O “para sempre” sacudiu meu coração
O fato de entregar um velho armário de imbúia maciça “para sempre” escancarou a janela do meu coração e me deixou vulnerável às emoções relacionadas com o apego, à história de minha vida, e ao futuro.
Esse “solavanco emocional” aconteceu quando minha sobrinha Bruna me perguntou se podia ficar com o móvel, isto é, tomar posse dele “para sempre” porque desejava restaurá-lo e para garantir o investimento precisava ter a certeza de que seria dela. A surpresa maior foi aquela indisfarçada angústia de não conseguir responder a pergunta de imediato.
Eu estava para perder a posse daquele velho móvel, que um dia já foi um elegante e imponente armário de imbúia feito a mão de linhas rústicas e pertencente a ex-sogra, e aos meus cuidados esteve pelo menos 30 anos, no tempo em que fui casada e, sobretudo, na viuvez; serviu a minha filha que o transformou num trambolho azul celeste,deixando-o sem identidade de estilo, escondendo as suas preciosas dobradiças coloniais trabalhadas. Agora neste último ano estava abrigando as roupas de outra sobrinha, por um certo tempo, como quebra-galho, ainda no desajeitado ajuste do azul celeste.
“Apego a um objeto? “, me perguntei. Me senti pequena espiritualmente ao conferir que realmente era um certo apego.
Mas não um apego doentio e material. Não! Algo um tanto subjetivo. Creio que alcança mais o imaginário e a estética.
Sempre achei o armário fora da funcionalidade moderna. Com enormes gavetas e por demais profundas que, pelo fato de deixás-la cheias de roupa, até à borda, me fazia perder de vista a peça que colocava no fundo da gaveta e bagunçava tudo, toda vez que tinha ânsia de encontrá-la e nunca achava. Ao final , habituei-me a manter minhas roupas na mais completa desordem.
Nada prático.
Por outro lado, o design é único. Tinha duas portas de vidro e a madeira era discretamente entalhada em todas partes.
Ahh... com aquelas incríveis dobradiças que o deixava mais parecido com aqueles móveis de castelos medievais. Acho que era isto que me atraía e por isso o mantive por mais tempo possível perto de mim. Era nobre!
Ria... Não me preocupo.
Certamente, o ar de nobreza se manteve até ser impiedosamente pintado todo de azul celeste como se tivesse caído dentro uma lata de tinta, sem dar chances às belas dobradiças.
Bem,neste caso, são as diversas formas de enxergar o mundo.
“Este armário não combina com os outros móveis meus, que são mais leves, mas mesmo assim vou ficar com ele por uns tempos porque preciso de espaço para guardar minhas coisas, vou pintar tudo igual”, disse minha filha.
Depois que destroçou-o e não precisou mais dele, jogou-o no depósito da casa da minha irmã, e por incrível que pareça, por ser forte e de boa qualidade continuou sendo útil e passou a ser usado de novo.
Renata, outra sobrinha, casou e o levou junto para aproveitar um pouco das suas enormes prateleiras e gavetas, apesar de o achar grande e desajeitado para o seu pequeno apartamento.
Mas foi Bruna, outra jovem da família que o olhou de uma forma mais ampliada, que captou a essência da beleza oculta e sentiu a mesma atração que eu sempre senti por ele. É belo!
“É belo”, exclamou admirada ela. Posso ficar com ele tia?
Aí, chegou o impasse do “para sempre” que me quebrou por dentro. Será porque projetamos a nossa história em objetos, e neste caso, num móvel, numa estrutura de madeira? Focamos nestes objetos nossa agonia de reviver e sonhar as últimas lembranças de um tempo que já foi vivido...
Não creio que seja esta a questão mais crucial. Neste caso, honestamente, não é.
Analisando bem.... é se dar conta que a mente precisa de tempo para se adaptar às nossas perdas, seja de quem amamos ou materiais. É entender que garantir algo para sempre alcança o futuro e ele nos assusta.
É apenas o impacto da expressão “PARA SEMPRE” !