O Cavaleiro e a Guerreira
Primeiro Conto Heróico:
O Cavaleiro e a Guerreira
Primeiro Encontro
O Cavaleiro.
Extremo Oriente, Japão. O ano do nosso Senhor de 1577. Era o governo de Daymio Oda Nobunaga. Seu objetivo era unificar todo o seu país, algo que ele ainda não havia conseguido. E isso não impedia que soldados sem honra tentassem impor à força os seus desejos aos mais fracos. Eles avançavam por um campo aberto, circundado, ao longe, por montanhas.
A aldeia era insignificante, cerca de duzentos habitantes. Os aldeões cessaram a plantação e olharam para os cavaleiros que vinham de forma ameaçadora, sobre as suas montarias. Todos temeram. A apreensão tomou aquele lugar ao fitaram a pequena cavalaria que se aproximava, trazendo em suas mãos a semente do caos. Eram, pelo menos, onze cavaleiros armados e preparados para impor as suas vontades sem que ninguém pudesse oferecer resistência alguma.
Foi então que um estranho homem partiu dentre aqueles camponeses, caminhando pelo espelho d’água da plantação de arroz e esperando mais à frente, colocando-se entre os aldeões e os temíveis soldados que despontavam ainda distantes. Sua aparência em muito diferenciava dos demais habitantes. Sua pele era clara, assim como os seus cabelos. Ele usava uma armadura japonesa, apesar de não parecer em nada com aqueles que ele pretendia defender.
Os cavaleiros continuavam a avançar em suas montarias.
– Pai... Quem... Quem é ele? – perguntou o mais jovem ao fitar o estranho homem.
Faltavam apenas poucos metros para a desembalada carreira dos agressores alcançar os indefesos homens.
“Quem eu sou?”, pensou o estranho homem liberando com o polegar esquerdo a guarda de sua espada para que pudesse sacá-la, posicionando os pés em seguida. “Eu sou Sir Ray Bryan Stephen, Cavaleiro da Rainha Elisabeth e filho da Casa de Yagyu Sekishusai Tiara-No-Munetoshi”. Seu rosto mantinha-se inalterado, tomando posição para o sacar a sua arma. “Eu me coloco ante a maldade desses soldados e os derrotos”. Sua mão direito segurou com firmeza o punho da espada. Abriu um sorriso. “É isso que eu faço. O que sempre fiz”.
Foi tudo muito rápido, os soldados sem honra saltaram sobre o espelho d’água, esmagando a plantação. Sir Ray sacou a sua espada à medida que desferia o primeiro e certeiro ataque contra o cavaleiro mais adiantado. Sua espada cortou o pescoço da montaria, arrancando, em seqüência, uma das mãos do inimigo. Impossível prosseguir. O animal caiu com força por terra, arrastando-se por alguns metros, acompanhado do urro de dor do cavaleiro. Os demais comparsas pararam, aterrorizados com a força e o efeito daquele golpe. Todos, sem exceção, voltaram-se para o estranho homem, perceberam a sua estranha fisionomia, lembraram-se de algumas lendas, outras rondaram as suas mentes, mas ninguém recuou. Todos concentraram as suas forças contra o guerreiro que se apresentava.
O primeiro avançou, era impossível que um homem a pé vencesse um cavaleiro. Sir Ray desviou-se do ataque, correndo a lâmina de sua espada na altura da barriga do animal, cortando profundamente, arrancando o pé de seu agressor. Outro grito estarrecedor foi proferido, caindo por sobre o espelho d’água em seguida, seu sangue começou a misturar-se com a água. Os aldeões olhavam abismados para a força daquele guerreiro samurai de pele clara e fisionomia de outros povos.
Os soldados se intimidaram, porém partiram de encontro ao estranho defensor. O ataque foi rápido, a defesa e o revide também. Ambos erraram os seus ataques, no entanto, um foi golpeado na altura da barriga e outro nas costas. Este último, mesmo ferido, ainda tentou fazer outra investida, teve o seu tronco perfurado, caiu sobre a água. Agora, dois cavalos andavam sem destino e outros dois relinchavam de dor.
