Os Anjos Nossos de Cada Dia

Que sou um dos filhos favoritos do Pai, já sei. Também sei que em nome do seu infinito amor por mim conto com todo um batalhão de anjos me protegendo. São anjos de todos os tipos: dos Céus e das encruzilhadas; anjos virtuais e reais; anjos de carne e anjos de luz, e ainda outros mais, impossíveis de definir. Sei disso tudo. Contudo, acho que em alguns momentos eles, meus anjos, exageram nessa tentativa de me proteger e acabam metendo os pés pelas mãos. Talvez seja até injusto este meu protesto, mas vejam se não tenho pelo menos um pouco de razão:

Dia desses, sem que fosse minha intenção, me deixei envolver em uma maré muito ruim. Fiquei completamente abatido. Apenas com vontade de me plantar, como uma árvore, deixando a vida acontecer ao meu redor. E foi assim, desse jeito nada animado, que vi surgir uma luz em minha frente. Começou como um pequenino ponto luminoso e foi se ampliando até que mal se podia olhá-la diretamente. No meio da tal luz, como se fosse sua própria origem, materializou-se a mulher mais linda que já vi em minha vida: loura, olhos azuis, longos cabelos dourados, um formoso par de asas, corpo escultural e, de quebra, fartos seios que mal conseguiam se esconder sob o generoso decote de um esvoaçante vestido branco.

– Acho que você não deveria se deixar abater desse jeito – falou aquela que, depois vim a saber, era uma das minhas anjas da guarda. E completou, com um tom de voz musicalmente sedutor: – Afinal, você tem muita coisa boa em sua vida.

– Ah, é? – respondi de mau humor ao ver aquela aparição, mesmo luminosamente linda, dando palpite em minha vida: – Me diz pelo menos uma?

Ela se aproximou, e quase encostando seus carnudos lábios nos meus, sorriu um sorriso tentador e respondeu simplesmente: – Eu!

E, tendo feito tão pretensiosa réplica, desapareceu.

Mas, pensando bem, se a intenção era acabar com minha depressão, isso ela conseguiu: Estou curado.

O caso é que, agora, tenho um novo problema: Ansiedade. Hoje, sou assumidamente um sujeito ansioso. Dês daquele dia, quando a bela anja me visitou, estou irrequieto tentando ficar novamente deprimido.

Se eu conseguir voltar a ser um deprimido, talvez minha anja da guarda apareça outra vez. E se aparecer, dessa vez, agarro a danada, amarro suas asas e nunca mais a deixo sair de perto de mim: – Gostosa!!

***

Então? Metem ou não os pés pelas mãos?

ooOoo

Sykranno
Enviado por Sykranno em 04/01/2011
Código do texto: T2709311
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