LUANDHA....Aquela que veio de longe.

Djanira Stérni

Uma sombra ou um espectro moveu-se como um ramo de árvore sacudido pelo vento envolvido pela noite escura. Estava de tocaia! Seu primeiro movimento foi para examinar os arredores e descobrir a que lugar sua busca o havia levado.

Sua missão era de vital importância para a manutenção dos planos do Supremo líder Jerichó. Não! Ele não podia falhar principalmente pelo que sabia que lhe aconteceria se não saísse vitorioso de sua tarefa. Se o Supremo o matasse não se importaria, mas já vira os fracassados em suas missões implorarem pela morte como uma benção para por fim às torturas infindáveis e de refinados métodos de infringir dor a que eram submetidos como punição pela sua incompetência e, certamente não queria isso para si. Apesar de sua arriscada empreitada, ele tinha condições de levá-la a bom termo, pois era o escolhido para vencer as forças que se opunham ao domínio de seu senhor.

Eles tinham sido espertos ao virem separados por espaços temporais tentando, assim, despistá-lo, mas ele examinara os portais e notara a energia que fora acionada com algum espaço de tempo entre uma e outra passagem, energia que se equivalia e só poderia ser liberada por seres com a mesma constituição vibratória. Finalmente os havia encontrado! Abriu os olhos e espiou o negrume da noite, apenas dois pontos vermelhos podiam ser vistos na solidão dos campos.

Agora era a hora de procurar aquela que denominavam Luandha, estava preparado, mas sabia que precisava de toda a sua astúcia para vencer seu guardião.

A sombra negra deslizou rapidamente pelo chão como se fosse uma poça de lama em direção à casa avistada do alto do morro.

Não se sabe ao certo se a história de Luandha começa com o repentino aparecimento de Andarilho ou o modo como ela é encontrada pelo mesmo. Andarilho é um cão diferente dos demais. O veterinário não imagina que a que raça ele pertence, pois seria necessário estudar sua árvore genealógica para descobrir quais foram seus antepassados. O Animal apresentava uma aparência insólita em sua singularidade, seu tamanho, sua cor, seus pêlos eriçados e seus olhos de duas cores parecendo vidro transparente e azul translúcido que pareciam não enxergar, mas todos se enganaram, ele parecia ver e saber mais do que qualquer ser.

Ele chegou numa noite fria e gelada no sítio do casal Assis por volta das três horas da madrugada. No início eles pensaram que era o gemer do vento, mas o ruído era intermitente, como se estivessem arranhando a porta da cozinha, obrigando o homem a abri-la. O cão saltou para dentro assustando-o e fazendo recuar para trás, incidente que o animal aproveitou para entrar recinto adentro e aconchegar-se aos pés do fogão a lenha, que ainda conservava algum calor. A mulher que tinha seguido o homem riu da cena que presenciava e tratou de providenciar comida e água para o bichinho. Depois de comer, o cão lambeu a mão dela e deitou-se novamente parecendo dormir. O que fazer com o cão que de tão feio parecia chorar? Um nome foi escolhido e ele tornou-se morador do sítio e muito amigo de seus donos.

Ás vezes, ele sumia a noite e ficava num ponto alto do terreno parecendo concentrado, era sempre no horário em que ele tinha aparecido. Suas escapadas foram descobertas numa noite em que seu dono, ao sentir-se insone, levantou-se para tomar leite e o viu saindo sorrateiramente de casa, decidindo segui-lo para ver aonde se dirigia. O dono começou a investigá-lo e percebeu as escapadas aconteciam em noites sem lua, quando havia ventos fortes. Não se sabe o que Andarilho fazia, sozinho, em silêncio ali naquele local, mas o fato é que ele esperava alguma coisa ou alguém, suas atitudes demonstravam isso.

