Carta de um vampiro milenar

Tudo acaba. Nasce, vive, morre; é criado, apodrece, é jogado fora. Eu já vi isso acontecer em todo o mundo, enquanto eu mesmo acelerava o processo, causando a morte certa de minhas vítimas.

Não consigo expressar muito bem o que eu penso da vida. Passageira e curta, sim, mas tão grande! Tão importante. Nenhuma alma seria sábia se não passasse - ao menos - uma vez por esse mundo de fome, dor e guerras; pois isso tudo amadurece a alma. Endurece também, sim, mas esse é o preço a pagar. Por um período de, aproximadamente, 90 anos, uma alma cresce e se entristece dentro de um corpo humano, até finalmente partir para.... para algum lugar.

Não importa, realmente, para onde vão depois. Isso, esse período na Terra, é necessário, não importa se depois você passará a eternidade num paraíso ou se simplesmente deixará de existir. A vida tem que ser vivida.

E eu já a vivi. Dezenas e dezenas de vezes. Ainda devo ter muito a aprender, mas não quero mais isso. Minha alma não está tão sábia quanto poderia ficar; mas está tão dura quanto eu poderia aguentar.

Já é quase manhã. Se quiser me encontrar, estarei fora da cidade, a oeste, no deserto. Não tenho certeza de como estarei; se com o corpo inteiro e queimado ou como cinzas. De qualquer forma, não estarei mais aqui.

Desculpe, querida, por somente te deixar esta carta. Mas você ainda é jovem para entender. Te criei há apenas 150 anos; quando você chegar a seu primeiro milênio de vida, começará a entender minhas razões e pensar como eu penso. Talvez até se jogue ao sol antes de alcançar minha idade.

E quero muito que você tenha certeza que eu morri feliz. Saiba que meus quatro mil e quinhentos anos foram bem vividos, e que eu não me arrependo de nada que fiz ou deixei de fazer, assim como não me arrependo da decisão de me matar.

Não sei o que irei encontrar, e não me importo. Nesse momento, só sinto alívio. Sei que já aguentei tudo o que podia, e só estou aliviado ao deixar esse mundo. Então não chore por mim; sorrie por mim, por ter tido tantas vidas, tristezas e felicidades.

Adeus.