O Canto do Cisne - (6° Capítulo)

(Querido diário)

"Passamos boa parte de nossas vidas lutando contra nossos medos, mas a questão é:

Até onde nossos medos interferem em nossos sonhos?

Até ontem o meu medo quase me impediu de realizar meu grande sonho, subir no palco e dançar foi mais que um espetáculo, mais que uma arte... Subir no palco ontem, sem aquela sensação de agulhadas na língua, falta de ar e tontura, foi uma sensação de libertação, eu finalmente sinto que tenho o controle sobre mim". (/Querido diário)

Hoje o dia amanheceu nublado e com previsão de chuva, mas nada vai me impedir de ir visitar o tumulo de meu pai, preciso de alguma forma compartilhar com ele esse momento tão especial. Mesmo após sua partida, nunca deixei de lhe contar tudo, ou de conversar com ele e eu sei que esse momento significaria muito para ele também. Seu sonho sempre foi poder me ver dançar no Canto do Cisne, ele sempre acreditou que eu fosse capaz e se tem algo que eu aprendi com ele, é jamais desistir de nossos sonhos e o meu sonho foi o seu sonho, e o nosso sonho eu consegui realizar. Sei que não devo parar por aqui, outra coisa que ele sempre me ensinou, é que devemos sempre buscar o melhor e nunca nos acomodarmos diante de cada conquista, o Canto do Cisne fora um grande passo é verdade, mas de acordo com ele, um grande passo sempre é seguido de outro grande passo, e assim devemos caminhar sempre, "meu pai, meu herói". Antes de visitá-lo, passei no correio, eu não sabia como agradecer o rapaz que me trouxe o meu diário de volta, então lhe fiz uma carta de agradecimento, confesso que eu não sabia bem o que dizer, tantas as folhas rasgadas, tantos agradecimentos em meio a pensamentos, eu nem sabia se ele iria realmente ler, então procurei ser mais objetiva na carta, após isso, parti para o meu objetivo. Chegando ao cemitério, meus olhos logo lacrimejam, pois o portão sempre me faz lembrar o dia em que ele fora enterrado, um dia que eu jamais vou esquecer. Já de frente ao seu tumulo, faço o sinal da cruz e lhe entrego um ramo de tulipas junto a uma carta, como de costume. Abro minha bolsa e tiro a sapatilha que eu usei para dançar no grande dia, quero que fique em seu tumulo, como um sinal de agradecimento e de missão cumprida. Logo junto ao vento gelado, como já previsto, senti em minha face, a chuva se iniciando, a garoa gelada não é capaz de esfriar o calor das minhas lágrimas e assim eu me despeço de meu pai.

Confesso que não estou muito afim de ir para casa, ao menos não agora, preciso de um momento a só e provavelmente minha mãe irá falar aos montes em meu ouvido por ter vindo aqui sem ela então, ao invés de ir pra lá, decido ir direto para o Canto do Cisne, de repente aquele lugar passou a ser o meu refugio, quem diria. Ao atravessar a porta o silêncio logo me chama atenção, ao subir no palco muitas boas lembranças ainda recentes, e pensar que na noite passada havia milhares de pessoas me vendo dançar, eu quase que podia ouvir o som dos aplausos após a apresentação, de repente aquilo me fez querer dançar então, arrisquei alguns passos me deixando levar pelo momento, meus pés em contato com o piso de madeira ecoou sobre o teatro e o palco que me causava pânico, hoje me traz uma sensação boa, uma certa paz que me faz sentir livre e ao mesmo tempo me trás a imagem de meu pai. Logo que parei com os passos, pude ouvir de longe o som de aplausos, aquilo fez meu coração apertar e me deixando levar pelo momento falei baixo:

“Pai?”

O som dos aplausos continuava e bem lá no fundo, quase na ultima cadeira do teatro, era possível ver uma pessoa, que se levantou e que cada vez mais se aproximava:

Quem está aí? – Eu perguntei.

A cada passo sua imagem ia ficando mais clara, e logo eu tive uma grande surpresa, era ele, o rapaz gentil que achou o meu diário, mas o que ele estaria fazendo por aqui?

-Vejo que a dança vive em você! – Disse ele sorrindo.

- Pois é, acho que o palco tornou-se o meu habitat natural, me faz sentir viva de muitas formas.

-Nossas vidas só fazem sentido diante de quem amamos ou do que amamos fazer, não é mesmo?

-È verdade, é o que eu ando descobrindo – Eu sorri. – O que faz por aqui?

-Difícil dizer, na noite passada eu fui trazido pelo acaso, mas por algum motivo, esse lugar não me saiu da cabeça. Algo aqui me fez querer voltar e eu tinha que vir aqui descobrir o que era e confesso que te ver no palco novamente, foi uma grande surpresa pra mim, eu não esperava encontrá-la tão cedo.

-Sei bem o que quer dizer com “grandes surpresas”, no fundo eu achei que estaria sozinha por aqui, vim, pois gostaria de um momento a só para poder refletir.

-Bom, deixarei que faça o que veio fazer, espero que você tenha a mesma sorte que eu.

-Sorte?

-Sim, eu disse que existia um motivo que eu ainda não sabia, e que me fez voltar aqui…

-E já o descobriu?

-Sim, já não tenho dúvidas!

-E qual seria?

Nesse momento diante da minha pergunta, ele me olhou de uma forma que eu não sei explicar, tirou então do bolso uma foto e me entregou, abriu um sorriu e seguiu em direção a porta. Ao olhar para a imagem, eu tive uma surpresa, era uma imagem minha, em um momento em meio à dança que eu acabara de fazer, mas o que isso quer dizer? Quando voltei meus olhos em sua direção, ele já não estava mais lá, então corri pelo vão entre as cadeiras e ao sair pela porta, ele já havia sumido. Ainda intrigada, caminhando de volta em direção ao palco, fiquei observando a imagem, o foco era exatamente eu, como se o objetivo fosse esse mesmo, eu, nesse caso, ele não veio pelo teatro… Apos pensar bastante, cheguei a uma conclusão que pareceu a mais sensata e sozinha acabei pensando alto:

“Nãoo!!! Será?!”

(Continua...)