– Recuem... – aconselhou Sir Ray.
Os soldados sem honra mostraram-se desencorajados.
– Nós... nós só queremos diversão. – argumentou um deles.
– Estupros, saques, desonras. – retrucou Sir Ray. – Isso não é diversão e não permitirei que o façam.
– Somos cavaleiros de teu senhor, o senhor dessas terras! – gritou outro. – O senhor de todo o Japão! Você tem a obrigação de nos obedecer e nos deixar passar!
– Avancem o quanto quiserem – concluiu Sir Ray, ainda em posição de combate. – e vosso Daymio receberá a notícia da falência moral de seus cavaleiros e suas conseqüentes mortes.
Todos temeram e se olharam. Eram onze cavaleiros, sendo que quatro haviam sido derrotados sem muito esforço.
– Levem os seus feridos daqui! – ordenou.
Os soldados entenderam a ordem. Lentamente, recolheram os seus feridos e partiram por onde haviam vindo. Os aldeões não conseguiam entender tamanha força e o motivo pelo qual ele os havia protegido. Sir Ray continuou olhando para os seus adversários enquanto eles se afastavam, até sumirem de vista.
Um aldeão se aproximou.
– Mestre, – questionou. – quem é o senhor?
Sir Ray sorriu enquanto limpava a lâmina da espada, guardando-a em seguida.
– Mestre? – insistiu.
Observou o campo de batalha, outrora uma plantação de arroz, tomada pelo sangue de animas e de pessoas.
– Sou apenas um andarilho. – respondeu. – Enterrem estes corpos antes que eles causem algum tipo de doença. Permanecerei com vocês até ter a certeza que este lugar está seguro.
***
A Guerreira.
Uma casa se levantava imponente dentro de uma grande propriedade, as árvores erguiam os seus galhos, com as suas copas acompanhando a cobertura do castelo. Em seu interior, dentro de um salão, em meio às sombras, um nobre falava calmamente.
– Eu apoiei e financiei a sua família como débito de honra ao seu pai. – disse ele forma séria e segura. – Manipulei inimigos e os joguei contra eles como em um jogo de tabuleiro. E também não culpo se quiser descontar a sua raiva pela sua família em mim. Mas agora preciso que você dispense mais um pouco dos seus serviços ao meu favor. Há um homem que desejo imensamente a sua morte. Não entendo como ele pode estar em tanto lugares, em tantos momentos diferentes. Parece um inimigo à altura dos seus serviços. Ele deve possuir algo de sobrenatural sobre o seu entendimento. Algo onisciente e onipresente. Chego a pensar em onipotente, pois ele derrota quem eu envio com facilidade. Sem esquecer que possui a habilidade de prever cada passo meu e – começou a falar com uma certa indignação na voz. – isso me irrita. Agora ele se encontra em um campo que desejo dominar por motivos políticos e estratégicos. Basta aterrorizar alguns aldeões, mostrar como a área é desprotegida, algo muito simples, mas até nesse ponto ele interfere em meus planos. Não sou um simples nobre, Oda Nobunaga me tem em grande estima. Mas, para que ele continue a me conceder privilégios, preciso causar tumultos para depois resolvê-los. Perdi uma boa soma em riquezas para poder ver aquele lugar aterrorizado, porém aquele “estrangeiro” se intrometeu mais uma vez. Por isso, contratei os serviços de sua família, consegue me compreender? – respirou. – Qual é o seu nome?
Uma mulher extremamente bela saiu das sombras, seu nome era Akemi.
– Pouco importa a alcunha do enviado a ti para cumprir esta missão. – respondeu. – Importa que a minha família decidiu atender a este contrato.
O homem mostrou-se ainda mais sério e impetuoso.
– Bom... – disse. – Então, que seja...
A guerreira esboçou um sorriso.
– Não me importo. – continuou ele. – Agradeça a mim por eu ser um homem relevante neste reino e possuir contatos suficientes para encontrar uma família tão discreta quanto a sua.
A guerreira manteve-se em silêncio.
