Minha vida de escola

Eu morava numa casa grande, uma enorme piscina, um belo jardim, um lindo campo de futebol; na garagem, tinham sete carros: um para cada dia da semana e, em minha mente, um mundo de sonhos e imaginação. Exatamente dessa forma eu narrava minha vida de novela para meus colegas da segunda série, de uma escola pública, próxima ao bairro onde eu morava. Trocava meu barraco de piso de barro e paredes cansadas, remendadas com papelão, por uma linda casa. O carro de mão que meu irmão mais velho usava para trabalhar fazendo frete no mercadinho virava uma Mercedes. Na hora do recreio corria para o pátio, sentava em baixo do pé de jambo com meus colegas ao redor, ouvindo minhas riquezas com olhos brilhantes e bocas entreabertas.

Quase todos acreditavam e me invejavam, implorando para irem um domingo ou feriado tomar banho de piscina. Outros não acreditavam, mas ouviam e me invejavam pela facilidade com que eu criava as belas imagens da casa, dos carros, dos empregados, das viagens à Disney, dos meus planos para o futuro. Só dessa forma eu conseguia planejar o futuro, a faculdade no exterior, consultório de advocacia, mulher, filhos, netos. Quando eu estava em casa, vivendo a pobreza de ser eu mesmo, era quase impossível sonhar; mulher, filhos, netos, tinha quase certeza de que os teria (se não fosse engolido pela violência do bairro), porém o restante estava tão fora das possibilidades, não me permitia nem desejar entrar numa faculdade, não era capaz, era pobre, a felicidade não me escapava pelos dedos, ela passava a luas de distância das minhas mãos pequenas e calejadas.

Eu só existia quando estava na escola, no dia que não tinha aula, morria o melhor de mim. É verdade que eu brincava no campinho da comunidade, empinava pipa, jogava bola de gude, pisava em poças de lama, fazia de tudo, mas era automático, coisas de criança que a gente faz porque vê os outros fazerem e, quando não quer, vem um monte de colegas chatos em romaria a sua porta, chamando, chamando, chamando, até sua mãe se zangar e te colocar para fora, a gosto dos inimigos.

Sair de casa quase sempre era uma alegria. Tudo bem que os sonhos e as invenções só aconteciam na escola, era um lugar santificado, onde eu fazia milagres, o milagre de ser rico, feliz, com um futuro azul, no qual eu poderia mergulhar sem medo de afogamentos, ou poluição dessas águas, que certamente banhariam minha alma protegendo-me das enchentes da vida de quem mora numa favela.

Outra coisa que eu gostava era de assistir às novelas na casa da vizinha, eram minhas fontes de inspiração. Entrava naquelas casas, mergulhava de olhos abertos nos jardins com o colorido que eu tanto queria para minha realidade. Quando terminava, voava para casa, pegava meu lápis e caderno, colocava no banquinho, sentava no chão e escrevia, escrevia tudo, todos os detalhes, minha imaginação era do tamanho de Deus. Contava as horas para chegar a aula, contava os segundos para o recreio.

Junto aos meus colegas de escola, eu era Jonas Jr, filho único de dona Ana, proprietária de uma loja no Shopping, e de seu Jonas, advogado. Em casa, eu sou Jonas, o quarto filho de uma mãe solteira, nunca morei em outro bairro, nem em outra casa, minha mãe pagava cem reais de aluguel do barraco e todos dormíamos juntos, como uma família unida na fome e na tristeza. Meu pai, esse nunca existiu, nem os outros pais dos meus irmãos, minha mãe engravidava do vento, e este passava rapidamente, enchendo minha mãe de nova vida e secando os nossos estômagos.

Hoje, aos dezessete anos, guardo o meu túmulo dentro de uma caixa de sapato, lá estão todas as riquezas que vi na tevê, plantei no caderno e reguei nos corações dos meus amigos de escola. Meus colegas adolescentes zombariam de mim, não posso mais ser rico usando roupas de feira popular, não posso ser rico sem tênis de marca, não posso ser rico sem celular que tira fotos, não posso ser rico sendo eu mesmo, tive que matar o que de mais belo existiu em mim e acordar para os espinhos da vida e a poluição das águas que me banham desde que eu era semente.