Fúria Selvagem Vinda Do Norte

A Fúria selvagem vinda do Norte:

Por Giomar Rodrigues

Um viajante cansado vestindo apenas uns trapos caminhava com muita dificuldade durante uma forte e fria chuva que insistia em cair sem parar, fazendo o viajante pensar que aquilo era somente destinado a ele. Seu destino é “O Chifre Quebrado”, uma famosa taverna onde é possível encontrar um guerreiro que segundo as lendas era um invencível matador de dragões, seu nome é Huddjan. Assim o sofrido viajante encontra com certa facilidade o local, entrando no recinto sua pessoa nem sequer é notada porque em uma mesa mais a direita, encontra-se um bárbaro musculoso e ruivo sentado em uma cadeira com uma meretriz loura em seu colo, que segue narrando para seus companheiros suas fantásticas histórias de batalhas selvagens. Assim o viajante recostasse em um pilar e escuta atenciosamente o final da história com certo medo de interromper. Quando a narrativa parece chegar ao fim, os camaradas erguem seus canecos em riste para saudar o guerreiro aos urros frenéticos de euforia, enquanto seu herói bebe uma gigantesca caneca de cerveja e derruba o restante em sua barba trançada visivelmente ébrio.

O viajante se aproxima lentamente do selvagem agora sendo percebido por todos.

- O que deseja viajante? perguntou o mau-encarado taverneiro.

- Estou buscando um guerreiro chamado Huddjan o matador de dragões! respondeu o viajante.

- E como se chama você viajante? por fim pergunta o enorme bárbaro.

- Meu nome é Aerd sou mensageiro do rei Julius de Damat. Respondeu rapidamente o viajante.

- Então eu sou o homem que busca. Se deseja me contratar estou a seu serviço, mas vou logo avisando que meu preço não é dos mais baratos... continuou o bárbaro.

- O valor não será problema, meu senhor é muito rico. Se possível podemos seguir viagem agora mesmo. Disse Aerd.

- Espere algumas horas, tenho muito que fazer ainda. Viajaremos daqui a cinco horas. Quero Beber mais um caneco de cerveja e dar alguns raros momentos de prazer para esta mulher! Disse o musculoso guerreiro com a meretriz ainda em seu colo com os braços enrolados em seu monstruoso pescoço.

-Tudo bem como o senhor quiser!... Finalizou a conversa Aerd enchendo sua caneca enquanto Huddjan levava sua companheira para um dos quartos acima com um pequeno barril embaixo de seus braços.

Depois de cinco horas se passarem o bárbaro segue descendo as escadas arrumando seus longos cabelos ruivos com pequenas tranças laterais trazendo em sua mão esquerda um casaco de peles com uma cabeça de urso. Chegando até o balcão encontra suas armas, sendo elas uma espada longa, um enorme machado com duas lâminas e uma pequena adaga, vinculando todas elas ao seu próprio corpo como somente um experiente mercenário poderia fazer. Chegando a parte de fora da taverna prepararam seus cavalos para a viagem e sem demora partiram rapidamente enquanto a mulher nua na janela da taverna gritava histericamente:

- Estarei esperando por sua volta, querido Huddjan!!! Gritava desesperadamente a meretriz.

O Ruivo guerreiro apenas acenou com sua espada em punho sem nem mesmo olhar para a figura nua na janela.

- Mulheres... murmurou o bárbaro sorrindo.

O cenário mudou rapidamente durante o percurso e durou um dia e meio de viagem que fora até calma para ambos, principalmente para Aerd já que o retorno é sempre melhor que o início de qualquer viagem. Nesse momento em chegada aos portões do castelo do reino de Damat, o mensageiro faz um movimento de pulso sinalizando para seus camaradas que a sua missão foi comprida com êxito. De imediato os portos são baixados com certa rapidez enquanto Huddjan analisava as tropas damatianas com certa desconfiança. Adentrando o castelo consegue visualizar os simples cidadãos da cidade, mas embora todos fossem nobres. Logo um grupo de soldados com pequenos estandartes com uma lua em seu centro se aproxima escoltando um rei de expressão severa e amargurada que fita com seus olhos o estrangeiro ruivo extremamente armado.

- Deve ser Huddjan, o assassino de dragões. Estou correto? Perguntou o rei Julius.

- Tão correto quanto o dia depois da noite. Respondeu Huddjan.

- Estou disposto a pagar por seus serviços 250 moedas de ouro para que mate Grinnfold o terrível dragão que assola meu reino, sempre roubando uma donzela a cada duas semanas e destruindo nossas casas sem piedade. Assim se aceitar o trabalho desejo que descanse por dois dias e depois siga o rumo do dragão para poder finalmente derrotá-lo, já que nenhum dos meus homens conseguiu retornar dessa missão... falou Julius arrumando sua grande coroa em sua cabeça careca.

