CONTOS AVULSOS – A ESPOSA DESCRENTE

Osmar estava casado há poucos anos com Amélia e viviam uma relação bastante equilibrada , não obstante muitas coincidências e propósitos comuns, o casal divergia em muitos aspectos de visão da vida, sobretudo no viés religioso e esotérico. Ele era um sujeito que desde a juventude acreditava muito na força da espiritualidade , enquanto que a esposa era uma descrente convicta – duvidava de tudo e até fazia ironias com as crenças alheias.

Durante a passagem pelo serviço militar, num quartel do regimento de cavalaria, Osmar conheceu um Sargento que freqüentava o Centro Espírita e que o convidou para presenciar algumas sessões , onde testemunhou muitos fatos que o deixaram intrigado e que , desde então , alimentavam sua admiração pelo espiritismo e pelos seguidores de Alan Kardec.

Depois de concluir o tempo de serviço prestado ao Exército Brasileiro Osmar se dedicou a trabalhar como caixeiro-viajante e sempre que retornava para a cidade trazia na bagagem alguma obra de literatura espírita , sempre sendo censurado ou ironizado por Amélia, quem dizia que ele deveria comprar obras mais produtivas culturalmente. – “Compre livros de Jorge Amado” , dizia ela , “- ou se preferir um autor estrangeiro compre obras Pablo Neruda, que até já ganhou um prêmio Nobel” ....

Certa vez, após uma viagem para o interior do estado do Rio Grande do Sul, mais precisamente para a cidade de Santa Maria, Osmar voltou para casa dizendo que havia conhecido um homem que era Capitão aposentado da Brigada Militar e que estava ganhando notável reconhecimento como Médium, conquanto era capaz de diagnosticar doenças apenas olhando para as pessoas . Dependendo do caso indicava, inclusive, os caminhos para a cura .

A mulher ouviu a história contada pela boca do marido Osmar num clima de notável emoção e não o poupou de uma estrondosa gargalhada : - “ Não me venha com essa ,Osmar ! – curandeirismo já é demais ....”

Essa foi , todavia , a primeira vez que o deboche de Amélia causou uma reação negativa em Osmar , que reagiu negativamente e chegou a se estabelecer um clima ruim entre o casal, culminando com o silêncio da mulher e a exigência dele de respeito em relação à sua crença . Ademais disse Osmar : - “estou me tornando amigo do Capitão e, inclusive, pretendo convidá-lo para comer um arroz de carreteiro aqui em casa”.

Amélia era uma pessoa dócil e, desde então , passou a evitar ironias sobre a fé espírita de Osmar, até que num sábado recebeu a notícia de que preparasse o cardápio para o domingo, visto que iriam receber a visita do “Capitão” para o almoço .

Como toda dona de casa, ela logo foi até o mercado fazer as compras dos ingredientes necessários à recepção da visita, ocasião em que encontrou com uma vizinha e comentou da expectativa, já que o nome do Médium vinha ganhando notoriedade na região. De pronto ela notou uma especial atenção na vizinha que não tardou alguns segundos em indagar à Amélia acerca da possibilidade do “Capitão” atender uma parente dela que sentia muitas dores na virilha .

- “Acho que não tem problema, vou falar com o Osmar e pedir para ele consultar o ‘capitão’ sobre essa possibilidade” – respondeu Amélia.

No domingo pela manhã ,após receber o pedido de Osmar, o Capitão se pôs sentado à sala de visitas aguardando a presença da vizinha e de sua parente doente . Amélia estava sentada ao lado do marido, quando bateram à porta . Eram elas, que foram recebidas e convidadas a tomar assento no sofá, ficando sentadas de frente para o “Capitão”.

A primeira coisa que chamou a atenção de Amélia foi que o Médium não perguntou para as mulheres qual delas era a que pretendia consultar com ele. Logo de cara disse para uma delas: - “por favor descruze as pernas” , visto que a mulher havia cruzado as pernas depois de tomar assento.

Antes que ela fizesse qualquer outra pergunta ele lhe disse que ela deveria sentir dores muito intensas na região das “cadeiras” e na virilha, ao que a mulher com um ar de perplexidade respondeu que sim.

Logo a seguir, o “Capitão”perguntou a ela quem em sua família tinha feições que passou a definir: - cabelo castanho, olhos verdes , nariz arrebitado, entre outras características ...

A mulher já com os olhos marejados deu o nome de uma irmã sua que já havia falecido há muitos anos .

Pois é , disse o “Capitão” , essa pessoa está com você – ela desencarnou no momento de um parto e, provavelmente, as dores que você sente estão relacionadas com isso . Mas seu caso não é para ser resolvido pelos espíritos e você deve recorrer à ajuda médica. Fez algumas orações – deu um passe – despediu-se e mandou a mulher embora.

Ninguém, contudo, ficou mais atônica – muda – e perplexa do que Amélia. Ela sabia que o “Capitão” nunca antes havia visto aquela mulher e pensava, - “como poderia ele saber tudo , até detalhes da morte da irmã da mulher”??

Foram à mesa para almoçar e depois de muitos elogios e sempre se dirigindo à Amélia com uma notável simpatia e educação , ele já recebia dela um tratamento diferenciado, encantada que estava com a delicadeza daquele homem.

O golpe de misericórdia para com a descrente Amélia , contudo, ainda estaria por vir . Já mais leve e solta na conversa com o Médium ela arriscou a lhe perguntar: “ Me diga ‘capitão’ a mulher vai conseguir se curar de suas dores na virilha ?

A resposta dele causou um terremoto nas convicções de Amélia. Disse o médium: - “Dona Amélia, fico feliz que você tenha me perguntado, pois isso demonstra que agora está tendo fé no poder espiritual, mas sinto lhe dizer que sua amiga não vai sobreviver e apenas recomendo que façamos orações por ela” .

Menos de um mês depois desse domingo inesquecível, Amélia estava marcando presença no funeral da mulher. Dizem que desde então, nunca mais duvidou dos poderes sobrenaturais ....