O Cálice de Lágrimas - Parte I

Era natural de Abidos, cidade egípcia, e não era de todo desacostumado ao calor e ao mormaço daquelas paisagens. Vinha de família rica, de mercadores de tecidos que vinham desde o Oriente para ser vendidos nos maiores bazares de dezenas de cidades àrabes.

Nascera, portanto, em berço de ouro, nunca viveu privações em toda a sua infância e adolescência. Era belo de feições, e por muitas vezes as jovens o cobiçaram, sempre tentando seduzi-lo, e a todas ele rejeitava, com um ar melancólico.

Em seu coração, tinha um anseio que não sabia definir, e por mais que tentasse, não conseguia sanar. Vivia a vagar por sua cidade, observando as pessoas vivendo suas vidas e tentando tirar dali uma explicação para o vazio que cada vez mais aumentava.

Não tinha grandes ambições, nem tampouco sonhos de grandeza, a não ser continuar a viver aquela rotina, percorrendo as ruas de sua cidade, sem se preocupar com o dia de amanhã, e aquilo cada vez mais atraía a preocupação de seus pais.

Khayoum, seu pai, a todo instante erguia as mãos em prece a Alá, para que iluminasse seu filho e o reconduzisse no caminho de um "bom cidadão", o que para ele seria seguir com o negócio da família e não se importar com questões além de sua compreensão.

Soraya, sua mãe, já estava à beira das lágrimas, pois as senhoras da cidade viviam a mexericar que seu filho era um vadio, um louco, e aquilo para ela era o pior de todos os insultos. Vivia a tentar arranjar para o filho uma esposa, na utopia de que ele se ajeitasse quando tivesse um lar e uma família.

A essas preocupações Samir não dava maior importância, até porque sabia que fortuna e amor, mesmo que em grande quantidade, não iriam tapar quele buraco que tinha em sua alma. Ele buscava algo mais, e passava os dias a imaginar o quê.

E continuava a andar e andar por aquelas ruas, buscando respostas para perguntas que desconhecia, até que já conhecia cada bairro, cada beco e cada rosto dali. Assim, resolveu que não descobrira nada mais se permanecesse ali, e decidiu partir, sem saber para onde. Foi, então, pedir a permissão e a ajuda de seus pais.

Estes não pensaram muito, e concordaram. De alguma forma, consideravam que o melhor para ele seria que partisse logo, e descobrisse a si mesmo de alguma forma. Deram-lhe um cavalo, mantimentos, água, dinheiro e as suas bençãos.

Dez minutos depois, Samir cruzava os portões de sua terra natal e partia rumo ao desconhecido, sempre seguindo as águas caudalosas do Nilo.

Passou por Tínis, por Gizé, por Mênfis, Heliópolis, dezenas de outros locais, sempre observado o que podia, mas não achava nada que o satisfizesse. E assim continuou, até chegar em terras estranhas, e por elas andou até Jericó.

Ao chegar, impressionou-se com o tamanho das muralhas da cidade. Sem demora, entrou e seguiu até a praça central, onde deixou seu cavalo numa estrebaria e abasteceu-se de água, pois cavalgara alguns dias no deserto e suas provisões estavam no fim. Tudo resolvido, sentou-se numa fonte e passou a observar os tipos que iam ali buscar água. Moças envoltas em panos que não conhecia, senhoras de idade, homens que davam de beber aos cavalos, entre outros. Alguns o cumprimentavam, outros não.

Algum tempo depois, um ancião foi se aproximando. Cumprimentou-o seguindo as regras do islã, o que lhe causou espanto, pois estava em território judeu.

- Salaam, meu amigo! Vejo que é um estrangeiro, pelas roupas que veste... O que o traz a Jericó?

- Salaam, meu senhor. Sim, sou estrangeiro, e não tenho destino certo. Se aqui me encontro, é por mera casualidade.

- Ah! Justamente o que eu procurava, um viandante! Gosta de aventuras, amigo...?

- Samir, meu senhor. Na verdade, nunca vivi nenhuma, portanto não posso lhe dizer se gosto ou desgosto delas.

- Oh, então terei o prazer de lhe engajar em sua primeira aventura! O que me diz?

- Senhor, ando por este mundo procurando uma explicação para este vazio que tenho dentro de mim. Se esta aventura da qual me fala pode me ajudar de alguma forma, terei eu o maior prazer de vivê-la.

- Assim é que se fala, meu rapaz! Pois então escute bem: Em seu país natal, a muitas léguas daqui, existe uma cidade chamada Oásis Khafra. Partindo-se dessa cidade, há um caminho chamado Rota das Maravilhas. É um caminho difícil, repleto de perigos, animais selvagens, e o deserto pelo qual você caminhará talvez se torne seu maior inimigo. Não lhe mentirei, nenhum dos que trilharam a Rota sobreviveu, mas reza a lenda que no final do caminho há uma caverna, onde se escondem magníficas riquezas, e artefatos mágicos poderosos. Mas sem dúvida alguma, o mais notável de todos é o Cálice de Lágrimas.

- E que cálice é esse? O que ele faz?

- Diz-se que ao derramar lágrimas verdadeiras dentro deste cálice, o desejo mais profundo de sua alma, que nem mesmo você conhece, lhe será revelado...

- Não precisa dizer mais nada, senhor, já me convenceu. Esse cálice parece ser exatamente o que tanto procurei por todo esse tempo, e não tardarei mais em sair à sua procura. Muito obrigado, meu amigo, você foi minha salvação...

- Eu não agradeceria tão cedo, meu amigo...

Mesmo sem entender as palavras do ancião, o jovem despediu-se e seguiu para a hospedaria, e ao chegar lá, lembrou-se de que não havia perguntado o nome de seu benfeitor. Dando de ombros, afastou esse pensamento da cabeça e pôs-se a dormir.

No dia seguinte, acordou-se antes mesmo que o sol raiasse, tamanha era sua ansiedade em lançar-se em busca do artefato.

Pegou seu cavalo na estrebaria, encilhou-o, respirou fundo, e partiu em mais uma etapa de sua procura por felicidade, rumo a Oásis Khafra!

Jhonata Luís
Enviado por Jhonata Luís em 30/07/2010
Código do texto: T2409128
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