- Um homem deve aceitar seu destino, e eu acredito que foi o trabalho que me aceitou e não o contrário. Continuou o bárbaro.

- Então sugiro que descanse o quanto puder para encontrar forças suficientes para eliminar Grinnfold. Disse o rei severo.

- Como o senhor desejar. Finalizou Huddjan acompanhando Aerd até seus aposentos e notando que uma figura estranha, porém bela os seguia.

Esta mesma figura vestia uma capa azul de cetim e suas vestes eram visivelmente feitas da mais pura seda tingida de verde.

- Quem é a mulher que nos espiona, meu caro Aerd? Pergunta avidamente o bárbaro.

- Aquela garota é a filha do rei Julius. Seu nome é Nadjat e espero que não tenha ofendido o senhor pela sua ingênua curiosidade.

- De forma alguma, eu é que estava curioso. Hahahaha... explodiu o bárbaro em um sinistro riso malicioso.

Minutos depois chegaram aos seus aposentos e conversaram um pouco mais sobre o comércio da cidade e sobre seus melhores bordéis e tavernas. Já tarde da noite Aerd se despediu de seu conhecido abrindo a porta rapidamente e se mantendo ao lado dela.

- O rei me pediu que realizasse seus desejos durante estes dois dias. Então deseja que eu traga algo para você comer ou beber? Questionava Aerd seu hóspede.

- Claro que sim. Desejo um barril de cerveja... não, espere. Vou querer o melhor vinho que tiver, traga carne assada e três mulheres para que possam livrar minha cabeça de pensamentos ruins e não me incomode até o amanhecer. Retrucou o musculoso selvagem do norte.

Minutos depois fracas batidas são sentidas na grande porta de madeira. Abrindo a porta Huddjan encontra três beldades escravas. Eram duas loiras vestindo apenas saias e simples sapatos com os seios despidos carregando uma jarra de vinho enquanto uma garota de cabelos negros segurava um visivelmente delicioso javali assado com uma maçã em sua boca. Certamente a noite tinha tudo para ser perfeita, durante a comilança o guerreiro pode contar para as escravas seus feitos gloriosos em incontáveis batalhas. Elas ficaram admiradas com suas supostas façanhas e como o modo que sempre conseguia enganar a morte certeira, sempre impressionadas pelos majestosos músculos de seu gigantesco tórax repleto de cicatrizes de árduas guerras contra presas e espadas.

Mas algo despertou a atenção de Huddjan durante sua noite de luxúria e prazer, era a presença constante de olhares através do buraco da fechadura de seu quarto. Era ninguém menos que Nadjat que lhe espionava curiosa sobre quem seria aquele homem que era adorado pelas mulheres e invejado pelos homens. Nesse instante algo caiu próximo a seu esconderijo e rapidamente ela tenta com simples movimento de cabeça olhar o que era, e não encontrando nada retorna suas atenções para a fechadura novamente, mas para sua surpresa a cena alterou-se de maneira significativa pois agora somente as escravas estavam deitadas na cama. E inesperadamente e sem aviso nenhum a porta se abre rapidamente, era Huddjan a fitá-la completamente nu.

- Vejo que a filha do rei também deseja um pedaço meu, se desejar pode participar de minha festa, mulher! Disse o bárbaro nu segurando a espada com a mão esquerda.

- Como ousa disser algo desse tipo contra uma princesa seu macaco selvagem. Deveria se envergonhar de estar nu diante da minha pessoa! Respondeu a princesa meio sem jeito pois havia caído com a abertura brusca da porta do quarto ficando de quatro no gélido piso do castelo.

- Então o que uma bela princesa que certamente possui mais educação que um macaco como eu fazia espiando pela porta do aposento de um homem? Questionava o bárbaro para sua surpresa companhia.

- Não sabia que havia alguém nestas partes do castelo e vou me indo que tenho mais coisas a fazer e fique satisfeito que não vou comentar com meu pai sobre sua insolência para com a minha pessoa... Continuou a princesa enquanto se levantava educadamente e partia em disparada para seu quarto com um sorriso nos lábios e vergonha no coração.

- Nadjat, gostei desse nome... é uma garota interessante... murmurava o bárbaro baixinho vendo a figura esguia desaparecer de cena.

Assim voltou-se para seu quarto onde acordou as mulheres para que a diversão não tivesse fim naquela noite estranha. Um som curioso chamou sua atenção era como o vento sendo rasgado por gritos de uma mulher, mas talvez fosse apenas o efeito daquele vinho que nunca seus lábios haviam sorvido. Dessa forma a manhã chegou rapidamente. Passos rápidos e frenéticos eram ouvidos através da porta de madeira seguido de gritos de desespero de soldados alucinados até realmente chegaram a sua porta.

