Honra.

Os dois pares de olhos se encaravam, medindo-se. Cada um esperava pela primeira brecha, ou pela antecipação do primeiro sinal de movimento, de cada uma das partes. Lentamente, eles circulavam pelo amplo salão, sem se deterem, piscando rapidamente, poucas vezes, na ânsia de perceber qualquer variação na posição do outro à sua frente. Os bastões nas mãos de cada um deles mantinham-se imóveis, sem qualquer movimento. Os dois corpos pareciam não ter movimentos involuntários: nenhum tremor, nenhuma hesitação. Até suas respirações pareciam calculadas, medidas, pensadas.

O homem de cabelos longos piscou e, ao abrir os olhos, eles já não eram mais os mesmos: já ardiam com um desejo indistinto, e seus pés se moveram rapidamente para cumpri-lo. O par de olhos do outro lado da sala manteve-se estático, sabendo que este movimento já era esperado. Os pés do homem de cabelos curtos moveram-se discretamente, sem surpresa, para uma posição mais ampla, pronta para aparar o golpe iminente. O deslocamento do homem de cabelos longos até o outro lado da sala foi rápido como um relâmpago, bem como o movimento de suas mãos até uma extremidade do bastão, enquanto a outra baixava ruidosamente na extremidade livre do bastão empunhado pelo homem de cabelos curtos, que estava ligeiramente agachado, para sustentar melhor o impacto do golpe. O bastão desceu cerca de vinte centímetros, até que os músculos do homem de cabelos curtos o impulsionasse de volta ao alto, forçando o homem de cabelos longos recuar um passo, com as madeixas chicoteando seu rosto levemente, os olhos ainda fixos nos olhos de seu oponente, que agora girava o bastão em direção aos seus tornozelos, como uma foice empunhada por um fazendeiro experiente durante o trabalho.

Um pequeno salto foi suficiente para salva-lo do impacto duro do bambu, ainda que esse fizesse uma pequena curva ao final da trajetória, erguendo-se de chofre, e vindo violentamente em direção ao seu flanco direito para o golpe, prontamente defendido pelo outro bastão, com um estrondo seco, que não surpreendeu nenhum dos dois homens, acostumados ao som que lhes era tão natural quanto o barulho da chuva caindo, ou do cantar dos pássaros. Após o primeiro impacto, outros três seguiram-se, em uma rápida seqüência, sendo um golpe desferido após o outro, alternando-se os lados atacantes, sem qualquer dos homens surpreender o outro, sem que ambos desviassem seus olhares para outra coisa que não fosse o olhar do seu oponente que, há poucos segundos, estava há uma distância segura. Agora, os dois pares de olhos estavam próximos. Perigosamente próximos.

Nenhum outro som era ouvido: nem seus músculos, nem os passos, nem suas respirações. Nenhum dos homens fazia qualquer ruído. O diálogo na sala era feito apenas pelos bastões, em rugidos secos e seguidos.

Os homens afastaram-se com um salto para trás, simultaneamente, avançando assim que seus pés tocaram novamente o chão, cada um com dois passos, dados exatamente ao mesmo tempo, como uma coreografia silenciosa, com os bastões falando novamente, mais alto, assim que o golpe mirando o peito do homem de cabelos longos foi repelido por um movimento circular do seu bastão, que dançava ainda, girando num tom de imprecisão, girando no sentido horário, avançando um passo, dois, três, ao passo que o homem de cabelos curtos recuava, cauteloso, sem desviar os olhos do olhar do oponente, mantendo a distância entre os dois bastões, esperando a estocada prevista, que veio rápida, mirando seu pescoço, e foi repelida prontamente, com outro trovão provocado por mais um impacto das duas hastes de bambu. Agachando-se rapidamente, o homem de cabelos curtos investiu, calculadamente, contra os pés de seu oponente, no mesmo movimento já executado com tanta perícia.

Ao invés de repeli-lo, o homem de cabelos longos firmou o bastão no chão, pouco antes do impacto com o outro bambu, aproveitando o momento e o impulso do movimento para recolher seus pés no alto, usando a própria cinética do bastão para completar seu movimento, deixando com que ele deslizasse verticalmente, para o alto, afrouxando rapidamente o aperto de suas mãos na haste e novamente fixando o aperto, agora na outra extremidade, descendo com força e fúria o instrumento em direção ao homem de cabelos curtos, embora em seus olhos não houvesse nenhum dos dois sentimentos: apenas respeito e admiração ao homem que, agora agachado, com um joelho apoiado no chão e com o bastão empunhado nas duas mãos, cada uma próxima de uma extremidade, aparava o golpe. Seus olhos também transpareciam admiração e respeito. Seus músculos se retesaram e forçaram o bambu, empurrando a outra verga de encontro ao homem de cabelos longos, fazendo-o recuar dois passos, enquanto o homem de cabelos curtos tomava novamente uma posição defensiva, recuando cautelosamente dois passos.

Ambos sorriram, tanto com os lábios quanto com os olhos: ambos haviam encontrado alguém que, realmente, rivalizava consigo, e cada homem trazia consigo um novo sentido à palavra "honra".

Honra - Paulo Oliveira.