A Velha Louca

Pequeno Trecho da História

Cidade Kyoto, capital do império japonês, o ano do nosso Senhor de 1588. A grande casa, sede do governo, guarnecia um homem em especial. Shinmen Munisai caminhava pela porta, do lado de fora, com a sua arma presa à cintura.

– Você tem certeza disso? – veio a voz de dentro do castelo.

– Tenho. – respondeu Shinmen. – Mas o feudo Yagyu está ocultando o fato. Stephen-Dono partiu com a sua esposa e mais um samurai para a Península Ibérica levando o objeto.

– O conselheiro foi encontrado? – continuou a voz.

– Morto. – respondeu Shinmen. – Foi envenenado por uma das armas dos shinobis que havia contratado.

– Eles resistiram à investida de vocês. – continuou a voz. – Como isso foi possível?

– Não seria bom tê-los como inimigos, senhor. Nem a Casa de Yagyu, nem Stephen-Dono...

– E o que você pretende fazer?

– Tenho a intenção de terminar o embate que comecei contra Stephen-Dono.

Taiko Hideyoshi, cercado de uma dezena de guerreiros samurais, sorriu.

– Então você partirá em seu encalço... – disse. – Isso é muito bom. Darei homens para que lhe ajudem a caçar o guardião.

– Sim. – respondeu. – Não importará a distância, eu desejo duelar novamente com aquele homem.

Shinmen voltou-se para dentro da casa.

– Tenho a intenção de caçá-lo, – disse aproximando-se de Hideyoshi. – e trarei o que tanto deseja

De súbito, ouviu-se uma risada constante, debochada e diabólica adentrando o recinto. Shinmen permaneceu em silêncio sem demonstrar qualquer tipo de espanto, virando-se para ver a quem pertencia àquela voz. Os guerreiros à volta de Taiko Toyotomi Hideyoshi fizeram menção de levantar-se, de arma em punho.

– Do que você tem medo, Hideyoshi? – disse a voz de uma mulher enquanto entrava na casa, ela tinha um aspecto repugnante, falava com um sotaque chinês. Possuía um manto velho e imundo que a cobria de cima a baixo, parecia mancar e se apoiar em um bastão de metal pontiagudo. De cabeça baixa, seu cabelo sujo, velho e embranquecido cobria-lhe o rosto. – Tem medo de ser dominado também pelos europeus?

Os guerreiros se levantaram, um já havia sacado a sua espada, Shinmen permanecia imóvel. A velha continuava a falar.

– Acredita que, se possuir uma das peças do comando do imbatível exército cristão, eles irão respeitá-lo e não virão sobre vós? – perguntava a velha em meio a um deboche. – Foi isso que o representante daquele Eclesiástico demoníaco lhe falou? E eu que achei que tinha uma percepção distorcida da realidade...

A velha continuou a rir. Um dos samurais adiantou-se para tirá-la dali.

– Com todos os senhores deste império sob o meu comando, não tenho ninguém a temer! – respondeu Hideyoshi. – Como você passou pela guarda e entrou aqui? E dê-me um bom motivo para não retirar-lhe a vida neste exato momento.

– Muitas questões para responder de uma só vez e pouco tempo. – respondeu ela ainda com aquele sotaque, cada vez mais debochada. Parecia uma louca. – Mas eu tenho um argumento bem persuasivo: Que tal uma demonstração com fogos de artifícios?

O samurai continuou se aproximando, agora de espada desembainhada, ela sacou uma arma de fogo de debaixo da capa e disparou contra o peito do guerreiro. O samurai foi jogado alguns metros para trás, caindo próximo de Hideyoshi.

– Viu? – continuou ela. – Agora não acredito que terei de me fazer entender com novos argumentos. No mais, os seus companheiros de guerra, a sua “guarda” pessoal, já está completamente morta, não tive muito esforço.

Shinmen permaneceu calado, os demais samurais levantaram-se para o embate. A ponta do bastão de metal da velha rapidamente tocou o pescoço de outro samurai, os outros ficaram sem reação.

– Quantos mais eu terei de matar para ser levada a sério?

– Calma. – disse Taiko Hideyoshi, os guerreiros recuaram. – Eu quero ouvir o que essa bruxa tem a dizer.