- Acorde Huddjan, a filha do rei foi raptada por Grinnfold na noite passada! Gritava Aerd do outro lado da porta como um doido varrido.

- Quando aconteceu isso? Perguntava o bárbaro enquanto terminava de vestir suas roupas.

- Á poucas horas, antes do amanhecer soldados perceberam que seu quarto estava vazio e foram tentar encontra-la e testemunharam seu rapto próximo as beiradas do castelo. O rei deseja vê-lo imediatamente.

- Então não esperemos mais vamos até seu rei! disse Huddjan ansioso.

Chegando até a corte do rei notaram que seus exércitos estavam se armando com arqueiros nos beirais e trazendo lentamente uma pequena catapulta, acreditando estarem preparados para o pior.

-Deseja me ver senhor?

-Claro. Quero que parta agora mesmo atrás daquela besta e salve minha filha de um destino terrível nas garras da fera voadora. Pedia o rei em súplicas sinceras.

- Vou pegar meu cavalo e partirei agora mesmo e retornarei com sua filha ou com a cabeça do dragão, não poderei prometer os dois. Avisou o bárbaro de olhos verdes faiscantes ao toque do sol matinal. Se dirigindo ferozmente ao estábulo em busca de seu garanhão negro que somente encontrava na coragem par para sua rapidez demoníaca.

Sua jornada se inicia fora dos portões do castelo sob os olhares admirados dos soldados damatianos e o olhar preocupado e nervoso de um rei cansado por injustiças contra seu povo. Seguir o rastro de um dragão seja qual for sua raça não é um trabalho árduo, já que deixam marcas muito visíveis a qualquer um como árvores e plantas queimadas e rochas arranhadas por suas garras afiadas sendo que quando carregam alguém em suas mortais garras não conseguem voar muito alto e os torna razoavelmente vulneráveis. Seguindo esta trilha com apenas algumas horas de viagem e outra de descanso Huddjan consegue encontrar seu esconderijo, uma caverna assustadora que fica aos pés de uma montanha. Estava se preparando para entrar quando por instinto se agacha atrás de uma pedra que lhe salva de uma morte certa quando Grinnfold sai correndo rasteiramente da caverna até alçar vôo para sua surpresa com a velocidade de um raio vermelho vindo das profundezas do inferno. Huddjan se questiona tentando compreender para onde o animal estava indo com tamanha pressa enquanto adentra vagarosamente a caverna negra em busca de respostas. O silêncio impera no local como se tudo não passasse de um sinistro cemitério, e era isso mesmo que havia naquele local recheado de cadáveres e ossos cobertos com restos de pele em decomposição, somente faltavam túmulos para completar a cena grotesca.

E foi em meio a cadáveres e rochas que ele avistou uma figura nua mas não ferida, era a atrevida filha do rei Julius provavelmente morta. Chegando próximo dela percebeu que seu peito ainda se mexia lentamente. A vida ainda habitava aquele corpo como o desejo de um cervo diante da morte certa por um tigre. Ajudando a pobre jovem a ficar confortavelmente recostada sobre uma pedra ainda inconsciente, cobrindo seu belo corpo nu com seu casaco de pele, deixando agora visível os músculos titânicos do herói assassino e esperando por seu inimigo com uma sede sanguinária digna apenas dos povos selvagens do extremo norte e que talvez nunca possa ser compreendida pelos povos tocados pelas gananciosas mãos da sociedade civilizada.

Mas novamente o cenário é obrigado a mudar de forma brusca, pois Grinnfold fora visitar um local já conhecido, era nada menos que o agora armado reino damatiano. Sua chegada deixou todos assustados e despreparados mesmo aqueles guerreiros experientes que nascem de fraldas com espadas em punhos. Por isso a destruição e a carnificina não puderam ser evitadas nem reduzidas. Mas alguém em sua fúria idosa não conseguia manter presa em sua própria e pequena existência a raiva desmedida de um pai que perde sua filha na flor de sua juventude. Sacando a espada de um soldado que tombou em batalha provoca a ira destrutiva de seu arquiinimigo através de insultos que soldado nenhum poderia ao menos imaginar fazer parte do vocabulário de um rei. Ficando agarrado a uma das janelas laterais do castelo diante do olhar furioso de Grinnfold o rei provoca uma investida de seu adversário alado que acaba resultando em uma fatalidade. O dragão investiu contra Julius que lhe atacou violentamente com sua espada que se partiu em inúmeros fragmentos que para o rei em seus últimos e derradeiros momentos pareceram como pequenas estrelas sob o sol e misturaram-se com suas próprias lágrimas por sua filha presente em seus últimos pensamentos antes de ser devorado até a região da cintura por seu implacável adversário, que agora satisfeito queimava o restante dos soldados antes de retornar para seu covil macabro onde alguém o aguardava com a selvageria de mil homens ensandecidos pelo sabor de uma batalha.

