A beleza de Ni
A beleza de NI
Alex Ferraz Rosa
Quando minha Tia Ni veio morar com a gente ninguém gostou. Ela velha
Mas se achava menina. Ficou louca quando criança. Minha vó falava que ela recebeu uma ventania na cara. Uma vez meu Tio Du disse que ela encontrou Tio Januário morto pendurado no pé de Braúna, quando voltava da escola. Ninguém sabe ao certo como ela ficou assim. Dizem que esse tio gostava muito dela.
Ficava sozinha num quarto escuro. Acordava no meio da noite e andava por toda casa. Ela estava sempre com um espelhinho e um batom na mão. Passava o batom, olhava e se admirava. Às vezes dava uma risada leve e falava “sou bonita demais né, railda”. Minha vó dava risada. Porque todos sabiamos que ela era muito feia. Dava pena dela. Ser louca e ainda feia. As duas tinha quase a mesma idade. Tia Ni era a mais nova. “Pára de ficar emberiquitando assim, Ni?” “Você fala assim porque não é moça nova como eu”. Parecia uma menina. Vaidosa e perfumada. A casa toda cheirava alfazema. Tomava seu banho num ritual demorado. Usava creme de babosa nos cabelos, e os vestidos revelava, de tao curto acima do joelho, a anágua de borda florida. “Railda, você queria ser bonita assim como eu?” “oh, cavala besta, onde tá a beleza ai?” “você sempre foi invejosa, railda”. Minha vó ria quando ela dizia essas coisas, mas outras vezes ficava com raiva. Tia Ni era um fardo. “Dá trabalho igual criança, Elza”. Falava pra outra irmã, que nos visitava de vez em quando mas não queria saber de Tia na casa dela. Muitas vezes parava na frente da televisão, e todo mundo gritava com ela. “Sai daí, Tia Ni”. Ela pirraçava. Dava vontade bater nela. “não tem muita mulher bonita nessa novela, né?”. Falava isso e se afastava olhando no espelho em tempo de tropeçar e cair. Gastava muito tempo embaixo das mangueiras. Punha o espelho no chão e se derretia olhando ora o céu, ora seu rosto. Pegava de solavanco o espelho e deitava de costa, olhando outros ângulos, explorando cada pedacinho de seu rosto. Seus olhos brilhavam. Vinha uma lágrima de alegria e gritava alto lá de fora. “Raiiiiiiiilda, meu nariz combina tanto com meu queixo, né? “Oh, cavala besta!” “ Porque não vem me ajudar” “Essa Ni é morta na preguiça”. Qualquer a assunto que não fosse sua beleza era um tédio pra Tia Ni. Adorava ficar na janela se exibindo para as pessoas que passavam. Gostava de meu amigo Henrique de treze anos. “acho que ele gosta de mim, já passou três vezes me olhando”. Minha vó costurando balançava a cabeça sem levantar. A gente já entendia e todo mundo balançava a cabeça também.
“Raida meus vestidos ta muito antigo, preciso de umas roupas novas. “ só se comprar com a correa do saco”. Minha vó era muito direta com Tia Ni. Ela nem escutava. O que importava mesmo era seu espelho, seu batom e a alfazema que empestiava a casa.
Naquele mesmo ano, num esbarrão em seu Raul, bem na calçada, seu espelho vermelho, de florzinhas dourada, espatifou no chão. Estilhaçou. Tia Ni ficou desolada, acabada. Minha vó comprou outro espelho do mesmo tamanho. Mas ela não gostava, dizia que naquele espelho ela ficava feia. Minha Vó segurava e dizia que estava igual. Assegurava que a imagem era verdadeira. Mas Tia Ni não acreditava. Passou a chorar pedindo seu espelho. “Por que você quebrou?” “agora sou feia”. Levou ela até a loja pra escolher outro, mas nada adiantava. Em todos os espelhos Tia Ni estava feia . “como posso viver sem ser bonita, Railda?”. Não andava mais pela casa. Ficou no canto da parede com os olhos tremendo e as mão na boca. Sem batom. “vem Ni, ver televisão”. “Embaixo da mangueira tá tão limpinho, Ni”. “Os meninos estão descendo da escola, Ni”.
Minha vó colou todos os pedacinhos do antigo espelho, mas não adiantava. Era triste as lágrimas da tia entrando nas fendas colada. E dizia que seu rosto estava em pedacinhos. Levamos em varias loja pra ela mesma escolher. Experimentou um monte. E chorando continuava feia. “Tá bonita, Ni, não mudou nada, né João. Eu balançava a cabeça que sim.
Numa dessas noites alcançou um galho que pendia perto de sua janela. Galho de Braúna. Amarrou um lençol em seu pescoço e pulou. Deixou um pequeno bilhete em garranchos. “vou encontrar Tio Januário. Vou pegar outro espelho com ele. Eu volto, viu!