A cabocla e o estrangeiro
Era uma vez, uma cabocla, bonita, com um olhar terno e meigo
descendente de uma brava e guerreira tribo da região que, cansada da lida de sol a sol, parou por breve momento para olhar seu belo rosto no reflexo daquele imenso rio. Não saberia ela que tal ato iria mudar a sua vida para sempre...
Não resistiu e naquela água barrenta, caiu. Mergulhou até o mais fundo daquelas profundas águas. Submersa naquele mundo misterioso e mágico, interagiu com as mais diveras espécies que ali viviam, como os botos, os peixes - bois, e, por que não dizer, consigo mesma, que como Iara, uma Sereia encantada, fascinava todos os seres ali existentes.
O peso do mundo ali sumiu.Era somente ela; mais leve, mais nova, mais viva, mais vibrante. Esqueceu, naquele momento, das suas incansáveis lutas, do seu grande sonho de morar na cidade da grande Manaus.
Porém, justamente quando seu estado de puro extase estava em completa conexão com aquela natureza, resolveu voltar à realidade
e despontou no meio daquela água que não acabava mais.
Sentiu-se tão pequena e ao mesmo tempo grande. Era um sentimento difícil de explicar....era como algo dentro dela quisesse urgentemente sair; algo que gritava dentro dela...talvez, fosse sua intuição lhe dizendo que algo de muito especial estava prestes a acontecer.
E como as coisas do destino que não se pode evitar, de longe, avistou um bonito moço, claro, de olhos azuis que vinha da margem do rio. De imediato, o seu coração começou a pulsar tão forte,
que parecia que iria pular para fora do seu peito. Não tardou, com esse moço, encantou-se.
Esse rapaz, com um jeito seguro, porém, de menino, lentamente, aproximou-se dela.
Ele, nada falou, mas, o seu enigmático e sedutor olhar deixou-a extasiada, paralisada, emudecida. Nunca vira, em vida, rapaz tão lindo
bem diferente dos que viviam na região.
Provavelmente, ele iria com mexer o comércio da borracha, como faziam muitos forasteiros naquela época. Sentia que esse era diferente...
Na verdade, era um imigrante italiano, que foi a sorte tentar naquela longíqua região do norte e a quem, futuramente, a população ribeirinhairia passaria chamar carinhosamente de "Capitão", não somente pelo respeito e consideração, mas, também pelo carinho, admiração àquele rapaz que viria lutar bravamente na Guerra do Paraguai e aquela linda e especial cabocla iria, um dia, desposar.
Quando chegou mais perto daquele estranho moço, ela percebeu que ele falava uma estranha língua: não era da sua região e nem o português que ela havia aprendido com os missionários.
Ela sentiu-se segura com seu jeito doce, bom, gentil e como uma espécide de magia que nunca experimentara em sua vida, sentiu uma estranha energia ao se aproximar daquele rapaz.
Os dois estavam já entrelaçados, começaram a carinhosamente se beijar e o que se viu foi uma grande explosão ocorrendo no meio daquele rio. Era um fogo que não se apagava.
Foi anestesiador....naquele momento, todos os seres da floresta voltaram sua atenção àquele fato nunca antes ocorrido: uma fogueira dentro do rio !!
E, como algo que não poderia evitar, aquela cabocla, naquele breve, mas especial momento, no meio daquele barrento e mágico rio, criou sua própria lenda, ao permitir-se ao amor se entregar, com todo o seu corpo, alma e coração.
E em homenagem a tal cabocla, os ribeirinhos deram-lhe o seguinte nome: a Dama do Coração de Fogo.