Na caverna Huddjan notara que a simples jovem deitada em meio aos decompostos cadáveres agora lhe parecia ainda mais bela com seus cabelos negros e suas estranhas mechas avermelhadas que despertavam toda sua curiosidade bárbara, embora seus olhos estivem fechados podia vê-los brilhando como pequenas jóias azuladas dignas do tesouro de um reino de saqueadores como foram no passado os damatianos. Mas seus pensamentos íntimos foram violados pela presença da besta chamada Grinnfold que agora adentrava a caverna e por conseqüência havia notado a presença de sua companhia.

Assim rapidamente se afastou do corpo de Nadjat para evitar que sofresse com algum ataque que fosse desferido por suas pressas ou garras. Vendo o estranho se afastar rapidamente o dragão ataca desesperadamente seu inimigo com uma flamejante rajada infernal que fora defendida por um grande escudo de madeira encontrado durante sua fuga, mas este agora estava repleto de chamas e queimava rapidamente. Então o guerreiro o arremessou no rosto monstruoso da fera que se contorceu de dor pois seu nariz fora violentamente atingido. Fazendo com que ficasse atordoado por alguns momentos que foram suficientes para Huddjan subisse em suas costas e tentasse em vão rasgar sua pele com seu enorme machado. Lamentando a inutilidade do mesmo o arremessa com os braços musculosos o machado em uma das asas do dragão que é perfurada facilmente como uma faca que corta uma fruta madura. E com sua mão direita pega em seu cinto sua pequena adaga onde a utiliza para arrancar um dos olhos negros da criatura que agora convulsiona de dor e em sua boca nascem gritos quase humanos de puro sofrimento. Mas nesse momento quando se preparava para tornar a besta completamente cega percebe algo em sua animalesca fronte, era uma espécie de jóia azulada em forma de crânio no centro de sua testa disforme. Tentou freneticamente descolar a jóia da criatura mais não conseguia então como última tentativa desferiu o golpe de sua adaga contra a própria jóia, e esta se quebrou em três partes e nesse momento a criatura tombou de imediato encontrando o chão rochoso como túmulo.

O bárbaro desceu do pescoço longo do dragão pois sentia que a vida estava abandonando sua carcaça rapidamente, mas algo de inesperado surpreendeu seu algoz. Foi a sinistra transmutação que Grinnfold sofreu de repente, suas escamas rígidas caíam de sua pele com um som pesado ao chão demonstrando sua blindagem natural, em seguida suas proporções formam diminuindo até alcançar a aparência de um homem. Era realmente incrível em toda sua carreira de matador de dragões num havia visto tamanha bruxaria em sua frente e embora assustado permanecia rígido como um estátua viva. Em seu corpo percorreu um calafrio que teve início em sua espinha e acabou somente depois em sua nuca quando percebeu que o homem estava ainda vivo embora apenas esperando sua própria morte chegar para buscá-lo.

- Me perdoem por todo o horror que causei... disse a agora figura humana de Grinnfold...- Não queria causar nenhum mal a ninguém, mas fui amaldiçoado a dois séculos por um bruxa que me separou de minha amada e não podia resistir aos anseios da carne das mulheres que completavam minha sina... por favor me perdoem... continuou a besta humana até que seu sofrimento encontrou fim com a lâmina da espada do bárbaro que somente naquele momento de sua vida sentiu pena da amaldiçoada criatura que um dia foi humana.

Em seguida Huddjan acorda Nadjat com um beijo em seus lábios, agradecida por estar segura. E ambos retornam para Damat em busca de amores ou recompensas mas lá só encontram a carnificina e a destruição do reino, junto com a certeza da morte de seu onipotente rei. Obrigado a pedidos da princesa que Huddjan aceita-se o trono damatiano como maneiro de honrar o legado de seu pai e recebendo como recompensa os carinhos de sua atual rainha virginal. O guerreiro nórdico honra seu pedido apoderando-se do trono como somente um usurpador bárbaro poderia fazer.

Mas embora o final desta história seja belo e límpido como as águas do mar no verão, algo fora esquecido naquela caverna amaldiçoada, escapando da visão de ambos. Haviam alguns ovos escondidos no interior da criatura, que talvez algum outro dia tragam novamente as semente da morte, revivendo uma maldição de duzentos anos, como pecados de pais que voltam para atormentar seus descendentes...

FIM

Giomar Rodrigues
Enviado por Giomar Rodrigues em 25/09/2010
Reeditado em 28/09/2010
Código do texto: T2519749
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