A mulher, a menina e a avó.
 
Trovejou forte e inesperadamente. Levantou-se para fechar a janela, por onde entrava o cheiro da chuva que viria. Quando chegou até ela assustou-se: não era a sua janela, era outra, perdida no tempo e no espaço.

A menina assentou-se no peitoril da pequena janela para ver a chuva cair. Na cama, a avó dormia, ressonante. Da janela, nada se via, a não ser quando os raios iluminavam o céu e clareavam por um segundo o quintal da casa da avó.

O vento chegou balançando o bambual que ocultava o rio. Quando o clarão riscava a noite ela o via, tombado para um lado. Parecia que o vento queria arrancá-los dali, mas eram resistentes, os bambuzeiros. Como ela haveria de ser, um dia.

A chuva caiu forte, por sorte em outra direção. Apenas alguns respingos molhavam os pés da menina e ela não se incomodava. Sempre gostara das tempestades e de observar a luta para resistir à força da natureza. Gostava, quando a tempestade acabava, de ir até a beira do rio, atrás do bambual, ver a força das águas e o que elas arrastavam. Viu tanta coisa passar ali e inventou tanta história sobre isso que um dia acabaria escrevendo um romance: seriam corpos que desceriam o rio no meio da noite em um tempo difícil. A menina tinha muitas idéias e as guardava nas algibeiras para usar um dia, quando crescesse.

Um dia as águas vieram com força e entraram pelo quintal e alcançaram o porão, que era o depósito do armazém dos tios. Aquelas águas miúdas estavam com pressa de chegar ao mar e levaram com elas todo o sal que encontraram. Os sacos vazios ficaram boiando, perdidos, sem saber explicar o que tinha acontecido. A avó contara, ela não tinha visto. Mas tendo ouvido era ainda melhor. O encontro da realidade com as duas fantasias, a da avó e a da menina, certamente tornaria a história bem melhor. Os sacos vazios flutuando pelo quintal em direção ao rio como fantasmas. Depois, envolvendo corpos... 
 
A chuva aumentou assustando a menina que desapareceu. Agora a água caia ali na varanda da casa, empoçando tudo. Em um minuto tudo estava alagado e a varanda mais parecia uma piscina. A mulher saiu do quarto, tateando no escuro, foi até a despensa, de onde trouxe uma vassoura. Não teve cuidados em se proteger, foi do jeito que estava até a varanda, entrou na água já escapando do primeiro nível, o descoberto e se dirigiu para onde a água não conseguia escoar. Com alguma dificuldade conseguiu desentupir o escoadouro enquanto maldizia a empregada – ali estava o lixo acumulado da varredura diária. O buraco, livre da sujeira, sugou toda água com força, enquanto a mulher observava e a chuva
caia. De repente a mulher se sentiu gelada, estava molhada da cabeça aos pés. Sacudiu-se como se sacudisse as penas, mas não era uma ave. Era apenas uma mulher molhada e com frio. Espirrou. Entrou, deixando um rastro por toda a casa e foi direto para o banheiro. Um bom banho quente, pensou, vai me fazer dormir. Mas não dormiu. Depois que secou os cabelos e tomou um copo de leite quente sentou-se junto ao computador e começou a escrever uma história. Ao seu lado, dando palpites, sentaram-se também a avó e a menina. E só foram embora quando o dia amanheceu e a mulher deitou-se e dormiu. Mas certamente voltariam em outra noite de chuva. Para escrever uma nova história.