– Shinobis, ninjas. – concluiu o homem. – Pouco me importa, desde que faça à altura do que estou pagando.
A belíssima mulher afastou-se devagar.
– Não se preocupe, – disse ela. – nunca deixei a desejar...
O homem continuou fitando-a, foi quando ela, no mais puro silêncio, sumiu na escuridão. O maldito não conseguiu conter o sorriso de satisfação.
***
O Encontro.
A lua estava alta no céu, a aldeia estava prestes a repousar. Mas não importava o quanto ele contasse a sua história, a sua origem, os aldeões, principalmente as crianças, estavam fascinados por ele. Cada detalhe, viagem, desfecho de história, eram repetidas dezenas de vezes. Sir Ray contava a mesma história quantas vezes fossem necessárias contar. Os mais velhos da aldeia eram gratos por ele ter se fixado no local apenas para afugentar possíveis represálias. Porém, um aldeão enxergava um pouco mais além, ele percebia a bondade no coração daquele guerreiro, observava o seu semblante por debaixo de toda aquela força e intimidação.
Sir Ray percebeu a sua presença, o fitou de volta. O aldeão o chamou com o olhar, sem um único gesto, Sir Ray não pôde recusar, as crianças e demais presentes afastaram-se solenemente.
Ambos afastaram-se do local onde se encontravam.
– Vejo o seu sorriso. – observou o velho após algum tempo.
– E o senhor acha que vai durar?
– Não. – respondeu. – Ele sempre acaba.
– Então, não gosta dele...
– Não, pelo contrário. Admiro. Você é forte e de bom coração, qualidades que raramente se juntam em um único homem. Você é um novo herói para a nossa aldeia.
– Não sou um herói, mas um homem disposto a fazer o que é certo.
– A quem está afrontando?
– Faz apenas alguns meses, mas um nobre da região tem tentado manipular o povo e elevar o seu nome, nem que para isso tenha de fazer o povo sangrar, e isso não posso permitir. Acredito que esta situação que nos encontramos tenha se tornado algo que promete não acabar, diferente do meu sorriso.
– Ele um dia terá de desistir.
– Mas outro ganancioso tomará o seu lugar...
– E surgirão homens capazes de afrontá-lo, e você poderá descansar, meu jovem.
Ray sorriu.
– Este é um bom conselho para esta hora, – concluiu. – seria interessante se já pudéssemos repousar.
Era a vez do velho aldeão sorrir.
– Mostra-se mais cansado do que seus avós. Mas, como pareço estar com mais força do que você hoje, vou acompanhá-lo até o seu estabelecimento.
A luz do luar mostrava-se cada vez mais fraca, passando por detrás das nuvens. Os dois despediram-se à porta da casa. Ray adentrou o lugar, depositou a sua espada ao seu lado, recostou-se em algo firme, sentando-se, e, reclinando a cabeça, dormiu rapidamente. O tempo se passou, e o merecido descanso foi sendo tomado. Tudo estava em paz, apesar de preferir dormir em alerta. Algo poderia acontecer enquanto ele estivesse desacordado, por isso dormia em alerta. Foi quando, de súbito, Sir Ray sentiu a presença de alguém dentro daquele aposento, uma sombra esgueirando-se lentamente. Ray percebeu o perigo sem demonstrar qualquer sinal de vigília. A sombra cresceu em sua direção, havia apenas uma fração de segundos para impedir que o assassino lhe retirasse a vida. Estava muito próximo, foi quando Ray sacou parte de sua espada, apontando o fio da espada na direção do pescoço de seu inimigo.
– Não! – gritou uma voz feminina.
Sir Ray parou a lâmina a alguns milímetros de seu alvo e observou. “Ela é linda”, pensou. Uma moça frágil mostrava-se sem reação diante daquela lâmina.
– Eu... eu... – não conseguia terminar a frase. – Eu só vim lhe agradecer por ter salvado meu povo e ter permanecido aqui nos protegendo.
A manga de sua roupa estava caída. Sir Ray a observou.
– Calma, – disse. – pensei se tratar de um adversário.
– Retiraria a minha a vida se fosse o seu inimigo?