Certa madrugada, o dono acordou com o cão latindo ao lado da sua cama como se o convidando a segui-lo, pois ia até a porta do quarto e voltava em desespero. No lugar onde Andarilho ficava a espera estava um embrulho, o homem aproximou-se cauteloso e encontrou um bebê que mais que depressa levou para casa para protegê-lo do frio. A criança estava despida, enrolada numa coberta de estranhos símbolos, parecendo uma história contada por gravuras. Devia ter pouco mais de um ano de vida, expressivos e luminosos olhos verdes, que pareciam brilhar como se fosse uma estrela. A mulher se tomou de amores pela menina, mas os procedimentos legais tinham que ser cumpridos. Adotaram a menina, que parecia já ter escolhido sua família, pois chorava cada vez que saia dos braços do casal. O fato é que não conseguiram saber de onde ela tinha vindo, quem eram seus pais ou parentes por que toda a busca a procura de sua procedência foi em vão. Deram-lhe o nome de uma princesa, personagem de um livro que a mãe tinha lido e gostado.

Assim, Luandha cresceu cercada de cuidado dos pais adotivos e tendo Andarilho como seu companheiro, pois ele nunca saia de perto da menina, dormia no tapete perto da sua cama e vigiava todos que se aproximavam dela. A princesa Luandha e seu fiel segurança!

Tia Agripina, a irmã da mãe de Luandha, gostava muito da menina e costumava dizer que ela era um presente mandado pelos céus e que a irmã tinha muita sorte por tê-la recebido.

As orelhas de Andarilho subiram e o pêlo eriçou mais ainda, assemelhando-se a um porco-espinho. Seu focinho cheirou de longe o perigo que se aproximava silencioso, malévolo e letal. Na penumbra da luz de cabeceira sua sombra tornou-se longa e brilhante irradiando reflexos azulados, enquanto a menina dormia tranquilamente envolta numa diáfana claridade que a tornava quase etérea. Passou por baixo da porta uma massa espessa transformando-se em um vulto escuro e fluido. Começou uma luta. A sombra longa envolveu a massa escura, mas ela conseguiu escorrer para o chão escapando de seu oponente. Como vencer um inimigo que não podia ser segurado? As tentativas de vencerem um ao outro pareciam infrutíferas enquanto eles se digladiavam tentando encontrar algum ponto vulnerável que possibilitasse a vitória sobre o adversário. Apesar do conflito que acontecia no quarto, a criança parecia dormir sem imaginar a ameaça a que estava submetida, talvez soubesse que estava protegida ou se preparando para participar da luta.

Quando parecia que não haveria vencedor nem vencido a luz que envolvia a garota tornou-se um espectro dela mesma e junto com a sombra longa envolveram o vulto escuro em um círculo intransponível. O ar pareceu vibrar com a energia desprendida conforme as forças desconhecidas mediam-se e se enfrentavam uma contendo a massa escura e essa tentando escapar para recuperar sua força máxima e arquitetar um novo plano para aniquilar o adversário poderoso na sua aparente inocência.

Depois de um longo tempo que poderia ser minutos ou horas a massa como se dissolveu em pequenos pedaços escorrendo pelo chão em direção à porta, ao passar por baixo dela uniu-se novamente transformando-se numa massa única semelhante a um pássaro negro e assustador voando pela janela mais próxima em busca de novas oportunidades de ataque.

Olhando para o quarto onde acontecera o combate não havia mais nenhum indicio. A menina dormia e o cão estava novamente em seu lugar, aos pés da cama.

Teria sido um sonho? Não! Luandha e Andarilho sabiam que a guerra começara, foram descobertos e corriam perigo, assim como sua terra natal e a harmonia do universo a qual pertenciam. Estariam prontos para novos desafios? Com certeza. Não podiam fraquejar, havia muita coisa em jogo, mas isso era algo para se preocupar quando o perigo voltasse. Eles estariam esperando para travar e vencer novas batalhas.

Djanira Stérni
Enviado por Djanira Stérni em 01/12/2010
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