O MONGE E O DRAGÃO
“Dat justus frena superbis”
Numa caverna em uma montanha vivia um terrível dragão que costumava devorar todos que por lá se aventuravam. O rei, cansado de ver seus melhores cavaleiros serem mortos e devorados, ofereceu uma grande recompensa para qualquer um que conseguisse destruir o monstro. Porém foi em vão. Todos que tentaram pereceram. O monstro era invencível.
Apareceu então um jovem monge que se propôs enfrentá-lo.
― Loucura ― disseram todos. ―Nem os mais preparados guerreiros do país conseguiram sobreviver a uma batalha contra esse dragão. Como poderás tu, quem nem cavaleiro é, enfrentá-lo?
― Usarei uma arma que até agora ninguém ainda usou ― disse o monge. E assim foi ele para a montanha, sob os olhares consternados da população, que já o consideravam morto.
Ao chegar na entrada da caverna, o monge sentou-se numa pedra e ficou aguardando que o monstro saísse. Assobiou uma canção para atraí-lo. Logo apareceu a fera soltando fogo pelas narinas. Desconfiado pelo fato de o monge não demonstrar nenhum medo na presença dele, o dragão perguntou: ― Que vieste fazer aqui? Não sabes que devoro todos os homens que se aventuram a invadir meus domínios?
― Sei― respondeu o monge. ― Mas sei também que não queres fazer isso comigo.
― O que te leva a pensar que serei mais gentil contigo do que fui com os outros? ― vo-ciferou o monstro.
― Não sei, mas tenho certeza de que não queres devorar-me.
― Porque não o faria?
― Porque tu e eu somos iguais.
― Que semelhança vês entre nós? Eu sou um dragão e tu és um homem. Que pode ha-ver de mais diferente no mundo?
―Tu defendes o teu território contra aqueles que pensas ser teus inimigos e eu, como homem, faço o mesmo. Tu comes e bebes quando tem fome e sede e eu faço o mesmo. Dormes quando tem sono e eu também. Defecas os detritos dos alimentos e eu faço a mesma coisa. Sentes frio no inverno e calor no verão e eu também. Sentes o desejo do sexo e o medo do relâmpago, e isso também eu sinto. Por consequência há muito mais semelhanças entre nós do que diferenças.
Surpreendido pela lógica do discurso do monge, o dragão ficou pensativo por alguns momentos. Por fim, respondeu:
― Talvez seja verdade o que dizes. Mas ainda não vejo porque não devo devorá-lo co-mo fiz com os outros
― Agora que sabes que somos iguais ― respondeu o monge ―, sabes também que fazemos parte da mesma familia e somos membros do mesmo corpo. Se me devorares estarás devorando a ti mesmo. Só um louco faz mal a si próprio.
Novamente, o dragão ficou pensativo. As palavras do monge tinham sentido e ele não conseguia encontrar resposta para elas.
― Não viestes aqui para matar-me e receber a recompensa prometida pelo rei? ― perguntou o dragão.
― Não ― respondeu o monge. ― Vim para informar-te dessas coisas. Para dizer-te que quando devoras alguém estás a devorar a ti mesmo. Antes não sabias disso e a tua conduta não te fazia mal. Estavas inconsciente a esse respeito. Agora sabes, e todo homem que devorares roubará um pouco da tua vida ao invés de alimentar-te. Por conseguinte, morrerás mais depressa que pensas e dessa forma não será preciso que eu o mate. Basta esperar que morras naturalmente em consequência do teu próprio comportamento.
― Vai-te daqui ― gritou o dragão. ― Tua conversa está embrulhando o meu estômago.
O monge se foi e o dragão vomitou durante três dias. Depois disso tornou-se vegetariano. Deixou de matar e devorar as pessoas que passavam pelo seu território. Tornou-se um ser amigável e simpático, e passava o tempo filosofando e ensinado às pessoas a doutrina da unidade da natureza. Logo se tornou a principal atração turística do reino. Vinha gente de todo o mundo só para ver e ouvir o dragão vegetariano e filósofo. Pagavam muito dinheiro por isso.
O reino prosperou com esse turismo e todos ficaram felizes. A única coisa que o dragão exigiu foi que o rei lhe mandasse toda semana um carregamento de legumes e verduras. O rei concordou, pois além de acabar com o perigo que o monstro representava, essa providência concorreu para aumentar a produção agrícola do reino. Autoridades e povo satisfeitos, o rei pagou ao monge a recompensa por que a mudança de comportamento do monstro representou para ele e seu povo, coisa muito melhor que a sua morte.