– Eu não costumo matar.
– Mas você carrega uma espada, – retrucou. – e parece não ter medo de usá-la...
– Não tive a intenção de matá-la. Por favor, se acalme.
Ela respirou de forma mais tranqüila.
– Vim lhe trazer um presente. – disse abaixando ainda mais a manga de seu kimono.
Ray observou novamente.
– Desculpe, mulher, não estou disposto a assumir o que me oferta.
– Entendo...
– Não, você não entende. – retrucou de forma séria. – Não estamos em paz e é certo que o inimigo enviará homens para trazer o terror até este lugar. Por isso, não posso me distrair.
– Você é íntegro. Não é capaz de matar, mesmo carregando uma arma. E acredita que estará se aproveitando de mim devido aos seus atos heróicos.
– Quase acertou em ambas. – respondeu levantando-se para abrir a porta e retirar-lhe do aposento. – Sou apenas um cristão convicto. – disse sem que esperasse que ela entendesse.
Caminhou pelo aposento em direção a entrada.
– Qual o seu nome? – foi sua última pergunta.
A mulher sorriu à retaguarda do cavaleiro.
– Akemi. – respondeu sacando uma arma de sua manga.
Sir Ray sentiu o perigo, virando-se em seguida, mal teve tempo de desviar-se de uma estrela de arremesso que vinha contra o seu rosto. Outra veio na altura de seu peito, forçando a defender-se com a bainha de ferro de sua espada. O chute seguinte de Akemi jogou-o contra a porta, sacando a ninja-to de suas costas, tentando cravar em seu corpo. Sir Ray defendeu-se com a sua katana. A espada daquela mulher, menor e em um campo fechado, correu com mais velocidade sobre a lâmina do adversário, retornando em seguida e rasgando o peito desprotegido do cavaleiro. Sir Ray teve somente tempo de revidar com a guarda da espada e o seu punho cerrado, desferindo um soco no rosto da moça. Ela recuou.
– Quem é você?
A moça sorriu.
– E importa o meu nome? Admiro a sua postura e integridade, não esperava ter de executar um homem como você hoje. – seu olhar se fechou. – Guerreiros do seu porte são muito mais desalmados.
Sir Ray colocou a sua espada em riste entre ele e sua atacante.
– O que você quer?
Ela sorriu novamente.
– Pretendia eliminá-lo de forma indolor, quando menos esperasse, mas não caiu em minha isca, agora preciso derrubá-lo de uma forma que desprezo.
O cavaleiro fitou profundamente os olhos da guerreira, procurando entendê-la.
– Você não é má! – afirmou Ray. – Está apenas mal orientada.
A guerreira levantou a sua espada na altura dos olhos, mirando o seu alvo.
– Talvez você esteja enganado. – respondeu saltando sobre ele.
Ray levantou a sua espada, desferindo o primeiro ataque.
– Deus a repreenda! – disse em meio ao seu ataque.
De súbito, Akemi sentiu-se presa ao solo, a espada de Sir Ray continuou descendo. A bela mulher teve apenas uma fração de segundos de levantar a sua lâmina para bloquear o ataque, arma se partiu ao meio, desprotegendo a guerreira. Ela fixou os olhos na katana que se aproximava, sem piscar, sua morte era certa. Mas a espada novamente parou com alguns milímetros de distância., e assim permaneceram.
Akemi pareceu perder as forças, suas pernas não responderam mais, caindo com os joelhos arqueados.
– Que magia é esta? – perguntou ela.
– Não foi magia. – respondeu Ray dando meia volta, seguindo em direção à porta do aposento, abriu-a em seqüência. – Está livre para partir.
Akemi baixou a face.
– Para onde espera que eu vá? – retrucou ela. – Eu falhei onde ninguém falharia. Se retornar para a minha família dessa forma, serei morta, isso é certo.
Ray voltou-se para ela mais uma vez, caminhou em sua direção sem dizer uma única palavra, abaixou-se em sua frente.
