A Garota do Lixão- Cenas de Uma novela das 8
Certo dia uma garota conversava com Deus sobre a vida que há algum tempo tivera na Terra. Como teria uma nova chance, Deus queria saber o que ela pretendia ser desta vez.
Deus então perguntou:
- Minha filha, o que você pretende ser na sua próxima vida?
A garota respondeu:
- Meu Deus, na verdade eu pretendo ser o que fui na vida passada: uma garota rica e linda.
Deus a interrompeu.
- Minha filha, você não deu valor ao que tinha e isso foi ruim. Olhando-a nos olhos disse:
- Para receber seu perdão você precisa se redimir e ajudar o próximo.
Vendo a tristeza nos olhos da garota, Deus a consolou:
- Talvez um dia possa ser o que já foi, ainda nesta reencarnação, mas para isso terá que fazer algo para chegar lá - ressaltou sério. Por isso terá que sentir algo que nunca sentiu, vivendo algo que jamais viveu.
Depois de pensar, a garota disse:
- Farei, meu Senhor, o que me recomenda. Sentirei tudo que nunca senti - afirmou convicta. Peço, então, que me mande à Terra da forma mais triste que existir...
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A garota nasceu da forma mais triste e cruel que poderia existir: no lixão, onde a civilização não era encontrada. Nasceu em uma família de oito filhos. Nos primeirso dias de vida sua mãe mal tinha leite para amamentá-la. Seus pais diziam:
- Não queríamos, filha, que sua vida fosse assim. Gostaríamos que tivesse tudo do bom e do melhor.
Mas o tempo passava e a garota não conhecia o que era felicidade. Desde pequenina trabalhava e nenhuma recompensa recebia por isso. Só ganhava às vezes uma surra ou outra...
Um dia aos sete anos, cansada de toda aquela dor, saiu correndo e chorando... Ao chegar perto do portão do lixão viu algumas crianças passando por perto. Todas estavam arrumadas com roupas iguais e bolsas nas costas.
Curiosa foi em direção às crianças:
- Aonde vocês vão? - perguntou a garota.
- Vamos à escola - responderam as crianças assustadas.
- O que é escola?
- Escola é um local onde você aprende e ganha um futuro digno.
A partir daquela conversa a garota ganhou inquietação e se dirigiu a seus pais:
- Pai, mãe, o que é escola e o que é futuro digno?
- Oh! minha filha, seus pais não sabem responder - disse a mãe.
Muito triste a garota foi até um morro do lixão e ficou observando. A única paisagem que via era lixo e lixo.
- Tanto papel e lixo e eu não posso fazer nada... Se ao menos existisse algo que eu pudesse fazer com tudo isso... Se ao menos existisse uma vida digna que eu pudesse aproveitar...
Sem querer a garota descobriu o que era dignidade.
Então pensou e disse palavras que nunca havia dito:
- Nunca mais irei sofrer. Vou ter um futuro digno – refletiu. E, já que não posso ir à escola para aprender, vou aprender com a vida, com o lixo. Vou fazer o lixo ter sua importância.
Desse dia em diante a garota começou a se transformar em outra pessoa. Aprendeu a ler sozinha. Das figuras com imagens, de palavras miúdas e sílabas pequenas, foi descobrindo com sua força de vontade o fascinante mundo das palavras. Descobriu em livros rasgados e revistas velhas o instigante mundo das obras de arte. Aprendeu a utilizar o bom e aparentemente ruim do lixo. Cresceu mexendo com o lixo.
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Alguns anos se passaram. Um dia um artista plástico apareceu no lixão buscando inspiração para a composição de suas obras.
Observando as crianças e adultos trabalharem, os urubus em busca de comida e os entulhos de lixo, viu algo diferente: várias obras de arte. De onde provinham aquelas magnificências?
Então a garota apareceu e viu aquele homem estranho mexendo em suas coisas:
- O que você está fazendo com minhas coisas?
O homem espantou-se:
- Essas coisas são suas?! Você as comprou? Você as roubou?
A garota, com muita raiva e certa dose de altivez, disse:
- Eu não as comprei, nem as roubei. Eu simplesmente as fiz.
- Você fez essas obras de arte?! Você, uma garota... – olhando-a dos pés à cabeça, repugnado. Você fez um espetáculo desses? É simplesmente inacreditável!!!
A garota, orgulhosa, confirmou:
- Eu, eu fiz sim... - olhou ao seu redor e disse pensativa:
- Num lugar como esse? Tenho orgulho desse lugar onde vivo, um lixão onde há muita inteligência, onde ninguém tem chance e são tratados como indigentes...
O homem ficou surpreso com as palavras da garota:
- Nunca vi ninguém assim, como você. Na verdade nunca vi alguém nessas condições fazer algo assim...
O homem percebeu que uma história como essa podia chamar mais atenção e render mais que suas próprias obras.
- Se você quiser poderá mostrar suas obras de arte para o mundo inteiro.
- Minhas obras no mundo inteiro! Para todos verem? Não acredito - disse jubilosa.
Dois dias depois uma artista do lixão surgiu para o mundo.
Obras de Maria da Silva estavam sendo comentadas em várias partes do planeta. Já tinha fãs em vários lugares; era uma inspiração para as crianças do lixão e se transformou numa referência construtiva para elas. Depois de alguns anos ela se viu uma garota rica, bonita e realizada.
Maria da Silva, depois daquele dia, viveu feliz para sempre!