Mortinha por contar uma história ...
Era uma vez…ela, género feminino, número singular. Fresca, gira, radiante ou talvez não, mas desconcertante sem dúvida.
Tinha um ritual no mínimo estranho. Todos os sábados, à hora do lusco-fusco, dirigia-se ao cemitério e sem entrar, limitava-se a fincar as mãos nas grades do portão, contemplando absorta, numa espécie de hipnose sem retorno, toda a área circundante, até se concentrar no único cipreste existente e murmurava apática: “ Evitar o contacto com a humanidade. Dará a humanidade pela minha ausência? – Porque existo, sou e sinto, tenho-me sempre a mim.”
Claro que a história não acaba aqui. Ela sim, porque entretanto morreu. Eu avisei que era desconcertante.
Soube-se mais tarde que morreu de morte lenta. Há quem contrarie e diga que morreu de repente.
Não teve missa de sétimo dia, mas teve direito a uma lápide, onde se podia ler a seguinte inscrição:
Tenho a fantasia de projectar nas pessoas
O que elas deviam ser
E não o que são realmente.
Ninguém parece ver-me e eu nada pareço ver!
Claro que a humanidade não deu pela sua ausência. Até porque houve alguém que a substituiu, não se sabe bem quem. Diz-se que todos os sábados, na hora do lusco-fusco, vai até ao cemitério, toma a mesma pose dela, mas em silêncio total. Olha, fascinada, o cipreste solitário, em sintonia com o local , simbolizando os momentos perdidos de quem não soube viver.
E pronto, acabou a história. Agora tenho de ir, até porque hoje é sábado…