– Eles não são, e nunca foram, a sua família. Possivelmente, você era uma órfã, raptada e treinada desde então para cumprir as missões mais baixas, e você as cumpriu. Porém, agora que foi derrotada por alguém que não a matou, vê uma nova possibilidade de vida, ganhou uma segunda chance, e não deseja desperdiçá-la entregando de bandeja para eles. Você quer que eu me compadeça de ti.
– Ainda posso tentar matá-lo...
– Definitivamente, essa não é uma opção.
***
A Parceria.
O dia havia vencido a noite, e o sol mostrava-se no horizonte. A casa ainda mostrava-se imponente, a grande propriedade mostrava-se inalterada, assim como as árvores que se erguiam, com as suas copas acompanhando a cobertura do castelo.
– Ela não retornou da noite passada. – disse o nobre para um outro homem ao seu lado. – Acredito que sua filha falhou.
O outro homem nada disse.
– Isso pode significar apenas duas coisas, ou ela foi morta pelo samuria estrangeiro, ou desertou da missão.
O olhar do outro homem se enfureceu.
– Minha filha jamais deixaria uma missão para trás. Provável é que tenha morrido.
O nobre andou pela sala.
– Então, isso significa que aquele homem deve ter arrancado a informação dela e está vindo para cá. – sorriu. – Creio que me culpará por ter enviado a sua filha para a morte certa. Seja como for, preciso que você e sua família me protejam.
– Ela era a minha melhor shinobi, – retrucou. – o senhor não disse que este homem era tão perigoso. Sua vida está em risco, pode morrer.
– Eu morrer? – disse agora de forma séria. – Caro guerreiro, deixe-me esclarecer uma coisa: eu não posso morrer. Pessoas morrem por mim, morrem por minha causa.
– Este serviço lhe custará muito mais caro.
O nobre aproximou-se de uma das paredes do aposento, fazendo-a correr para o lado, apresentando no outro aposento com uma enorme soma em riquezas.
– Preciso que faça uma última missão para mim. Sempre me certifiquei de que, onde quer que eu fosse, houvesse amplo – procurou a palavra mais adequada. – suporte. – caminhou de volta ao local onde estava. – Um homem como eu, sobrevivendo no mundo que vivo, tem que estar preparado para qualquer eventualidade, mesmo as mais desagradáveis, incluindo a possibilidade de anteciparem os seus movimentos.
O guerreiro fez um gesto positivo com a cabeça. Lentamente, dezenas de guerreiros começaram a surgir das sombras, cobertos por roupas em tons escuros.
– Sua paga é bem vinda. – concluiu o guerreiro.
***
A investida.
O sol mostrava-se alto no céu. O castelo fervia e era guardado. Os soldados invisíveis espalhavam-se por toda a propriedade, mesmo não havendo sombras, eles mostravam-se disfarçados entre os demais servos, aguardando o samurai estrangeiro. Foi então que, surgindo no horizonte, formou-se a silhueta de uma mulher, era Akemi.
Os seus “familiares”, disfarçados dentre os demais, espantaram-se ao vê-la viva. Havia duas únicas conclusões lógicas: ou cumprira a missão com incrível dificuldade ou perdera desgraçadamente, sem que lhe tirasse a vida, isso era imperdoável. A bela mulher chamou a atenção de todos enquanto adentrava a propriedade. Transpassou os limites do castelo, adentrando o recinto. O nobre e o seu “pai” aguardavam pacientemente.
– O que aconteceu? – perguntou o estranho homem.
– A vitória escapou-me dentre os dedos, meu senhor. O samurai estrangeiro é deveras poderoso, sua força me superou, assim como a sua postura e caráter surpreenderam o meu íntimo.
– Como ousa?
O nobre abriu um leve sorriso.
– Este não é exatamente o local para um grande final de uma relação de família. Mas mostra-se reservado suficiente, requintado o suficiente, para que um pai e uma filha possam por fim a tudo.
O estranho homem sacou a sua espada de lâmina curta.
– A decepção tomou o meu coração, não esperava tamanha desonra vinda de ti.
– Perdoe-me, pai.
– Para esse tipo de falha, não há perdão.
