRISTAL

Zé Firmino era garimpeiro desde menino, acompanhando o pai nos trabalhos na Mina das Onças, lá em Catas Altas, Minas Gerais, aprendendo o ofício em detrimento da escola e da labuta no amanho da terra, cuidando da pequena lavoura e plantações cultivadas pela gente do lugar.

Casou novo ainda, aos vinte e poucos anos, com a Ritinha do Pompéu e logo vieram os filhos, formando uma escadinha de seis meninos, quatro homens e duas mulheres. Naquele tempo televisão não existia, a luz era de lamparina a querosene e a melhor distração era mesmo fazer filhos, um atrás do outro. Zé Firmino e sua Ritinha não fugiam às regras portanto e a prole aumentava a cada ano, só fazendo piorar a condição de vida da família pois o dinheirinho ganho na garimpagem mal dava pra comida, magra ração do dia a dia na base do feijão, carne de sol e farinha grossa.

O sonho do garimpeiro era descobrir um filão de quartzo (cristal de rocha), transparente, o que lhe proporcionaria um bom ganho e haveria de solucionar todos os seus problemas. Assim trabalhava com vigor, de manhãzinha à boca da noite, cavocando na mina já quase exaurida, sozinho, pois todos os seus companheiros já tinham abandonado aquele garimpo, partindo em busca de novas paragens e de melhor sorte.

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Cinco léguas acima de Catas Altas ficava a localidade de Cachoeira do Lobo, onde a Fazenda Pinheirinho, do Coronel Sebastião do Suta dominava a região. O Zé Firmino, quando rapazinho e antes do casório, chegou a trabalhar uns tempos na propriedade por imposição do seu pai, Bené Firmino, o qual era compadre do coronel. A fazenda fornecia carne de boi, leite de vaca e couro ao pequeno comercio do lugarejo e adjacências, além de aves e ovos, feijão, milho, hortaliças, frutas como mangas, laranjas, bananas, mamões e goiabas, queijos, rapaduras, cachaça e mel de abelha.

Mas Zé Firmino sonhava em ter o seu próprio garimpo, onde haveria de dar com um veio de cristal puro, o que mudaria totalmente a sua vida. E depois de algum tempo em Cachoeira do Lobo, trabalhando na Fazenda Pinheirinho, Zé Firmino pediu as contas e voltou pra Catas Altas, mesmo porque o seu velho pai Bené havia falecido e ele herdara a Mina das Onças.

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Já passando dos vinte anos, Zé Firmino então resolveu casar-se e assumiu compromisso com a Ritinha do Pompéu, sua antiga namorada. O casamento lhe deu mais força ainda para encarar os desafios da mina, alimentando seu sonho juvenil de enriquecer descobrindo um filão de quartzo.

Mas o tempo passou, os filhos vieram um atrás do outro, a pobreza aumentou e Zé Firmino fazia das tripas coração para perseguir seu ideal. A mulher Ritinha cuidava da casa e da prole enquanto o marido futucava as paredes da mina com sua picareta, desde manhã à noitinha, sem esmorecimento.

Dias e meses se passaram, Zé Firmino foi mudando seu comportamento, ficando taciturno, não queria mais conversas com ninguém, sempre de cara amarrada. Ritinha fazia de um tudo para alegrar seu homem, as crianças procuravam o pai para as brincadeiras costumeiras, após a labuta da mina, mas Zé Firmino estava sempre de mau humor. Ritinha ficou preocupada, foi pedir ajuda ao Padre Ernesto e o vigário apareceu à noite em sua casa pra conversar com seu marido.

Zé Firmino já estava deitado, entregue aos seus pensamentos e foi difícil sua mulher convencê-lo a receber o padre. Finalmente ele aquiesceu, mas não quis sair do quarto e pediu a presença do Padre Ernesto ali, onde conversariam a sós. O vigário entrou e depois de mais de uma hora de conversa saiu desanimado, achando que Zé Firmino não estava bom da cabeça.

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O mês de junho chegou e com ele as festas juninas, as quais vieram dar um pouco de alegria àquelas paragens. As fogueiras acendiam e clareavam as noites em todos os terreiros, em todos os sítios e o povo se divertia com as quadrilhas, ao som da sanfona, do zabumba e do triângulo:- “- Com a filha de João/Antonio ia se casar/Mas Pedro fugiu com a noiva/Na hora de ir pro altar ...”, cantava e dançava alegremente o pessoal em coro.

Zé Firmino estava alheio às comemorações, sempre mergulhado no interior da mina com sua picareta, dia e noite, noite e dia. Emagrecera bastante, o cabelo crescido e a barba bem grande, os ossos do peito estufados, mas ele continuava metendo a picareta no barranco da mina. Até que, certa manhã, antes do almoço, deu com a ferramenta num enorme bloco de quartzo. Era ele, era o tão sonhado cristal puro! ...

Zé Firmino gritou, riu, chorou, pulou como um cabrito no interior da mina, arrancava os cabelos, olhos injetados, correu para a entrada da mina e prosseguiu na comemoração ostensiva do achado até que suas forças esgotaram. Aí caiu aos pés de uma embaúba grande, exausto, adormecendo em seguida.

No meio da tarde, Zé Firmino acordou, embarafustou pela mina adentro e lá, picareta em punho, acabou de extirpar a baita pedra de quartzo, que devia pesar uns vinte quilos. Examinou o buraco e constatou que o veio era grande. Estava rico, seu sonho tornara-se realidade, seus problemas estavam resolvidos! ... Tirou a camisa suja, enrolou no cristal e jogou-o às costas magrelas, iniciando o caminho de volta a sua casa.

Prestes a alcançar sua casa, começou a descer um morro íngreme, o qual começava bem na base do seu terreiro. Mas o cansaço minara suas forças, o cristal parecia pesar mais do que o dobro, suas pernas arquearam e ele rolou morro abaixo junto com a pedra gigante. Uma hora ele estava por cima, a pedra por baixo e vice-versa, assim foram até chegar ao terreiro, quando Zé Firmino estatelou-se bem no meio do chão batido, machucado e sangrando. A Ritinha e seus filhos gritavam apavorados da porta do casebre quando viram a enorme pedra cristalina bater num cascalho, atrás do seu marido, subir com o tranco e descer bem na cabeça de Zé Firmino, esfacelando-lhe o crânio e deixando seus miolos à vista! ...

Era o fim da loucura e dos sonhos do garimpeiro Zé Firmino.

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B.Hte., 18/01/11

Obs.:- Reprodução do conto “CRISTAL”, escrito pelo autor, ginasiano ainda, no ano de 1957 em Belo Horizonte/MG, cujo original (sem cópia) foi emprestado a um colega seu, Marcelo,

do Colégio Municipal, para leitura, o qual jamais lhe foi devolvido. Alguns detalhes foram alterados,pois eu não poderia nunca guardar na memória todo o “script” anterior.

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 18/01/2011
Reeditado em 03/08/2016
Código do texto: T2737441
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