A velha abriu um sorriso, apontando com os olhos para Taiko Hideyoshi e depois para Shinmen, ainda parado, aparentemente sem expressar reação alguma. O suserano olhou para o guerreiro.

– Recue Shinmen. – ordenou ele. – Não precisa matá-la agora.

Os guerreiros voltaram a se sentar, ela sentou-se há alguma distância, virada diretamente para Hideyoshi.

– Permita-me esclarecer o que aconteceu até aqui. – começou ela. – O Japão responde unicamente a ti e ninguém mais, e quem rebelar-se será passado a fio de espada, sendo que, ainda assim, você deixa aqueles que não desejam se comprometer em embate algum em paz, exceto se esses representam algum tipo de ameaça ao seu governo. E agora o senhor é informado por um embaixador estrangeiro, de país nenhum, que um exército de proporções épicas está para ser despertado e que um de seus generais habita esta terra e não responde a ti, sendo ele inimigo do mensageiro que lhe trouxe tão triste notícia. Logo, ele afirma que este exército poderá se levantar contra todo e qualquer tipo de nação, inclusive a sua.

– O nome do mensageiro era Veiga Prado, acredito que ele tenha passado também na sua terra. – interrompeu o imperador, tomado por impaciência e raiva. – A que pretende com esse monólogo?

Ela pigarreou.

– Eu sei por que você investiu sem motivo algum contra o feudo de Yagyu e ainda tentou se passar desapercebidamente para que não pudessem ligá-lo ao embate. – continuou ela, agora apontando para Shinmen. – Ou mesmo por que contratou este brutamente para fazer o trabalho dos seus generais.

Todos a olhavam com ódio.

– Você e os seus comandados têm medo de que esse homem que não responde a ti, general desse exército épico e secreto, retorne com uma pequenina repartição e esmague as suas forças. – disse ela olhando seriamente para Taiko Hideyoshi, era ameaçadora. – Por isso quer o objeto, justo para impedir isso, fazendo aliança com aquele embaixador de lugar nenhum, ou, mesmo você, tornar-se general desse exército, possivelmente imaginário, e consolidar o seu poder para evitar uma próxima guerra civil.

Hideyoshi permaneceu em silêncio.

– Fui clara em minhas colocações?

– O que você está querendo propor? – perguntou.

– Uma aliança.

Hideyoshi sorriu novamente.

– Você é louca?

– Hum... – disse ela. – Não, não sou. A fonte de minha aparente insanidade vem de outro lugar. E estou propondo uma aliança não só contra os generais desse exército épico, mas àqueles que também pretendem dominar este novo exército.

– Quem é você para propor uma aliança? – retrucou. – Eu já possuo termos de acordo com o europeu. Eles possuem um homem infiltrado entre as forças dos generais do Exército Secreto.

– Ótimo, assim temos todas as informações necessárias e estamos livres para agir. – complementou a velha. – Mas eles não possuem todas as informações, por exemplo: Onde está o general deste exército que habita na China? – ela balançou a cabeça para o lado demonstrando conter a informação. – Eu sei.

Hideyoshi a olhou ainda mais sério.

– Em nada ganho me aliando a ti.

A bruxa sorriu.

– Venho da parte do imperador Ming Van-Li, pois também enfrentamos problemas de guerra. As quinze províncias se mostram apreensivas com as invasões inimigas dos nossos campos ao sul adentrando em direção ao norte, por isso, adoraríamos pôr as mãos naquele exército, se ele existir, para vencermos e, também, para evitar que ele venha contra nós.

– Este exército protege apenas Portugal.

– Não será assim após dominarmos aquela Península.

– Minha aliança atual comprometeu-se a dar-me o apoio necessário para consolidar o meu poder, desde que eu domine o meu adversário.

A velha sorriu.

– Algo que não aconteceu e nem acontecerá, você está caminhando para a sua própria derrocada.

Os samurais levantaram-se com fúria frente a tamanha ofensa e petulância daquela velha.

– Calma. – disse Taiko Hideyoshi. – Deixe-a partir.

Ela sorriu com cara de deboche, levantando-se.

– Obrigada. – disse enquanto saía. – Estarei em Macau, na China Continental, caso desejem formar uma aliança.

A velha saiu sem dizer mais nenhuma palavra.

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Boa Leitura!

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J M Silveira
Enviado por J M Silveira em 21/10/2010
Código do texto: T2570890