A mulher baixou a cabeça, o estranho homem levantou a sua espada, mirando o pescoço de sua filha. O nobre assistia com atenção. Foi quando o seu pai desceu a espada, porém Akemi desviou-se para o lado e contra-atacou, cravando uma shuriken no abdômen daquele que a mataria. Um grito estarrecedor. Akemi afastou-se rapidamente. O nobre se surpreendeu.
– O que você está fazendo?
– Nada pior do que você faria. – disse uma outra voz de súbito. Era Sir Ray, ele havia aproveitado a grande distração causada por sua nova companheira e infiltrou-se no castelo, algo impossível até então.
O nobre afastou-se, tomado pelo susto. O castelo foi tomado por ninjas.
– Está na hora de acertarmos as contas, nobre. – comentou Sir Ray.
Uma estrela de arremesso foi jogada em sua direção, Akemi a apanhou no ar, defendendo o seu novo parceiro. Sir Ray avançou contra o nobre, apanhou uma outra shuriken e trespassou o ombro do nobre, cravando na madeira da parede à sua retaguarda.
– Não saia daqui. – disse Sir Ray com ironia.
Os ninjas avançaram.
– Não se intrometam! – gritou o estranho homem arrancando de sua barriga a lâmina fatal e empunhando novamente a sua espada. – Vocês vieram me desafiar, portanto, terminem o que se propuseram a fazer.
Todos recuaram.
Akemi saltou em direção ao seu antigo “pai”, desfazendo a sua postura de defesa, agarrando-o pelo pescoço, empurrando-o contra a parede, ambos a atravessaram, invadindo o cômodo das riquezas. A espada do seu inimigo caiu de sua mão devido à força do impacto. O antigo mestre de Akemi tombou de costas, perdendo todo o ar, mas revidou rapidamente, antes mesmo da queda terminar, chutando a sua cabeça. A bela mulher rapidamente recuperou-se. Ambos se levantaram, era tudo muito rápido. Outro chute fora aplicado, ela defendeu-se, segurando a sua perna em seguida, torcendo-a para o lado, forçando-o a perder o equilíbrio, mas ele rodou sobre o seu eixo desferindo outro chute, golpeando-a com força, jogando-a contra a divisória da casa. Apanhou a sua espada em um sobressalto, segurou-a mais uma vez pela garganta, ergueu a sua arma para fincar em sua face.
Todos os seus súditos observavam. Ele era o grande senhor daquela família.
– Traidora!
De súbito, a espada de Sir Ray cortou alguns dedos da mão que segurava a ninja-to, fazendo-a cair invariavelmente. Mais um urro se ouviu. Akemi golpeou com um soco direto em sua face. Sir Ray golpeou-o mais uma vez, agora em sua nuca. Akemi desferiu uma joelhada em sua garganta, fazendo-o cuspir sangue. Ele foi jogado para outro aposento. Akemi apanhou a espada de seu antigo “pai” e correu para a outra sala. Sir Ray veio logo atrás.
– Vocês acham que vencerão? – questionou ele com ódio. – Meus súditos vingarão a minha morte!
– Destruirei duas raízes ruins esta noite, – respondeu Ray. – é o que me importa.
Akemi atacou, foi desarmada pelo seu “pai” e arremessada para o alto, caindo com força do outro lado do aposento. Mas não houve tempo de se defender do chute de Sir Ray, fazendo o seu sangue jorrar novamente. Ele caiu para trás, mas não sem arremessar a ninja-to contra o peito do samurai estrangeiro. Sir Ray segurou a lâmina com uma das mãos, cortando-a profundamente, inutilizando-a momentaneamente. Do chão, o ”pai” desferiu mais um chute, golpeando a sua face. Ray desferiu mais um chute, o estranho homem se levantou. Sir Ray atacou com a sua espada, desviou-se. Akemi retornou à batalha, golpeando a sua face. Ele a segurou pelo cabelo enquanto chutava a face de Sir Ray.