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* o justo faz o soberbo suar"
“Dat justus frena superbis”
Numa caverna em uma montanha vivia um terrível dragão que costumava devorar todos que por lá se aventuravam. O rei, cansado de ver seus melhores cavaleiros serem mortos e devorados, ofereceu uma grande recompensa para qualquer um que conseguisse destruir o monstro. Porém foi em vão. Todos que tentaram pereceram. O monstro era invencível.
Apareceu então um jovem monge que se propôs enfrentá-lo.
― Loucura ― disseram todos. ―Nem os mais preparados guerreiros do país conseguiram sobreviver a uma batalha contra esse dragão. Como poderás tu, quem nem cavaleiro é, enfrentá-lo?
― Usarei uma arma que até agora ninguém ainda usou ― disse o monge. E assim foi ele para a montanha, sob os olhares consternados da população, que já o consideravam morto.
Ao chegar na entrada da caverna, o monge sentou-se numa pedra e ficou aguardando que o monstro saísse. Assobiou uma canção para atraí-lo. Logo apareceu a fera soltando fogo pelas narinas. Desconfiado pelo fato de o monge não demonstrar nenhum medo na presença dele, o dragão perguntou: ― Que vieste fazer aqui? Não sabes que devoro todos os homens que se aventuram a invadir meus domínios?
― Sei― respondeu o monge. ― Mas sei também que não queres fazer isso comigo.
― O que te leva a pensar que serei mais gentil contigo do que fui com os outros? ― vo-ciferou o monstro.
― Não sei, mas tenho certeza de que não queres devorar-me.
― Porque não o faria?
― Porque tu e eu somos iguais.
― Que semelhança vês entre nós? Eu sou um dragão e tu és um homem. Que pode ha-ver de mais diferente no mundo?
―Tu defendes o teu território contra aqueles que pensas ser teus inimigos e eu, como homem, faço o mesmo. Tu comes e bebes quando tem fome e sede e eu faço o mesmo. Dormes quando tem sono e eu também. Defecas os detritos dos alimentos e eu faço a mesma coisa. Sentes frio no inverno e calor no verão e eu também. Sentes o desejo do sexo e o medo do relâmpago, e isso também eu sinto. Por consequência há muito mais semelhanças entre nós do que diferenças.
Surpreendido pela lógica do discurso do monge, o dragão ficou pensativo por alguns momentos. Por fim, respondeu:
― Talvez seja verdade o que dizes. Mas ainda não vejo porque não devo devorá-lo co-mo fiz com os outros
― Agora que sabes que somos iguais ― respondeu o monge ―, sabes também que fazemos parte da mesma familia e somos membros do mesmo corpo. Se me devorares estarás devorando a ti mesmo. Só um louco faz mal a si próprio.
Novamente, o dragão ficou pensativo. As palavras do monge tinham sentido e ele não conseguia encontrar resposta para elas.
― Não viestes aqui para matar-me e receber a recompensa prometida pelo rei? ― perguntou o dragão.
― Não ― respondeu o monge. ― Vim para informar-te dessas coisas. Para dizer-te que quando devoras alguém estás a devorar a ti mesmo. Antes não sabias disso e a tua conduta não te fazia mal. Estavas inconsciente a esse respeito. Agora sabes, e todo homem que devorares roubará um pouco da tua vida ao invés de alimentar-te. Por conseguinte, morrerás mais depressa que pensas e dessa forma não será preciso que eu o mate. Basta esperar que morras naturalmente em consequência do teu próprio comportamento.
― Vai-te daqui ― gritou o dragão. ― Tua conversa está embrulhando o meu estômago.
O monge se foi e o dragão vomitou durante três dias. Depois disso tornou-se vegetariano. Deixou de matar e devorar as pessoas que passavam pelo seu território. Tornou-se um ser amigável e simpático, e passava o tempo filosofando e ensinado às pessoas a doutrina da unidade da natureza. Logo se tornou a principal atração turística do reino. Vinha gente de todo o mundo só para ver e ouvir o dragão vegetariano e filósofo. Pagavam muito dinheiro por isso.
O reino prosperou com esse turismo e todos ficaram felizes. A única coisa que o dragão exigiu foi que o rei lhe mandasse toda semana um carregamento de legumes e verduras. O rei concordou, pois além de acabar com o perigo que o monstro representava, essa providência concorreu para aumentar a produção agrícola do reino. Autoridades e povo satisfeitos, o rei pagou ao monge a recompensa por que a mudança de comportamento do monstro representou para ele e seu povo, coisa muito melhor que a sua morte.
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* o justo faz o soberbo suar"