O Canto do Cisne - (3° Capítulo)
Querido diário, hoje eu tenho tanto a dizer, eu precisava muito desabafar, enfim chegou o grande dia e eu ainda não me sinto preparada pra dançar. Querido diário, as cortinas se abriram, meus pés latejam e não se movem um centímetro se quer, minha respiração está ofegante, minhas mãos estão suando frias e o mundo inteiro parece estar olhando diretamente para mim, é como se estivessem esperando um lampejo, uma falha minha. O som delicado dos violinos dá lugar a um som estridente, o bastante para incomodar os meus tímpanos e fazer minhas orelhas sangrarem, a dor logo dá lugar ao silêncio, eu já não posso ouvir mais nada, mais ninguém. Na platéia todos parecem estar cochichando e olhando para mim, em uma tentativa de fuga, eu tento correr, mas a cortina se fecha me cobrindo por inteira. Com minhas mãos eu tento me livrar dela, mas quanto mais eu tiro, mais ela parece maior, um mar de vermelho sem fim sobre mim e eu mesma não consigo ouvir o meu grito de socorro… Até que de algum lugar eu pude ouvir uma voz, que cada vez mais se aproximava e eu mais e mais tentava ir de encontro a ela… “Filha, acorde!”
Fora apenas um sonho, um pesadelo eu diria, minha mãe está preocupada, há dias eu não consigo dormir ou comer direito, toda essa pressão não está me fazendo bem. Logo haverá um grande evento, na qual venho me preparando exaustivamente para que dê tudo certo. Eu poderia dizer que venho me preparando para isso há um ano, onde fui convidada para participar, mas vai muito, além disso. Durante toda minha vida sonhei em ser uma bailarina, poder dançar em grandes palcos, para grandes públicos e durante as minhas fantasias, o meu pai era a minha grande platéia. Eu via a admiração em seus olhos, a forma como ele torcia por mim, como ele vibrava a cada conquista minha, meu grande herói. Sempre andávamos juntos e sempre passávamos em frente ao teatro “o canto do cisne”:
- “Pai, será que eu poderei dançar aqui um dia?”
-“Um dia eu estarei lá dentro te aplaudindo de pé, e mesmo que isso não aconteça, você sempre será a minha menina bailarina”.
Mas logo em minha primeira grande apresentação, em um teatro infantil, meu pai teve um infarto, vi todos na platéia se aglomerarem em cima dele, e um grito ensurdecedor tomou conta do lugar.
“PAAI!”
Era eu, vendo-o desabar sobre o chão e os para médicos tentando reanimá-lo, mas já não havia mais o que fazer, eu acabara de perder meu grande herói. Desde então eu me dediquei arduamente à dança, não pensava em outra coisa, mas com tudo aquilo, eu já não conseguia mais subir nos palcos, sempre que eu piso em um, sinto minha visão embaçar, fico tonta, às vezes chego a desmaiar e isso passou a preocupar a minha mãe, mas eu não podia parar, eu precisava dançar, por mim e, por ele… Foi então que descobri uma forma de driblar esse meu medo pelos palcos, em um diário ganho por ele, eu passei a escrever todos os meus pensamentos, todas as minhas alegrias e frustrações, tudo mesmo, e isso passou a equilibrar os meus ânimos, uma forma que eu encontrei de desabafar.
(Continua...)