O samurai estrangeiro golpeou novamente com a espada, o “pai” puxou Akemi pelo cabelo, colocando-a à sua frente, segurando-a pelo pescoço com o braço à sua volta, protegendo-se. A espada de Sir Ray quase retalhou a sua companheira, parando, novamente, alguns milímetros de sua testa. O “pai” moveu-se para o lado, desferindo um novo chute, acertando-lhe o queixo, Akemi o puxou, ainda em sua retaguarda, golpeando as suas vistas, soltando-se rapidamente. A espada de Sir Ray cortou-lhe a face. Akemi golpeou o seu estômago e, em seguida, a sua face.
Ray preparou o último golpe, levantando a sua espada. O “pai” virou-se rapidamente e começou a fugir.
– O que ele pensa que está fazendo? – era Akemi.
Correu em desembalada carreira.
– Está fugindo?
O “pai” olhou para trás, fitando os seus agressores, passando por seus “filhos”, parecia fora de controle. Tropeçou nos degraus da escada da entrada da grande casa.
– Matem eles! – ordenou antes de cair e bater com o rosto em uma pedra pontiaguda no chão, ficou imóvel.
Os ninjas prepararam-se para avançar, o samurai e a ninja armaram-se com espadas.
Eles observavam o cavaleiro e a guerreira atentamente, a ordem era executá-los, sem piedade. O nobre continuava preso e sangrando, com a lâmina atravessada em seu ombro, mal podia ver o que estava acontecendo, mas sabia que agora, independente de quanto havia pago, aquela luta tinha se tornado pessoal, esse se deu à liberdade de sorrir.
Os ninjas prepararam as suas armas, o cavaleiro colocou a sua espada em riste à sua frente, a guerreira levantou a sua espada na altura dos olhos, mirando os seus alvos. Uma pesada chuva começou a cair do lado de fora da propriedade, lavando o sangue do “pai” que insistia em espalhar-se pela terra. Os ninjas ergueram as suas espadas e prepararam as armas de arremesso. Sir Ray e Akemi saltaram em meio aos seus inimigos.
Seus golpes eram certeiros, as shurikens passavam rentes aos seus corpos. Akemi e Ray guerreavam sem pensar, apenas faziam. Para onde quer que virassem as suas armas, havia um adversário a ser golpeado, eles mal conseguiam evitar os ataques inimigos.
Mais shurikens foram arremessadas, Ray utilizou um dos inimigos como escudo, desviou-se de outras, girando sobre o seu eixo e golpeando outro adversário. Preparou o próximo chute, mas foi segurado e empurrado, perdendo o equilíbrio. Akemi percebeu, desvencilhou-se de seu adversário e veio em seu socorro, golpeando aquele que o derrubou. Sir Ray caiu de costas contra a parede, levantou-se rapidamente, empunhou mais uma vez a sua lâmina, correu a katana nas vistas do adversário mais próximo, deixou-o cego. Um dos ninjas avançou com a sua espada, Ray a bloqueou com a sua, revidando em seguida. Akemi golpeou outros três. De súbito, um golpe sorrateiro acertou Sir Ray na altura do tronco, sua armadura o protegeu, mas ele sentiu o golpe. Akemi também foi golpeada. Ambos caíram. Não houve tempo de se recuperar, os adversários arremessaram novas estrelas, acertando-os de raspão, algumas poderiam estar envenenadas, se Akemi sobrevivesse, ofereceria o remédio ao seu parceiro de batalha. O gemido involuntário de dor foi proferido.
Houve uma rápida pausa na batalha, o ninja que tomaria o lugar do “pai” se adiantou, os observou. Akemi e Ray encararam de volta. Talvez quisessem intimidar, mas qual não foi a surpresa ao ver o casal de guerreiros saltando novamente contra os inimigos, atacando com as suas espadas, braços e pernas. Novamente, o cavaleiro e a guerreira esquivavam-se dos golpes e revidavam com perfeição. Um ataque lateral, uma esquiva; uma investida frontal, novo escape. E todos eram revidados, mas tudo parecia em vão, pois era uma luta perdida, não havia como aquele casal vencer tantos inimigos de uma só vez. Tudo já estava definido. Ray e Akemi iriam tombar enquanto aquele Clã de ninjas continuaria ofertando seus trabalhos aos nobres.
