Lenda dos Girassóis.

Todo mundo pensa que os girassóis já nasceram assim com esse nome. Mas é engano.

Houve um tempo em que ninguém prestava atenção neles. Nem se sabia e nem sequer se davam conta de que eles existiam e tinham beleza.

Os homens e mulheres daquele tempo se preocupavam com outras coisas, como as pessoas de hoje fazem, e não paravam para contemplar beleza em quase nada.

Mas, tinha uma Jovem Mulher, moradora desse lugar, que gostava de coisas belas porque ela também era muito bela.

Num dia qualquer, entre uma estação e outra, ela resolveu fazer um canteiro de flores no quintal de sua casa. Mas, que flores plantar? Ela pensou um pouco e logo deixou essa dúvida de lado. Queria encher de flores o canteiro e decidiu orná-lo com a beleza de todas as espécies que ali quisessem nascer, crescer e florir.

Foi numa primavera que essa Jovem Mulher acordou sentindo um perfume suave de flores. Abriu a janela de seu quarto e contemplou seu jardim florido de espécies diversas tais como violetas, margaridas e papoulas. Tinham outras flores também, que assim, num primeiro olhar do alto de sua janela, ela não soube identificar.

Ficou a contemplar aquele jardim colorido e diversificado. Seus olhos claros corriam de um lado a outro do canteiro e espelhavam a beleza de cores desse jardim. Num determinado momento, deteve esse olhar num dos cantos do jardim. Lá, meio desengonçada, crescia uma planta de caule bem verde e com um botão bem grande na ponta ainda fechado. Que planta esquisita é essa? Pensou ela.

Sábia que era a Jovem Mulher não tomou nenhuma decisão sobre o que fazer com a planta esquisita. Deixou-a viver no canteiro por mais um tempo pensando assim: “Pode ser alguma espécie desconhecida de planta, se vingar e florir conhecerei uma espécie nova de flor.”

Numa manhã de sol, a Jovem Mulher percebeu aquela espécie desconhecida de planta abrir-se como um olho, após uma boa noite de sono. Abriu-se descansado e disposto a banhar-se do calor do sol.

Ela, a Jovem Mulher, encantou-se com a cena e principalmente com o esplendor do amarelo vivo e reluzente do enorme botão que se firmava quase altivo em cima de seu caule verde. Nessa altura, o caule havia crescido ficando acima das outras flores, já baixinhas perto dela. Que planta seria aquela?

A Jovem Mulher pesquisou a tal espécie esquisita de planta nos manuais de Botânica, nada encontrou. Buscou informações com amigos e colegas de trabalho, ninguém soube lhe dizer. Alguns até recomendaram que ela arrancasse a tal planta de seu belo canteiro: “coisa muito diferente assim não pode ser boa”, diziam.

Sim, a plantona esquisita destoava, e muito, de seu singelo e delicado canteiro. Contudo, olhando bem, a plantona tinha lá sua beleza. Simpatizou-se em deixá-la viver com as outras miudinhas.

Antes de sair para o trabalho, ela regava o jardim todos os dias pela manhã e observava que a plantona esquisita acompanhava, com o seu grande olho amarelo, os raios do sol. Quando o astro apontava alto e reluzente no céu, o grande olho amarelo da plantona se erguia no alto de seu caule verde e ia se virando devagarzinho e silencioso buscando a direção solar. Quando o sol se despedia, lá no firmamento, e a escuridão chegava até o canteiro, a plantona pendia seu olhar para a terra e dormitava.

Aquela planta, mais que qualquer outra, seguia a luz do sol. Essa observação deixou a Jovem Mulher reflexiva. Viu beleza naquele movimento da planta e seu descanso passou a ser aquele, de observar os movimentos serenos de seu jardim. De modo muito particular, gostava de observar a planta sem nome mover-se em direção ao sol.

Foi uma chuva de verão, melhor, uma tempestade torrencial e a cidade ficou debaixo d’água. A Jovem Mulher, cansada do dia de trabalho, conseguiu chegar em casa e se deparou com o canteiro devastado por aquela chuva da tarde. Entristeceu-se diante da cena. A água lavara toda a terra juntamente com suas delicadas flores. Teve tempo de observar a planta esquisitona caída sobre o que restou do canteiro e a deu por morta.

Foi dormir, cansada que estava. Sonhou com o amanhã seguinte e, como era de seu costume toda manhã, também sonhou que abria a janela de seu quarto para contemplar seu canteiro. No lugar de plantas muito delicadas, estava repleto de plantas como aquela uma, a planta esquisitona.

Sonhou ainda com aquilo que só acontece em sonhos. O sol, no alto dos céus, brincava com as plantas da seguinte maneira: punha-se ao norte e os grandes olhos amarelos se voltavam todos para sua direção. Logo pulava para o leste e as plantas, com a mesma precisão de um pelotão do exército, se voltavam para ele, ao leste... E assim passou a noite sonhando com o sol brincalhão e as plantas desconhecidas.

A chuva do dia anterior fora dessas chuvas fortes de verão. Sendo assim, o novo dia amanheceu ensolarado, claro e bonito. Ainda sonolenta, mas com as imagens do sonho noturno muito vivas em sua memória, a Jovem Mulher abriu a janela de seu quarto e avaliou com maior exatidão o estrago em seu canteiro. Tirou o dia para cuidar de suas flores devastadas.

Frente ao jardim, a Jovem Mulher respirou fundo. Recomeçar é cansativo. Reparou, com olhar mais apurado, que a plantona esquisita não estava morta. Estava sim suja e com o caule retorcido, mas suas raízes fortemente agarradas ao solo. Isso a animou. Refez todo o seu jardim. Dia duro de trabalho! Fez o jardim de tal forma que a plantona esquisita ganhasse um lugar de destaque. Ficou ela ao centro das outras mudinhas de flores. Esta plantona seria a escudeira protetora das outras frágeis flores.

Passado um tempo, no descanso da janela de seu quarto, a Jovem Mulher mais uma vez contemplava a beleza de seu jardim. Novamente vivo e perfumado! Diversas espécies de flores povoavam o jardim. Ela pensava e repensava sua vida quando aconteceu pousar os olhos claros na planta sem nome. Assim sentenciou: “Você irá se chamar Girassol”. E aconteceu aquilo que só acontece quando a gente acredita muito. O mundo inteiro passou a cultivar e ver beleza nos girassóis. Talvez, mesmo sem perceber com clareza, a Jovem Mulher a partir dali deu vida ao Girassol. Dar nome a uma criatura é soprar-lhe alma no corpo que antes era oco.

(Para Flávia B. e Regina W.)

agenor junior
Enviado por agenor junior em 15/11/2010
Código do texto: T2617582
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.