Foi quando se ouviu, do lado de fora do castelo, uma voz com autoridade:
– Parem todos vocês! – gritou. – Isso é uma ordem direta do grande Daymio!
Os ninjas espantaram-se, perceberam que a casa estava cercada por cavaleiros da guarda japonesa de Oda Nobunaga. Ray se espantou ainda mais.
– Quem os chamou para a batalha?
– Larguem as suas armas! – gritou outro soldado.
– De joelhos perante os representantes do seu senhor. – disse outro um tanto envolvido com o momento. – Agora!
– Quem os chamou? – insistiu.
Foi quando fitou o velho aldeão da insignificante aldeia, os guardas da cidade mais próxima deram ouvidos às palavras daquele senhor. Os ninjas armaram-se novamente, agora encarando a guarda, mas perceberam que seria uma batalha perdida, sumiram rapidamente na escuridão. Os soldados aproximaram-se da casa com cautela, o velho aldeão havia explicado cada detalhe, seus cabelos brancos impuseram um forte respeito naquele momento.
A batalha havia terminado.
***
O Desfecho.
Akemi observava enquanto Ray avaliava o corpo caído do antigo “pai”.
– Ele está vivo? – perguntou Akemi.
– Sim, está. Apesar de todos os ferimentos, ele ainda está vivo.
Akemi levantou a sua ninja-to para findar com a sua vida, Sir Ray segurou o seu braço.
– Não! – disse de forma incisiva. – Não cabe a nós matá-lo.
– Ele virá em nosso encalço.
– Que seja, deixe assim. – concluiu o cavaleiro. – Desestabilizamos consideravelmente a sua família, levará anos para que ele a recomponha.
Uma risada tomou o lugar, era o nobre, agora encarcerado pela guarda, devido às denúncias sofridas, preso em um canto.
– É isso que o torna fraco, cavaleiro. – disse. – Você permite que seus inimigos retornem. Por que não me retira a vida de uma vez por todas?
Sir Ray aproximou-se do nobre desonrado, deixando Akemi para trás.
– Não irei matá-lo porque não me compete esse poder. Mas eu aprendi muitas coisas com homens como você. Eu fiz algo bem pior do que matá-lo: eu derrotei a ti e aos teus homens e, agora, todos sabem que você é um traidor do império. Se não for morto por ordem do grande Daymio, será humilhado em sua pena. Se escapar, até lá, todos saberão que foi derrotado por ser um traiçoeiro. Você perdeu tudo que tinha, da riqueza à sua nobreza, sua influência está por terra. Para um homem tão altivo e orgulhoso como você, esse é o melhor tipo de castigo que posso lhe oferecer.
O tempo passou um pouco mais e a dupla de guerreiros não voltou a se falar.
O velho aldeão os observava. Sir Ray afastou-se, pronto a voltar para o seu lar, o feudo de Yagyu.
– Vai deixá-la sozinha? – perguntou, de repente, o velho.
Ray fitou a jovem Akemi.
– Acredito que ela saiba se virar. À propósito, obrigado por me ajudar.
– Ela não tem para onde ir. – respondeu sem prestar atenção no agradecimento.
– Ela pode habitar a aldeia.
– Mas aquele não é o lugar dela.
– E qual seria?
– Preciso dizer algo tão óbvio?
– Então?
– Ela perdeu a sua família.
– E...
– Ora, você é a sua nova família.
Ray se calou por alguns instantes.
– Nos conhecemos a menos de um dia.
O ancião sorriu.
– Mas eu já vivi demais e sei quando surge algo de especial entre duas pessoas. E se você dispensar isso, será um erro.
– Por quê?
– Lembra do seu sorriso?
– Sim...
– Ele está se mostrando agora, neste momento, e parece muito mais alegre...
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"Contos da Era Heróica" são contos anteriores à trilogia "Os Confins da Terra", clareando dessa forma um pouco mais o contexto da história e onde cada personagem se encaixa.
Neste caso, veremos um pouco mais das aventuras vividas por Sir Ray Stephen e como ele conheceu a sua esposa, a belíssima Akemi.
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